Direita evangélica está rachada? O que embate Marçal x Bolsonaro mostra

As eleições municipais de 2024 expõem um fenômeno em curso: a base evangélica se afasta da figura do ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo especialistas.

Parte do eleitorado evangélico que se identificava com a direita, antes unificado pelo apoio incondicional ao ex-presidente, agora se fragmenta, na opinião do professor Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV em São Paulo.

A ascensão de figuras como a do candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), que se posiciona como defensor dos "valores cristãos", desafia diretamente Bolsonaro e representa um novo capítulo na dinâmica política da ala evangélica da direita brasileira.

Marçal tem 31% das intenções de voto do eleitorado evangélico paulistano, seguido pelo atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), que recebeu apoio de Bolsonaro e tem 29%, segundo a pesquisa Datafolha.

E há diferenças de estratégia. Ao contrário de Bolsonaro, que buscava apoio institucional dos líderes religiosos, Marçal usa o diálogo direto com eleitores, sem intermediação dos pastores tradicionais, na opinião de Grin.

O candidato do PRTB evita alianças formais com líderes religiosos, o que lhe dá liberdade maior para moldar seu discurso conforme as necessidades, diz Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

Com isso, ele evita se prender aos compromissos institucionais que marcaram o governo Bolsonaro.

Ele [Marçal] não tem aliado, não tem buscado a conversa institucional com os pastores da igreja, como Bolsonaro fez [...] Ele tem dialogado diretamente com os evangélicos, enquanto tal. Tanto é que ele tem a preferência dos eleitores evangélicos na cidade de São Paulo.
Eduardo Grin

Para Grin, a postura de Marçal é mais radical, com apelo entre eleitores evangélicos de baixa renda, que se identificam com sua mensagem de prosperidade e ascensão social.

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Marçal representa um sentimento ainda mais profundo na sociedade brasileira, que não é só antissistema, como era Bolsonaro, mas é antipolítica [...] Ele é um outsider muito mais extremado.
Eduardo Grin, cientista político

Essa perspectiva antipolítica, que ressoa em uma parcela do eleitorado que vê na política tradicional um caminho esgotado, encontra, em Marçal uma figura de renovação —mesmo que seus métodos e discursos sejam reflexos ampliados da retórica bolsonarista, segundo especialistas.

Pablo Marçal se espelha no mestre, mas constrói sua autonomia, sua imagem e trajetória autônomas.
Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião

Para João Cezar Castro Rocha, historiador e professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), com a intenção de conquistar votos junto ao público evangélico, Marçal se mostra como rei Davi e espera a morte política de Bolsonaro para assumir o protagonismo na direita, disse ao UOL News.

Vocês se deram conta de que Marçal está associando Bolsonaro ao rei Saul [sucedido por Davi]? É de uma inteligência perversa e assustadora, e certamente o público evangélico vai reagir. [O pastor] Silas Malafaia já está reagindo.
João Cezar Castro Rocha, ao UOL News

Para o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e apoiador de Bolsonaro, o próprio ex-presidente "deixou o espaço vazio". Ao UOL, ele preferiu não declarar apoio no primeiro turno das eleições municipais.

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O Bolsonaro tinha que ter escolhido um cara bolsonarista raiz de direita [para concorrer às eleições municipais em São Paulo] ou no mínimo um vice bolsonarista raiz reconhecido por quem apoia Bolsonaro. Ele não fez nenhuma das duas coisas.
Silas Malafaia

7 de setembro

A crítica a Marçal, especialmente após as manifestações do 7 de setembro, ilustra a tensão dentro da direita evangélica. A manifestação convocada por Bolsonaro foi usada por Marçal para reacender a disputa pelo voto dessa parcela da população.

Em suas redes, o candidato do PRTB afirmou ter sido impedido de subir no trio elétrico onde estava Bolsonaro. E aproveitou a oportunidade para ficar no meio da multidão e criticar a organização do evento.

A postura causou reações de apoiadores de Bolsonaro. "Esse cara não é digno do voto da direita, nem dos evangélicos, nem do povo de São Paulo", disse Malafaia, em um vídeo após a manifestação do 7 de setembro nas suas redes sociais.

A questão agora é se Bolsonaro conseguirá unificar novamente essa base ou se Marçal e outras figuras emergentes ocuparão o espaço de liderança, definindo os rumos do bolsonarismo e da direita evangélica nas próximas eleições.

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Apoio de Bolsonaro em outras capitais

O cenário em outras capitais também evidencia incertezas para Bolsonaro. No Rio, Alexandre Ramagem (PL), indicado por Bolsonaro, está perdendo nas pesquisas para Eduardo Paes (PSD), um opositor do ex-presidente.

Paes, embora seja crítico do ex-presidente, mantém proximidade com pastores bolsonaristas, como Cláudio Duarte e Josué Valandro Junior. Eles foram fotografados recentemente com o candidato e afirmaram ter amizade com Paes.

Em Belo Horizonte, Mauro Tramonte (Republicanos), ligado à Igreja Universal, lidera sobre Bruno Engler (PL), outro candidato apoiado por Bolsonaro.

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