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Cólera leva mais sofrimento às famílias haitianas; país já registrou mais de 90 mil casos da doença

Ernest Paul se recupera do cólera enquanto sua mãe o limpa. Seu irmão mais novo também está doente e internado. Veja mais imagens - Leandro Prazeres/UOL
Ernest Paul se recupera do cólera enquanto sua mãe o limpa. Seu irmão mais novo também está doente e internado. Veja mais imagens Imagem: Leandro Prazeres/UOL

Leandro Prazeres

Especial para o UOL Notícias <br> Em Porto Príncipe (Haiti)

16/12/2010 07h00

Mais que estatísticas alarmantes, a epidemia de cólera que assola o Haiti produz sofrimento. Famílias inteiras estão sendo infectadas pelo que os médicos temem ser uma nova onda da doença. Nos últimos dias, as crianças estão sendo mais afetadas. A violência da doença é tão grande que, muitas vezes, pais e filhos são internados ao mesmo tempo nos hospitais improvisados montados por organizações internacionais. Segundo últimos dados do governo haitiano, o país já registrou mais de 90 mil casos e cerca de  2.200 mortes em consequência da doença.

Na casa de Mirland, 21, o cólera foi cruel. Antes dela, outras duas crianças com quem ela vive já haviam sido infectadas. Foi cuidando de uma delas que ela contraiu a doença. Sua filha, de apenas um ano de idade, também começou a apresentar os sintomas. Casos como o de Mirlande são cada vez mais comuns e estão fazendo com que os médicos coloquem pais e filhos internados uns ao lado dos outros.

Mirlande ocupa uma cama na ala pediátrica do hospital. Passa o dia deitada, ora dormindo, ora olhando a filha. A menina, também enfraquecida, sequer consegue se alimentar no seio da mãe. Precisou ser hidratada por via intravenosa.  “Quando eu vi que estava doente, fiquei preocupada, mas não muito. Mas quando notei que minha filha também estava, aí eu pensei: agora eu tenho um problema”, disse Mirlande, que, aliviada, comemorou que, até agora, ninguém de sua família morreu da doença, mas ainda não há previsão de que tenha alta. Como a renda média do haitiano é de US$ 2 dólares por dia, ao menos internada, ela e sua filha tem condições de receber comida saudável durante alguns dias.

Os hospitais que estão sendo montados às pressas por organizações não-governamentais do mundo inteiro são, em sua grande maioria, um conjunto de tendas de lona instaladas uma ao lado da outra. Para entrar, é preciso obedecer a protocolos rígidos de segurança. Os pés são borrifados com uma mistura de água e cloro e as mãos precisam ser lavadas com uma solução ainda mais concentrada. Para sair, o mesmo procedimento. “Isso é para evitar que o vibrião colérico entre ou saia dos hospitais”, explicou o médico brasileiro Sérgio Cabral, da organização Médicos Sem Fronteiras.

Nesses hospitais improvisados, todas as camas são de madeira e têm um furo redondo no meio. São para facilitar a vida dos pacientes que, na maioria das vezes, não têm forças para chegar às latrinas. Um dos principais sintomas do cólera é a dirreia forte acompanhada de vômitos. Embaixo dos furos, baldes aparam os fluídos contaminados que são, posteriormente, submetidos a um processo de descontaminação.

A “ala pediátrica” é sempre uma das mais movimentadas desses hospitais. Crianças com dor choram a todo momento. Algumas, já em fase de recuperação, conversam e brincam com os pais ou parentes durante o horário de visita. As tendas são baixas e até mesmo o sol brando do inverno haitiano consegue produzir um ar sufocante dentro delas.

 Para algumas mães, o cólera está dando trabalho dobrado. É o caso de Beatrice Paul, 28. Ela tem três filhos; dois contraíram a doença. Detalhe: ao mesmo tempo. Desde a última terça-feira (14), ela acompanha o tratamento. O mais velho, Ernest, 14, está em estado mais grave. As marcas do cólera são evidentes em seu corpo. Os olhos estão fundos, a pele cada vez mais ressacada e as costelas estão ficando mais à mostra. “Ele perdeu muito peso. Passou mal demais. Agora, eu fico aqui cuidando dele e do meu outro filho. Quando termino de limpar um, tenho que limpar o outro. Quando um reclama de alguma coisa, vou pra cama dele, até que o outro me chame”, conta Beatrice.

O aumento verificado no número de casos do cólera no Haiti fez com que algumas ONGs ampliassem suas unidades e remanejassem recursos. O foco agora está no Sul do país, onde os registros não param de crescer e onde a letalidade está cada vez maior. Em regiões como Grand Anse, onde o índice de mortes está chegando a 32% dos casos.