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Análise: O Oriente pode salvar a ópera

Andrew Moravcsik*

The New York Times

30/12/2010 00h01

Durante 400 anos, nenhuma forma de arte foi mais intimamente identificada com a cultura ocidental do que a ópera. No coração de cada cidade europeia se encontra uma casa de ópera. Com o passar dos séculos, essas casas se tornaram o centro da vida intelectual e social: lugar onde a aristocracia jogava e festava, a burguesia emergente batia papo, a vanguarda artística buscava inspiração. Do barroco ao pós-modernismo, os libretos de ópera espelham a história moderna do Ocidente.

No entanto, a ópera está morrendo no Ocidente. As óperas românticas mais populares como “Aida”, “Turandot” e “Tristão e Isolda” já não incluem em seu elenco cantores de alta qualidade, carinhosamente relembrados e imortalizados em gravações de poucas décadas atrás. Artistas carismáticos como Maria Callas, Birgit Nilsson ou Ezio Pinza, que estrelaram nas óperas românticas do século 19, transformaram a ópera em uma forma de arte universalmente elogiada, e ainda popular no mundo todo. Apenas pergunte a qualquer pessoa que ouviu Pavarotti cantar “Nessun Dorma”. Essas são óperas que o público ainda quer ouvir. Porém, onde estão os cantores?

O diretor musical do Metropolitan Opera, James Levine, entristeceu-se ao relembrar dos cantores que regeu 40 anos atrás: “Eles eram incrivelmente completos artisticamente... Eu daria tudo para ouvi-los cantar novamente”.

Mas parece que alguma ajuda está a caminho! E está vindo de uma direção inesperada: o Oriente.

Na China, a primeira apresentação pública de ópera em italiano desde a Revolução Cultural aconteceu há apenas 15 anos. Ainda, em uma viagem recente a Xangai, me deparei com uma produção local de “Otello”, a partitura mais desafiadora de Verdi, apresentada apenas por chineses: cantores, maestro e orquestra, em uma apresentação extremamente natural que foi depois exportada para o principal festival de ópera finlandês.

Alguns meses depois estive na nova e glamourosa casa de ópera em Pequim, que vale meio bilhão de dólares, para ouvir uma nova finalização da ópera “chinesa” inacabada de Puccini, “Turandot”, escrita pelo jovem compositor chinês Hao Weiya. Um ovo prateado brilhante, foi assim que a irreverente população de Pequim apelidou a casa devido ao seu formato e cor.

As obras indígenas são ainda melhores, pois através delas, os cantores chineses brilham em sua língua nativa. “Poet Li Bai”, de Guo Wenjing, que foi estreado pelo grave do Metropolitan Opera, o chinês Hao Jiang Tian, com entusiasmo, relembra a vida e obra de um dos maiores poetas da Dinastia Tang.

E eu voltei a Nova York a tempo de assistir à estreia de “O Primeiro Imperador”, uma ópera do compositor mais conhecido da China, Tan Dun, no Metropolitan.

A estrela foi Plácido Domingo. Mas as estrelas da ópera da Ásia estão em ascensão. Os asiáticos estão cada vez mais presentes nas escolas de música americanas e européias. Eles ganham competições de canto no mundo todo, participam de coros de ópera na Europa e, cada vez mais, aparecem como principais solistas de palco.

A recém descoberta da Ásia talvez não seja tão surpreendente quanto parece a princípio. A ópera sempre foi uma profissão globalizada, com cantores viajando por toda Europa e cruzando o atlântico para exercerem o seu ofício. O principal motivo disso é que grandes cantores sempre foram uma mercadoria escassa.

A ópera se assemelha aos esportes profissionais em que exigências técnicas e físicas levam suas estrelas ao limite da histamina e potencial humano. Em qualquer geração de cantores, poucos conseguem chegar ao topo e executar as difíceis sequências de Verdi, ou projetar a orquestração extravagante de Wagner por cinco horas numa noite. Poucos conseguem fazer com elegância, entusiasmo e aprofundamento musical.

Assim como com atletas, produzir tais cantores requer que os especialistas examinem minuciosamente milhões de jovens para encontrar os poucos talentosos, ofereçam décadas de treinamento dedicado e os recompense com fama e dinheiro o suficiente para que o tédio e o risco pessoal valham a pela.

Durante séculos, o material cru na Europa e nos Estados Unidos originou de grupos musicais aristocráticos e nobres, igrejas e corais de escolas, cabarés e clubes, Broadway e Vaudeville, pequenas cidades e ruas repletas de artistas perambulando, e inúmeras famílias cantando ao redor de lareiras, piano bars e rádios. Durante séculos, nenhum artista foi mais glamouroso ou mais bem pago do que uma estrela de ópera. Eles foram divas e divos, ou seja, divinos.

No ocidente, esses dias se foram. As músicas clássicas cantadas sem microfone foram substituídas por um oceano de música pop modificadas eletronicamente. Corais de igreja e aulas de música na escola estão desaparecendo. Uma grande variedade de oportunidades de trabalho menos arriscados e mais bem remunerados, dentro e fora da música, fazem da ópera uma carreira promissora menos atraente. Como resultado, grandes cantores são cada vez menos encontrados – pelo menos aqueles com vozes ressonantes exigidas para Verdi, Wagner e Puccini. São mais raras, distantes do estilo microfonado, e exigem um aprendizado mais severo e duradouro.

Mas na Ásia, muitas das condições importantes ainda existem. Estudantes asiáticos demonstram um grande comprometimento com a educação, uma ética de trabalho poderosa e um senso rígido de disciplina. A música clássica permanece prestigiosa na Ásia, em partes porque está associada com o Ocidente, e não por acaso. A educação musical é frequentemente obrigatória; e os conservatórios, mesmo não se comparando aos ocidentais, são fortes.

Um número cada vez maior de conservatórios ocidentais lucra ao recrutar os melhores jovens cantores asiáticos, principalmente da Coreia, Taiwan e China. No ano passado, no Bertelsmaan, prestigiado concurso na Alemanha, os três finalistas eram coreanos. Nos EUA, no Metropolitan Opera, um dos quatro finalistas era o tenor coreano Sung Eun Lee. A maioria dos novos tenores contratados em Berlim, Stuttgart e em uma série de outros coros alemães respeitáveis são coreanos.

Como esses exemplos sugerem, a Coreia do Sul parece produzir um número extraordinário de cantores de ópera, dado seu tamanho modesto e a distância geográfica do epicentro cultural da ópera. Ao explicar os fatores por trás do sucesso da Coreia, o reservado astro do Metropolitan Opera, o soprano Hei Kyung Hong, descreve como era o Ocidente há 50 anos: o prestígio da alta cultura ocidental, o status por possuir um piano, a forte família tradicional e um desejo competitivo de ter sucesso no país e no exterior. Algumas tradições musicais e a cultura extrovertida da Coreia, assim como no Japão, a música clássica é popular, mas é onde poucas estrelas da ópera nascem.

Entretanto, as coisas estão em andamento aqui. Uma vantagem dos coreanos é que no país aproximadamente um quarto da população é cristã, com predomínio de presbiterianos e metodistas, que possuem hinos cantados. Um número desproporcional de cantores coreanos é cristão, incluindo Hong, cujo pai era ministro, e Lee, que faz questão de doar seus prêmios, em dinheiro, aos missionários que originalmente trouxeram a ópera para a Coreia.

Mesmo assim, o país com o maior potencial é, certamente, a China. Com estimados 30 milhões de estudantes de piano e 10 milhões de estudantes de violino, audições anuais aumentaram de alguns milhares para aproximadamente 200 mil em 20 anos.

Seguindo as tendências recentes de imigrantes italianos, alemães, russos, japoneses e coreanos, a China está agora fornecendo para as orquestras mundiais. Recentemente, Hae-Ye Ni, nascido em Xangai, foi nomeado principal violoncelista da orquestra Philadelphia, e Liang Wang de Tsingtao, principal oboísta da New York Philharmonic. Solistas chineses estão ascendendo também, liderados por três pianistas famosos: Lang Lang, Yundi Li e Yuja Wang – todos com 20 e poucos anos.

Os cantores chineses precisam trabalhar mais que os instrumentalistas para superar os obstáculos linguísticos, e eles não possuem a formação cultural e religiosa dos coreanos. Ainda, o governo chinês os ajuda a obter sucesso. A idéia de que a ópera é algo moderno encontra suporte até com os membros do Politburo do Partido Comunista da China. A educação artística é obrigatória em muitos lugares. O governo envia inspetores para muitas vilas a fim de encontrar jovens cantores promissores e levá-los para treinamento no conservatório. O boom da construção civil resultou em casas de ópera glamourosas nas principais cidades.

As estrelas chinesas já começaram a ascender, e elas parecem ter mais potencial do que os coreanos no que se refere à voz necessária para cantar ópera. O grave Hao Jiang Tian, estrela da ópera poética em Xangai, cantou no Metropolitan durante décadas. Em 2007, ele foi acompanhado por um barítono grave, um jovem chinês desconhecido cujo nome artístico é Shenyang. Aos 23 anos, de Tianjin, o jovem ganhou o mais notável concurso de canto – o Cardiff Singer of the World Competition. Ele canta peças dramáticas com calor, profundidade e maturidade, normalmente reservadas para aqueles que têm o dobro de sua idade. Muitos acreditam que Shenyang pode se tornar o primeiro chinês superstar de ópera.

É muito cedo para saber se a Ásia salvará a ópera. Talvez Pequim e Seul se tornarão "mecas" da ópera. Ou talvez, mudanças na política e na cultura de milhões de jovens que ouvem ao pop ocidental em shoppings apagarão o que pode ter sido uma renascença promissora da ópera. Assim como muito do que acontece naquela região, isso é uma experiência social incerta.

Porém, nada demonstra as ironias de globalização mais claramente do que a possibilidade de que o futuro da ópera, a mais venerável das artes do ocidente, possa depender da Ásia.

* Professor de política e diretor do Programa da União Europeia na Universidade de Princeton, Andrew Moravcsik, escreve sobre música desde seus tempos de universitário em Stanford.