Eleição francesa é marcada por grandes promessas e ilusões ainda maiores; veja algumas
Neste domingo (22), os eleitores franceses irão às urnas para o primeiro turno da eleição presidencial. Até o momento, esta tem sido uma campanha eleitoral estranha, na qual as personalidades têm desempenhado um papel de maior destaque do que a problemática economia do país. A mídia francesa tem concentrado as suas atenções especialmente no destino do presidente Nicolas Sarkozy – destino este que continua incerto.
Jacques Cheminade, um candidato presidencial do Partido Solidariedade e Progresso, que é vinculado ao movimento de Lyndon LaRouche, diz que, se for eleito, colonizará o planeta Marte. Ele também parece não ver nenhum problema em comparar Barack Obama a Adolf Hitler.
Quatro milhões de telespectadores franceses sintonizaram os seus televisores nas últimas semanas para verem Cheminade em uma edição eleitoral especial de "Des paroles et des actes" ("Palavras e ações"), um programa político na rede de TV pública France 2. Mais tarde foi a vez da trotskista Nathalie Arthaud apresentar a plataforma do seu partido. Nathalie Arthaud deseja abolir a economia de livre mercado e elogia a ditadura do proletariado.
Cheminade e Arthaud são candidatos azarões no primeiro turno da eleição presidencial de 22 de abril. Cada um deles conta com mais ou menos 0,5% de intenções de votos, segundo uma pesquisa recente. Mas eles obtiveram as 500 assinaturas necessárias de autoridades eleitas para poderem concorrer à presidência, de forma que agora fazem parte do grupo de dez candidatos oficiais. Além do mais, as estações de televisão têm a obrigação legal de conceder a eles o mesmo tempo de programação – precisamente o mesmo período concedido ao presidente francês Nicolas Sarkozy, que também só teve permissão para falar durante 16 minutos no programa "Des paroles et des actes".
O vencedor da eleição francesa só será conhecido no dia 6 de maio, quando os dois candidatos mais votados na primeira etapa se enfrentarão em um segundo turno. A disputa provavelmente será entre Nicolas Sarkozy e o seu adversário do Partido Socialista, François Hollande.
Candidatos irremediavelmente azarões
Esta é uma estranha campanha eleitoral que está entrando na sua fase final na França. Aparentemente, pelo menos, a eleição presidencial francesa pode apresentar similaridades em relação à eleição norte-americana, onde dois políticos se enfrentam em um duelo pelo poder.
Mas existe algo bastante tradicional no que diz respeito à versão francesa. Na França, a maioria dos candidatos escreve livros nos quais adotam o tom de estadistas, e que as pessoas de fato compram. E quando aparecem na televisão, esses políticos anunciam de forma grandiosa que as suas aparições nas telas se constituem em um encontro com os eleitores.
Uma das peculiaridades desta eleição é o atual perfil daqueles candidatos que são azarões irremediáveis, aos quais os franceses chamam de "les petits candidats". Eles são os bobos da corte que são tolerados em um espetáculo coreografado, que resulta na escolha de um novo rei pelo povo.
Neste ano eleitoral, nós devemos nos mostrar especialmente gratos a esses azarões. Eles dão colorido a uma campanha eleitoral que, sem tal presença, seria meio deprimente. De um lado há um presidente que a maioria dos francesas considera desagradável – e que está fazendo tudo o que está ao seu alcance no sentido de convencer os eleitores de que ele é o único candidato capaz de liderar o país.
Do outro lado há o candidato socialista François Hollande, que vem superando o seu rival em uma disputa acirrada há meses, e que tem a reputação de ser um sólido pragmático. No entanto, ele não conseguiu conquistar os corações dos eleitores com o seu charme tecnocrático. As pesquisas revelam que dois terços dos eleitores que apoiam Hollande estão mais interessados em impedir a reeleição de Sarkozy.
Em suma, os franceses terão que fazer uma escolha entre um homem que eles não querem mais e outro que eles de fato não querem.
Uma ressaca eleitoral
A sensação de paralisia que caracteriza essa campanha eleitoral tem muito a ver com uma verdade que não tem sido muito enunciada: independentemente de quem vença o pleito, em uma questão de alguns dias após a eleição os programas políticos de todos candidatos se revelarão inúteis. No dia 7 de maio, após a comemoração pós-eleitoral, os franceses acordarão com uma ressaca.
Sob o ponto de vista econômico, a França é um país doente. Ela tem uma dívida nacional que chega a 90% do produto interno bruto. Além disso, o país não apresenta um orçamento equilibrado desde 1974. A França conta com a mais elevada proporção de gastos públicos dentre as nações que integram a zona do euro: 57% da produção econômica do país depende de auxílios fornecidos pelo governo. O desemprego encontra-se na casa dos 10%, e há uma geração inteira de filhos de imigrantes que está crescendo em subúrbios que são verdadeiros guetos, e que tem pouco contato com o mercado de trabalho.
O país já perdeu a sua classificação de risco AAA junto à Standard & Poor's, e muitos especialistas e políticos temem que os mercados financeiros poderão atacar esta que é a segunda maior economia da zona do euro. Embora a situação da França não seja nem remotamente comparável à da Grécia ou à da Espanha, o país foi duramente atingido e o aumento das taxas de juros sobre os seus títulos soberanos poderá fazer com que se agrave de maneira significativa a atual crise enfrentada pelo euro.
Durante a campanha eleitoral, pouco se falou a respeito da dramática situação vivida pelo país – particularmente no que se refere às medidas de austeridade que precisariam ser implementadas para que os problemas da França fossem resolvidos. Embora auditores do governo estejam pedindo que a França economize 100 bilhões de euros (US$ 131 bilhões) nos próximos cinco anos, Hollande anunciou novos gastos no valor de 20 bilhões de euros e, da maneira tradicionalmente socialista, disse que prefere elevar as receitas advindas de impostos do que reduzir os gastos públicos. Embora Sarkozy diga que pretende impor cortes sobre os gastos, ele já perdeu essa oportunidade durante os últimos cinco anos em que vem ocupando a presidência.
Imagem de uma França poderosa
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Em vez de fazer frente a esses problemas, os candidatos estão tentando atrair eleitores com a imagem familiar de uma França poderosa que é capaz de exibir os seus músculos políticos em toda a Europa. Hollande pretende renegociar o pacto fiscal europeu que foi assinado por 25 países. Já Sarkozy ameaçou retirar-se do Acordo de Schengen, a menos que sejam tomadas mais providências no sentido de conter a imigração ilegal. Isso reflete o desejo da França de contar com uma grandeza que está ameaçada exatamente pelas fragilidades econômicas que os candidatos parecem praticamente impotentes para superar.
Ninguém exemplifica melhor as propostas irrealistas que estão apresentadas durante esta campanha eleitoral do que o candidato populista de esquerda Jean-Luc Mélenchon. As pesquisas de opinião mostram que Mélenchon, que representa o Front de Gauche (Frente de Esquerda), deverá receber até 17% dos votos no primeiro turno. Graças ao sucesso de Mélenchon junto aos eleitores de esquerda, Hollande poderá acabar ficando atrás de Sarkozy no primeiro turno das eleições.
Mélenchon deseja elevar o salário mínimo mensal para 1.700 euros – e ele está defendendo a imposição de um imposto de renda de 100% sobre todos os rendimentos a partir de 360 mil euros. Além do mais, ele diz que a França deverá abandonar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mélenchon é um orador carismático. Nos seus comícios – feitos em locais como a Place de la Bastille, em Paris – dezenas de milhares de apoiadores agitam bandeiras vermelhas e cantam o hino comunista "A Internacional".
O seu sucesso tem feito dele uma espécie de pop-star. Por exemplo, um sucesso do YouTube nos últimos dias tem sido o vídeo de uma loura em trajes sumários cantando: "Assuma o poder sobre mim, Jean-Luc".
O Candidato da Frente de Esquerda é a única surpresa nesta campanha eleitoral, e ele poderá até mesmo superar a populista de direita Marine Le Pen para ficar em terceiro lugar no primeiro turno. Um ano atrás, Marine Le Pen estava à frente nas pesquisas de intenção de voto – mas, da mesma forma que fez em 2007, Sarkozy incorporou partes da plataforma política da candidata, o que lhe permitiu contar com o apoio de muitos eleitores de direita.
Fazendo perguntas difíceis
O segundo astro desta campanha eleitoral não é um candidato, mas sim um jornalista de economia careca chamado François Lenglet. Lenglet atingiu o status de figura cult porque, durante as edições eleitorais especiais do programa "Des Paroles et des actes", ele demonstrou a todos os candidatos o quão irrealistas eram as suas propostas econômicas – muitas vezes com o auxílio de tabelas e gráficos. É verdade que isso não reduziu as ilusões de grandeza econômica dos candidatos, mas a iniciativa de Lenglet pelo menos acrescentou um toque realista aos debates.
Muitos candidatos sentiram-se insultados. Eles estão acostumados a serem mimados pelos jornalistas franceses durante as entrevistas. O jornalismo crítico, conforme praticado por Lenglet, é raramente visto na televisão. Quanto à mídia impressa, os jornais franceses estão divididos entre dois campos: o conservador "Le Figaro" defende as políticas governamentais e ataca Hollande diariamente, enquanto que o "Libération", de esquerda, faz campanha por Hollande.
No decorrer dos últimos meses, a maioria da mídia francesa se concentrou em discutir se Sarkozy seria capaz de se reeleger. Faltando apenas uma semana para o primeiro turno da eleição, não surgiu ainda nenhuma resposta conclusiva para esta questão, mas a probabilidade de que o atual presidente seja reeleito já era pequena no início – e ela não aumentou.
Fracasso em mobilizar os eleitores
Após os ataques terroristas em Toulouse e Montauban, o presidente desfrutou de um breve crescimento da sua popularidade nas pesquisas, mas ele não foi capaz de reduzir a significativa dianteira projetada para Hollande no segundo turno. Entretanto, também importante é determinar qual candidato será mais capaz de mobilizar os eleitores. Isso será um desafio para Hollande, que, apesar da dianteira nas pesquisas, não consegue gerar entusiasmo.
Mas o grande duelo entre os dois candidatos – noticiados e amplificados pela mídia – tem eclipsado a verdadeira batalha que virá pela frente. O fato é que quem quer que ganhe a eleição, Sarkozy ou Hollande, será obrigado a implementar políticas reformistas bastante semelhantes e sem dúvida dolorosas.
Até lá, Jacques Cheminade poderá ser o candidato mais bizarro, mas o homem que deseja colonizar Marte certamente não é o único que está com a cabeça nas nuvens. Independentemente de qual seja o resultado da eleição, o retorno à Terra promete se dar na forma de uma aterrissagem acidentada.
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