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Brincadeira de "mau gosto" em Berlim discrimina alemães da Suábia

Busto do filósofo Georg Hegel, nascido na região da Suábia, é vandalizado em Berlim - reprodução/Der Spiegel
Busto do filósofo Georg Hegel, nascido na região da Suábia, é vandalizado em Berlim Imagem: reprodução/Der Spiegel

Charly Wilder

do Der Spiegel

17/05/2013 06h00

Na manhã de segunda-feira, os moradores de Mitte, um distrito central de Berlim, acordaram e encontraram um memorial com o busto do filósofo alemão Georg Hegel, do século 19, sujo de ketchup e currywurst, um prato local de fast-food, sob uma faixa dizendo "Expatriem os Suabianos". Mas isso provavelmente não foi uma grande surpresa, dado que, no ano passado, pichações como "Fora Suabianos" se tornaram comuns na cidade –particularmente em Prenzlauer Berg, um antigo bairro de classe operária no que antes era Berlim Oriental.

Os alemães da região da Suábia, no sudoeste –com suas contas bancárias gordas e sotaque distinto, se tornaram os garotos-propaganda desafortunados da rápida gentrificação da cidade. Os berlinenses orgulhosamente mais rudes gostam de se queixar dos recém-chegados endinheirados do sul como sendo burgueses e pedantes, responsáveis não apenas pela alta dos aluguéis, como também por moldar a capital alemã a sua imagem provinciana.

Um grupo anônimo reivindicou online a responsabilidade pelo ataque ao busto de Hegel, natural de Stuttgart, a maior cidade da Suábia. "Os suabianos têm até 31 de dezembro de 2013 para deixarem o bairro. Eles serão expulsos de Berlim e enviados para o sul", disse o grupo em seu website.

Apesar da maioria das intimações do grupo "Expatriem os Suabianos" e de outras, semelhantes, provavelmente não serem sérias, muitos consideram o ‘nativismo’ de mau gosto –especialmente em Berlim, onde grupos foram perseguidos e massacrados pelos nazistas há apenas poucas gerações. O ministro do Interior de Berlim, Frank Henkel, chamou o mais recente incidente de "mau gosto" e "inominável". Na terça-feira, ele disse ao jornal Bild: "Se alguém não se encaixa em Berlim não são os suabianos, mas sim essas facções intolerantes."

Começou como uma piada

O ato é o mais recente de uma série de incidentes –frequentemente chamados de "Guerra do Spätzle" na imprensa loca, que inicialmente pareciam brincadeiras inofensivas. Em janeiro, um grupo conhecido pelo nome de "Suabilônia Livre" espalhou spätzle –um prato suabiano– na estátua do artista Käthe Kollwitz e reivindicou um distrito suabiano autônomo em Berlim.

Poucos dias depois, Wolfgang Thierse, um antigo morador de Prenzlauer Berg e vice-presidente do Parlamento federal alemão, o Bundestag, comentou em um jornal local que ele sentia ter se tornado uma "espécie ameaçada de extinção" em seu bairro, queixando-se que muitas padarias locais agora usam termos suabianos para vários pães e doces, em vez de berlinenses.

"Eu espero que os suabianos percebam que agora estão em Berlim, não em suas cidadezinhas com suas faxinas de primavera", disse ao Berliner Morgenpost. "Eles vêm para cá por tudo ser colorido, animado e cheio de aventura, mas passado algum tempo, querem torná-la como sua terra natal. Não é possível ter ambos."

Mas nos últimos meses, o chamado "ódio aos suabianos" se tornou cada vez mais agressivo, com pichações adotando o tom –e em alguns casos, as mesmas palavras– usado pelos nazistas na sua perseguição aos judeus e a outros grupos antes do Holocausto. Um grafite recente dizia: "Suabianos, sumam", usando o "S" duplo da insígnia da SS nazista. No início de maio, "Não compre dos suabianos" foi pichado na lateral de um prédio em Prenzlauer Berg, uma incitação a boicote que espelhava diretamente o slogan afixado nas empresas de judeus em 1933, após Hitler chegar ao poder. Ambas as frases foram seguidas por "TSH", supostamente uma sigla para "Total Swabian Hate" (ódio total aos suabianos).

'Nenhuma justificativa'

O prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, disse ao jornal Berliner Zeitung neste mês que as pichações são uma "ação impensável" para a qual não há "nenhuma justificativa". E Henkel, o ministro do Interior, apontou que o ato é especialmente insensível, porque há uma sinagoga na mesma rua. "Pichação desse tipo não é uma ofensa trivial", ele disse. "A polícia fará todo o possível para encontrar a pessoa responsável."

"Nunca é bom trivializar o Holocausto e o Terceiro Reich por meio do uso de palavras e frases daquela época", disse Ralf Melzer, um especialista em extremismo de direita da Fundação Friedrich-Ebert, em Berlim. "Especialmente aqui em Berlim, onde a Solução Final foi planejada e organizada. Isso fere e insulta os parentes das vítimas." Séria ou não, esse tipo de referência normalmente é desaprovada em Berlim, apesar de não ser sem precedente.

"De tempos em tempos, ouve-se políticos usando termos semelhantes aos usados pelos nazistas em outros contextos ou a aplicação da palavra 'Holocausto' de modo impróprio, e assim por diante", disse Melzer. Mas ele não se recorda de outra circunstância em que a linguagem do Terceiro Reich foi usada de modo tão sem cerimônia.

Nos anos 70, os berlinenses tinham o hábito de zombar dos recém-chegados do sul da Alemanha –especialmente os suabianos, que eram facilmente identificáveis por seu sotaque e dialeto idiossincrático. Nos anos 90, após a queda do Muro, o escárnio cresceu à medida que uma geração mais jovem veio de outras partes do país para a cidade, para participar das festas e cenas de arte experimental pelas quais Berlim se tornou conhecida.

Na última década, com o contínuo crescimento do perfil internacional de Berlim, o ressentimento com o afluxo de novos moradores se intensificou, com os moradores locais se queixando da excessiva gentrificação, sanitização e eliminação de seu caráter. Um caso extremo é Prenzlauer Berg, que em menos de duas décadas se transformou de um bairro de operários comunistas a um playground boêmio e então um enclave de famílias abastadas, com estúdios de ioga, pré-escolas e cafés orgânicos. Apesar das alegações de que o ódio aos suabianos é apenas uma provocação de boa índole, o sentimento é enraizado na revolta real dos antigos moradores por serem expulsos de seus lares devido à alta dos preços dos imóveis.

'Uma dimensão social real'

"Talvez a intenção seja fazer uma piada, mas não sei ao certo", disse Melzer. "Eu acho que há um ressentimento real contra um grupo. É um sentimento muito difuso, mas há uma dimensão social real na alta dos preços dos imóveis, na mudança do perfil do bairro, no fato de estar se tornando mais chique. Mas é preciso ver que se trata de um fenômeno normal. Bairros mudam. Isso precisa ser resolvido de outro modo –não por meio da estigmatização de todo um grupo, seja dinamarquês ou suabianos. É uma pena que coisas assim aconteçam. Não faz bem para o ambiente da cidade."

O foco nos suabianos, em particular, atingiu um nervo por explorar animosidades culturais e geográficas mais profundas que remontam a reunificação, quando uma Berlim falida precisou de apoio dos Estados alemães mais ricos.

Hoje, a cidade-Estado de Berlim tem mais de € 60 bilhões de dívida e recebe cerca de € 3 bilhões em subsídios por ano dos Estados mais ricos alemães, como a Baviera e Baden-Wurttemberg, dois Estados da Suábia. Alguns consideram o sentimento antissuabiano como sendo particularmente difícil de engolir, dado que Berlim deve muito de sua encarnação atual como capital criativa dinâmica ao fato de seus vizinhos sulistas pagarem a conta.

Nesse sentido, como apontou Melzer, novos moradores da Baviera, Brandemburgo ou da Itália poderiam ser facilmente acusados.

"Eu diria que, até certo ponto, é um conflito artificial", disse. "Há uma base real, mas não se pode culpar indivíduos. E colocar isso no contexto do Holocausto e da era nazista não é apenas completamente impróprio –mas também contraproducente para as pessoas que desejam manter baixos os preços em seus bairros."