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Norte-coreanos exilados no Brasil são discriminados por comunidade de imigrantes, diz cineasta

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

26/05/2013 06h00

A terra natal, cidade ou país em que cada um nasceu e foi criado é o lugar para onde sempre vale a pena voltar. Seja pela relação familiar, pelo que se viu na infância ou em parte da vida.

Essa é a ideia central do mais novo trabalho do cineasta sul-coreano Cho Kyeong-Duk, 39, que veio ao Brasil para entender por que um grupo de 50 ex-soldados norte-coreanos se exilou aqui após a Guerra da Coreia (1950-1953).

Cho descobriu onde essas pessoas vivem, e mais: que elas sempre foram discriminadas e mal compreendidas pela comunidade de imigrantes coreanos.

Há 60 anos no Brasil, os ex-soldados estão espalhados pelo país: São Paulo (SP), Cuiabá (MT), Salvador (BA) e Apucarana (PR) são algumas das cidades onde vivem atualmente. Dos 50 homens, 14 ainda estão vivos –o mais novo tem 79 anos e o mais velho, 91-- e todos foram localizados pelo cineasta.

Por terem chegado aqui dez anos antes do início da imigração coreana, eles podem ser considerados “guias” dos que vieram mais tarde. “As pessoas os procuravam quando precisavam de ajuda, mas depois eles eram deixados, sofreram muito preconceito”, diz Cho.

Para o cineasta, esses exilados ficaram “estrangeiros”, no meio de dois grupos: os do Norte os enxergam como desertores, e os do Sul os veem como comunistas.

“Muita gente fala que eles são comunistas, anticomunistas, que tinham uma outra ideologia. Durante 60 anos, viveram fechados entre eles, mesmo sendo da comunidade coreana", afirma o cineasta. "Algumas vezes eles são discriminados, então eles têm muita angústia, eles têm muito sofrimento.”

Com a ajuda de uma coreana que mora em São Paulo e fala português, o cineasta contou ao UOL sobre seu projeto. Os depoimentos de 13 ex-soldados (um deles se recusou a atendê-lo) foram filmados entre fevereiro e abril. Cho quer levar de volta às Coreias cinco pessoas que estariam em condições de viajar --se conseguir autorização do governo do Norte.

“Todo mundo sonha em voltar à terra natal”, diz o cineasta, que acha inacreditável esse sonho nunca ter sido realizado pelos norte-coreanos por conta de questões políticas. Em 1993, a Coreia do Sul abriu uma exceção para que exilados visitassem o país, mas Cho sabe que pelo menos dois ex-soldados nunca regressaram.

Os depoimentos e a viagem, que também será filmada, serão a base de um documentário que Cho deseja terminar até o fim de 2013 e que ainda precisa de financiamento para ser levado adiante.

“Você é louco, está querendo fazer esse documentário agora?”

Cho chegou ao Brasil em fevereiro de 2013, pouco antes do atual recrudescimento da tensão entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, e conta que foi desestimulado por amigos e conhecidos a continuar com o projeto do documentário.

“Você é louco, você está querendo fazer esse documentário agora, nesse clima de guerra?”, perguntaram a ele. “Esse é o momento certo. Falar de paz em um mundo em clima de paz é fácil. No momento em que o clima é de guerra, é difícil inverter isso”, diz, ciente de que esse seja, talvez, o desafio mais ousado de sua carreira.

As diferenças entre Sul e Norte passaram despercebidas para o cineasta enquanto registrava os depoimentos. Cho conta que “bateu à porta” dos ex-soldados pensando que seria rejeitado: “eles, pelo contrário, abriram o coração” e pediram: “Por favor, abra seus ouvidos para escutar a nossa história, como nós viemos parar aqui, como sofremos, o que sentimos na época, como estamos agora.”

De acordo com Cho, livros consultados por ele na Coreia do Sul relatam apenas o que aconteceu politicamente: o grupo foi capturado e exilado no Brasil. O cineasta quer documentar agora o outro lado do mesmo fato.

“As histórias desses senhores, pode ser que muita gente ache que é uma coisa do passado, mas é uma história que está presente, é o que está acontecendo.” Cho quer mostrar que o exílio no Brasil foi uma questão de sobrevivência, e não de ideologia ou traição.

"Eles só queriam ver a paz e, aqui no Brasil, isso eles encontraram"

Cho esteve pela primeira vez no Brasil em 2009, quando recebeu um prêmio da 33ª Mostra Internacional de Cinema pelo trabalho “Voluntária Sexual”, eleito o melhor filme do festival. Já nessa época, o cineasta iniciou os contatos com os exilados norte-coreanos.

E como foi que Cho descobriu que essas pessoas estavam aqui? Em 2002, o cineasta fez um filme sobre o reencontro de famílias separadas pela Guerra da Coreia, “Wedding Day” (Dia do Casamento, em inglês), e acabou descobrindo a história dos exilados, que o deixou curioso.

Onze anos depois, em 2013, Cho pode resolver, pelo menos superficialmente, a ‘pulga atrás da orelha’. Na Bahia, por exemplo, conheceu um senhor de 79 anos que não sabe mais falar coreano, mas que chorou abertamente assim que ouviu a pergunta sobre ter deixado sua terra natal para o exílio no Brasil.

Em Mato Grosso, a conversa que começou com a ajuda de uma intérprete fez renascer no entrevistado sua língua nativa em poucos dias. “O passado continua intacto, o sofrimento de todos é único.”

O cineasta diz que, de forma geral, esses ex-soldados conseguiram construir uma vida de classe média no Brasil, sem grandes feitos. “As histórias são bem diversificadas, eles só queriam ver a paz e, aqui no Brasil, isso eles encontraram.”