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O que a diplomacia da Coreia do Norte revela sobre o que Kim Jong-un quer?

Foto do líder norte-coreano Kim Jong-un divulgada pela agência oficial KCNA, em Ryanggang, Coreia do Norte - KCNA via AFP
Foto do líder norte-coreano Kim Jong-un divulgada pela agência oficial KCNA, em Ryanggang, Coreia do Norte Imagem: KCNA via AFP

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/02/2018 04h00

O governo da Coreia do Norte confirmou na última segunda-feira (5) que Kim Yong-nam, chefe de Estado oficial e presidente do Parlamento norte-coreano, visitará a Coreia do Sul em detrimento aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, que devem iniciar na próxima sexta-feira (9).

A visita inédita de Yong-nam pode estabelecer um ponto de aproximação entre as duas Coreias como não se via há anos. De acordo com a assessoria da presidência sul-coreana, a visita "demonstra o comprometimento da Coreia do Norte com a melhora das relações intercoreanas e o sucesso dos Jogos Olímpicos, além de uma postura séria e sincera”.

Especialistas ouvidos pelo UOL acreditam que ainda é cedo para dizer se as intenções da Coreia do Norte são duradouras, mas, ao mesmo tempo, não são de se descartar.

Para Alexandre Uehara, coordenador do Grupo de Estudos Asiáticos do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), apesar da visita norte-coreana ao sul ser um grande passo, o grau de confiança no líder norte-coreano ainda é "muito baixo".

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"Até agora, ninguém confia que esta participação na Olimpíada seja um turning point para a política externa norte-coreana", afirma o professor. "Nada garante que depois dos Jogos ele não retome a política belicista."

De acordo com Uehara, o governo do ditador nunca se mostrou disposto à diplomacia internacional. A visita pode indicar certa disposição de Kim Jong-un ao diálogo, "mas ainda é difícil saber".

É preciso acompanhar os próximos passos da Coreia do Norte para entender se esta proposta de apaziguamento é, de fato, confiável e duradoura", afirma Uehara. "Se esta política se mantiver, a cada novo acordo, aumenta a credibilidade internacional do governo norte-coreano, como aconteceu com Cuba nas décadas passadas."

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Estratégia interna

Zelia Schervier, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, Governo e Gestão da Universidade de Brasília (UnB), vê ainda a possibilidade de que esta seja uma estratégia interna do ditador para aumentar seu poder e amenizar as sanções econômicas que o país vem sofrendo nos últimos anos.

"[Participar dos Jogos] foi uma decisão estratégica que tira esse Estado autoritário da sua sucumbência", afirma a especialista. "Esse país necessita recursos para se recuperar da pobreza na qual se encontra a sua população e qualquer avanço nesse sentido reforçará ainda mais a idolatria por seu Supremo Líder."

E é confiável negociar com a Coreia do Norte?

Para os especialistas, o principal ponto para lembrar é que a Coreia do Norte é um Estado autoritário comandado por apenas um homem. Isso quer dizer que, embora a delegação seja chefiada por Yong-nam, nome importante do regime, quem dá as cartas é Jong-un. Ao contrário do que parece, esta condição pode trazer algumas facilidades.

"Em tese, há uma certa facilidade desde que quem estiver no poder esteja convencido de que o acordo proposto vale a pena", diz Uehara. "Pois a decisão não passa por mais ninguém, é só ele, do Kim Jong-un. Em Estados democráticos, como EUA ou Brasil, muitas vezes as decisões têm de passar pelo Congresso."

"Os regimes autoritários são, em certa medida, confiáveis [para acordos diplomáticos]", afirma Schervier. "Uma vez que os governos são mais duradouros, não há abertura para críticas, como nos regimes democráticos. Ou seja, há menor possibilidade de mudança de rumo na política, definida pela força do Estado."

Segundo a professora, é exatamente o desequilíbrio entre o governo autoritário e a sociedade civil que pode garantir "aparente tranquilidade" e "segurança" na condução das escolhas, visto que a população não participa deste processo.

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