Venezuelanos sobrecarregam postos de saúde na fronteira com Roraima
O idioma espanhol falado dentro da Unidade Básica de Saúde de Pacaraima, cidade na fronteira com a Venezuela, mostra quem são os que mais procuram o atendimento do posto: venezuelanos. E não são somente os que migram para viver no Brasil, mas também os que moram em Santa Elena de Uairén, a 16 km dali.
A crescente demanda sobrecarrega ainda mais o sistema de saúde da pequena cidade de Roraima, com estrutura e orçamento para atender somente os seus 12 mil habitantes.
Pacaraima tem somente dois postos de saúde e um hospital estadual com estrutura básica --não realiza cirurgias, por exemplo. Desde o começo da crise venezuelana, a cidade tem se desdobrado para atender sua população e os cerca de 700 venezuelanos que cruzam a fronteira diariamente. A principal dificuldade das autoridades é com a falta de medicamentos.
"Todos os dias há uma grande fila de gente esperando. Aí o medicamento falta. A gente ainda consegue suprir as necessidades por alguns dias. A gente tinha um custo com a compra de medicamentos que duravam 90 dias. Com este mesmo valor, hoje, tudo o que nós compramos dura 20 ou 30 dias", disse em entrevista ao UOL o prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato dos Santos (PRB).
A equipe de saúde da cidade tem identificado pacientes com sintomas de sarampo, casos de malária, infecções intestinais e respiratórias graves, tuberculose, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis e um grande número de gestantes, que buscam o pré-natal e o parto no Brasil.
Segundo o prefeito, a demanda nos postos de saúde em alguns dias chega a ser 100% de venezuelanos. Torquato afirma que os número de atendimentos também mais do que dobrou: se eram de cerca de 40 a 50, atualmente chegam a 100. "A questão é ainda mais difícil porque a nossa equipe de trabalho ainda é do mesmo tamanho."
"No final do ano passado, a gente recebeu um complemento do PAB variável (Piso de Atenção Básica Variável) para investir. Mas a gente sabe que o que deveria durar um ano vai acabar em quatro meses. Temos levado propostas para o governo federal. O Ministério da Saúde deixou sua equipe à disposição e está trazendo recursos e infraestrutura. Mas isso é coisa que ainda vai demorar um tempo", disse Torquato.
Segundo ele, depois que decretou calamidade pública, no início do mês, a cidade acaba de ganhar uma ambulância --que ainda está em São Paulo e deve chegar nas próximas semanas.
Vacinação de emergência
Surtos de doenças como sarampo e malária no país vizinho despertaram preocupações das autoridades, que agora correm para vacinar o maior número de pessoas possível --há inclusive um posto de vacinação dentro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) logo na fronteira, onde os migrantes podem ser vacinados enquanto esperam pela permissão de entrada no país.
A prefeitura afirma ainda que Pacaraima é o município de Roraima com o maior número de casos de malária provenientes da Venezuela, registrando 943 casos em 2017. Em 2018, dos 941 exames realizados, 389 foram positivos, sendo que 89% vêm do país vizinho.
Muitos pacientes venezuelanos vivem em Santa Elena e buscam o atendimento em Pacaraima. "Além da vacinação, como a gente faz as consultas com agendamento, muitos deles vêm somente para o dia da consulta e voltam para a Venezuela logo depois", disse o porta-voz da Vigilância de Saúde, Antônio Marques.
No dia em que o UOL esteve no posto de saúde, a unidade não tinha médicos --todos haviam sido deslocados para atendimento no abrigo de indígenas refugiados.
O perigo dos casos de sarampo
Desde que os primeiros casos de sarampo vindos do país vizinho foram identificados, autoridades também iniciaram a campanha para vacinar os migrantes que entram no país para fugir da fome e da falta de medicamentos --muitos deles vêm especialmente em busca de atendimento médico emergencial.
Este foi o caso da família que entrou no Brasil no sábado depois de passar mais de dois meses vivendo em Santa Elena do Uairén. Os quatro filhos do casal foram atendidos em Pacaraima e foram hospitalizados em Boa Vista com suspeita de sarampo --a caçula, que apresentava sinais graves de desnutrição além dos sintomas da doença, morreu na quinta-feira.
A mãe das crianças, que está grávida e não pode tomar a vacina, não pôde ir até Boa Vista para o sepultamento da filha nem acompanhar os outros filhos internados.
Marques confirmou ao UOL que a família buscou atendimento para os filhos em três ocasiões entre sábado e quarta-feira. Neste período, todos estavam abrigados na Casa de Passagem de Pacaraima, onde estão os indígenas da etnia.
"Pedimos ainda uma lista de nomes e endereços de todos os pacientes brasileiros que estavam no hospital nos horários em que as crianças foram atendidas. Agora fazemos a busca com agentes comunitários para localizá-los e fazer a imunização de todos os que estiveram no mesmo local que elas", disse Marques. No caso dos venezuelanos, que acabam vivendo em situação de rua na cidade, encontrá-los é quase uma missão impossível, já que muitos estão em Pacaraima de forma transitória --a passagem pela cidade é só uma etapa do trajeto até Boa Vista, onde vão para buscar emprego.
"Acredito que o governo do Estado, que tem competência sobre estas doenças transmissíveis, poderia fazer um trabalho perante a fronteira, para recepcionar estas pessoas já com vacinas. Mas é difícil, porque a Venezuela não trabalha no mesmo sistema de vigilância sanitária que o Brasil, então muitas pessoas estarão vindo com a doença", afirma Torquato.
Em meio às críticas da população brasileira de que os venezuelanos estariam sendo privilegiados, as autoridades tentam apaziguar os ânimos. "Somos o SUS, e o SUS é para todos. Não podemos negar atendimento a ninguém. Esta é a única explicação que podemos dar", diz Marques, da Secretaria de Saúde.
Luta contra o tempo para a vacinação
O UOL acompanhou a vacinação dos indígenas no abrigo de Pacaraima no dia da morte da menina. Segundo a equipe que prestava o atendimento, foi a terceira vez em que eles estiveram no local para fazer a imunização, mas, antes do óbito da garota, muitos estavam com medo da vacina e recusaram-se a tomar a dose da tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola.
Primeiro foi realizada uma palestra para explicar os sintomas da doença, reforçando a importância da vacina. Pouco a pouco, os indígenas foram chegando perto para ouvir as recomendações das médicas. Em poucos minutos, uma fila de gente se formou para tomar a vacina, muitos dos quais não poderiam ser imunizados --muitas gestantes e crianças com menos de um ano.
No contêiner ao lado da vacinação, as consultas médicas eram realizadas, onde ao menos mais um caso suspeito de sarampo foi identificado. A grande dificuldade da equipe de saúde era a falta de carteiras de vacinação dos indígenas, já que praticamente todos vêm sem qualquer documento e, na maior parte das vezes, entraram no Brasil ilegalmente --Brasil e Venezuela possuem uma fronteira seca, aberta, em que qualquer pessoa entra e sai facilmente.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.