Morre Stephen Hawking, o gênio de "Universo numa casca de noz", aos 76 anos
"Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito". A frase de Hamlet, de William Shakespeare, citada por Stephen Hawking em seu best-seller “O Universo Numa Casca de Noz (2001)”, talvez seja uma das melhores metáforas para a vida do físico inglês, morto nesta quarta-feira (14) aos 76 anos por complicações da esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa com a qual conviveu desde a juventude. Segundo informe da família do cientista, ele faleceu em sua casa em Cambridge, no Reino Unido.
O jornal britânico "The Guardian" publicou trechos do comunicado dos filhos de Hawking, Lucy, Robert e Tim, em que afirmaram: “Ele foi um grande cientista e um homem extraordinário. Seu legado irá viver por muitos anos. Sua coragem e persistência, além de seu brilhantismo e bom humor, inspiraram pessoas em todo o mundo. (...) Nós vamos sentir sua falta para sempre”.
Legado
Ele ficou mundialmente conhecido como o cientista que vivia recluso em uma cadeira de rodas computadorizada sem poder mexer o corpo franzino e atrofiado. E como o pensador que conquistou reinados da física ao ajudar a entender a origem do Universo e o papel dos buracos negros. “Se vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”, diz Hawking, citando Isaac Newton (1643-1727), na obra “Os Gênios da Ciência” (2002), na qual revisita pensadores revolucionários.
Sua genialidade, que contribuiu para o avanço da física, e sua irreverência, que permitiu dar asas a um fenômeno pop, fizeram com que ele se assemelhasse muito com Albert Einstein (1879-1955), outro gênio pop. Hawking ocupou a cadeira de Isaac Newton como professor de matemática na Universidade de Cambridge até 2009, quando se comunicava apenas com um botão, utilizando um sintetizador de voz. Mas foi sua capacidade de contar ao público leigo, em linguagem fácil e cativante, as complexas teorias do mundo moderno, que fizeram dele um astro mundial.
Seu primeiro best-seller, “Uma Breve História do Tempo” (1988), traduzido em 35 línguas, teve mais de 10 milhões de cópias vendidas em 20 anos. Na obra em que trata de teorias como a do princípio quântico da incerteza, supercordas e buracos negros, inclui apenas uma única equação matemática: a elegante E = mc², famosa fórmula da equivalência entre matéria e energia de Einstein. Escreveu outros três best-sellers, além de uma série de livros infantis, produzidos com sua filha Lucy Hawking.
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A vida de Hawking, marcada pela superação de limites e pelos romances atribulados de seus dois casamentos, se tornaram alvo do interesse e da curiosidade do público ao ponto de chegar à tela dos cinemas, em “A Teoria de Tudo” (2014). Nos últimos anos de vida, Hawking manteve-se presente no noticiário, participando ativamente dos debates mais contemporâneos, como sobre o advento da inteligência artificial e o aquecimento global.
Entendia a saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição de Donald Trump nos EUA como um "grito de raiva dos eleitores que se sentiam abandonadas por seus líderes", mas considerava os dois fatos como anúncios do "tempo mais perigoso para nosso planeta".
Por considerar a Terra frágil para suportar as mais recentes transformações, causava polêmica ao dizer que o fim da era humana no planeta está próximo. Em constatações desconcertantes na área em que era especialista, como a de que viajar no tempo é impossível, frustrava aficionados em física teórica que ele mesmo ajudou a cativar. Hawking cunhou diversas frases de efeito, como a de que “não importa o quão ruim a vida possa ser, há sempre algo que se possa fazer e ter sucesso”. Em ações práticas, incentivava projetos milionários de busca por novas moradas e vida inteligente Universo afora.
O físico defendia que as novas tecnologias não fossem utilizadas para fins violentos e via nos robôs inteligentes o potencial de ser “o maior evento na história de nossa civilização” ou a “arquitetura de nossa própria destruição”.
Ao ser questionado sobre seus propósitos, dizia ter na vida um objetivo simples: “a compreensão completa do Universo”. Por sua história de superação, por conseguir chegar às pessoas com seu talento comunicativo e pelo seu interesse em áreas que extrapolavam seu campo de estudo, perseguiu esse fim para além da física. “Olhe para as estrelas, não para os seus pés”, explicou Hawking em 2012, ao completar 70 anos.
Fãs de ciência nasceram por causa de Hawking
Para quem é leigo, existem duas físicas. Uma é um universo repleto de cálculos matemáticos e fórmulas ininteligíveis. Outra, um mundo fascinante, onde nada é como enxergamos. Onde o passar do tempo não é sempre o mesmo tal qual percebemos, as dimensões espaciais podem ser diversas. E lugares distantes de nossa pequena aldeia chamada Via Láctea abrigam os mais extravagantes fenômenos que podem caber em nossa imaginação.
É essa segunda física que muitos conheceram lendo “Uma Breve História do Tempo” e “Universo Numa Casca de Noz”. Neste segundo livro, repleto de ilustrações, é possível ver desenhado como o espaço e o tempo constituem dimensões conectadas --três dimensões espaciais e uma, temporal --, que se “curvam” em conjunto quando perturbadas. Ou como só podemos dizer que um gato que tomou um tiro em uma caixa está morto após abrir a caixa.
E quando um físico “desenha” a teoria da relatividade de Einstein ou os princípios quânticos de Heisenberg e Schrödinger, um leigo aficcionado em física comemora.
Hawking usa a metáfora de uma bola de sinuca solta na borda de um lençol esticado para mostrar como se dá a curvatura do espaço-tempo. O lençol é a dimensão espacial e temporal. E a bola de sinuca é um corpo denso, como uma estrela, que perturba essas dimensões. Imagine agora soltar na borda uma bolinha de gude. Ela vai girar no lençol abaulado ao se aproximar da bola de sinuca, como um planeta orbitando seu sol. E se no lugar da bola de sinuca colocássemos uma bola infinitamente densa? Um buraco se formaria, do qual nem matéria nem energia escapariam: um buraco negro.
Na metáfora da física relativística de Hawking, buracos no lençol poderiam formar verdadeiras curvas, conectando um pedaço a outro. Ele explica assim a possibilidade de existirem no universo buracos de minhocas, que conectam pontos distantes do universo e que fazem a imaginação sonhar com viagens espaciais através desses buracos. Ou, por que não, para o passado? Afinal, o tempo se curva e se distorce com o espaço, e entrar em um buraco de minhoca poderia significar sair em outra época. Hawking ao mesmo tempo animava e frustrava expectativas de candidatos a passageiros de máquinas do tempo ao mostrar que as leis da física abriam brechas, mas insistiam em conspirar contra esses sonhos -- como ao propor a Conjectura de Proteção Cronológica.
Hawking pertence à geração de físicos que, além do uso da matemática como instrumento primordial, se preocupa com o valor estético de seus cálculos. Cientistas que são críticos a estudos desse tipo dizem que eles acabam abrindo mão da necessidade de comprovação científica. Nos livros de Hawking, ideias como a de que tudo no Universo pode ser formado pela vibração de supercordas, de que existiriam não três dimensões espaciais, mas diversas, de que não passaríamos de hologramas projetados por paredes no contorno do cosmo, acabam ficando difíceis de caberem até nas imaginações mais férteis.
Teoria de Tudo
Hawking nasceu em Oxford, na Inglaterra, em 8 de janeiro de 1942 – exatamente o dia do aniversário de 300 anos da morte de Galileu Galilei (1564-1642). Em um evento de celebração dos seus 70 anos, em 2012, contou que não aprendeu a ler corretamente até os oito anos de idade e que seus amigos de escola fizeram uma aposta de que ele "nunca chegaria a nada".
“Minha letra era o desespero de meus professores. Meus colegas me deram o apelido de Einstein, então presumivelmente viram sinais de algo melhor”, contou Hawking, em referência ao fato do físico alemão também ter tido passagem errática pela escola. Mas a ironia do mau aluno que se torna gênio se repetiria. Em 1959, com 17 anos, Hawking entrou para a University College, em Oxford, onde estudou física, concluindo o curso em 1962. Ele se tornaria Ph.D. em cosmologia pelo Trinity Hall, em Cambridge, Inglaterra, em 1966.
Um ano após terminar a faculdade, aos 21 anos, o físico descobriu que possuía esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa que enfraquece os músculos do corpo. Segundo ele, depois de ter suas expectativas de vida “reduzidas a zero”, só se encorajou a continuar estudando quando conheceu quem se tornaria sua mulher, Jane Wild, em uma festa. "Ficar noivo levantou meu espírito”, contou o físico. Eles se casaram em 1965.
Em dezembro de 1977, Jane conheceu o organista Jonathan Hellyer Jones em um coral de igreja do qual participava. Jones se tornou próximo da família Hawking e, em meados da década de 1980, ele e Jane se apaixonaram. O filme "A Teoria de Tudo" mostra que Hawking, cuja doença o deixava com cada vez mais limitações, não teria se oposto ao romance entre os dois. No mesmo período, o físico se aproximava cada vez mais de uma de suas enfermeiras, Elaine Mason. Hawking e Jane tiveram três filhos e se separaram em 1995.
No mesmo ano, o físico casou-se com Mason, de quem se divorciou em 2006.
Buracos negros
Em 1970, Hawking iniciou o trabalho sobre as características dos buracos negros. Como resultado de sua pesquisa, descobriu que eles emitem partículas subatômicas --batizadas de radiação Hawking. Em colaboração com Roger Penrose, provou a existência de singularidades, pontos no espaço-tempo onde as grandezas físicas, como a curvatura ou densidade de energia, tornam-se infinitas – fazendo com que as leis da física sejam "quebradas".
Seus principais campos de pesquisa foram a cosmologia teórica e gravidade quântica. Hawking se tornou o grande teórico sobre os buracos negros, tendo desenvolvido as quatro leis de sua mecânica. Em 1979, assumiu a posição de professor e retornou, durante os anos 1980, ao estudo sobre as origens do Universo, tendo participado com outros físicos dos primeiros desenvolvimentos da teoria da inflação cósmica, que visava solucionar os principais problemas do modelo do Big Bang.
Em 1985, enfrentou uma pneumonia e teve que se submeter a uma traqueostomia, o que fez com que perdesse a voz. Mudo e quase paralisado, passou a necessitar do auxílio da tecnologia para se comunicar com as poucas partes do corpo que conseguia mexer. Com o software Equalizer, conseguia sintetizar sua voz com o toque dos dedos. A partir de 2005, sem mais contar com os movimentos dos dedos, passa a usar os músculos da bochecha para controlar o sintetizador. Em 2013, a Intel desenvolveu e cedeu a Hawking um aparelho que rastreia o movimento dos olhos do cientista para gerar palavras. A única reclamação do físico, para quem “a vida seria trágica sem diversão”, era a de que "o sintetizador dá um sotaque americano”.
Diversão não faltou na vida de Hawking. Suas limitações físicas foram superadas por sua força de vontade indômita, pela tecnologia e pela ficção. “Minhas expectativas foram reduzidas a zero quando eu tinha 21. Tudo, desde então, tem sido um bônus”, afirmava. Em 1993, ele pode jogar cartas com Newton e Einstein e um episódio da série Star Trek: The Next Generation. Também fez ponta em episódios de Os Simpsons, Laboratório de Dexter, Uma Família da Pesada, The Big Bang Theory, dentre outros seriados, e na gravação de dois discos do Pink Floyd -- The Division Bell (1994) e The Endless River (2014).
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