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Jovens da Indonésia viram alvo de traficantes de pessoas e desaparecem

Yohanna Banunaek (e) perdeu a filha Adelina em fevereiro quando a jovem trabalhava como empregada doméstica na Malásia - Tatan Syuflana/AP
Yohanna Banunaek (e) perdeu a filha Adelina em fevereiro quando a jovem trabalhava como empregada doméstica na Malásia Imagem: Tatan Syuflana/AP

Kristen Gelineau e Niniek Karmini

Da AP, em Fatukoko (Indonésia)

15/12/2018 04h00

A mulher chegou a casa da menina uma noite com uma oferta tentadora: saia daqui e eu vou lhe dar um grande futuro.

Marselina Neonbota tinha diante de si a oportunidade de deixar esta aldeia isolada em uma das regiões mais pobres da Indonésia e construir uma vida melhor na vizinha Malásia, onde alguns migrantes ganham em poucos anos mais do que eles podem receber em toda sua vida em seu país. Era bom demais para uma menina ansiosa para fazer mais do que trabalhar na lavoura para sobreviver e andar 22 quilômetros por dia para ir à escola.

Ele aceitou a oferta... e desapareceu.

A jovem alegre conhecida como Lina se juntou a um grande número de indonésios que migram todos os anos em busca de um futuro melhor. Milhares retornam em caixões ou simplesmente ninguém mais tem notícias deles. Entre essas pessoas estão, possivelmente, centenas de crianças vítimas do tráfico de seres humanos que desapareceram na província de Nusa Tenggara Oriental e na ilha de Timor Ocidental.

A Agência Nacional de Protecção dos Trabalhadores Indonésios contabilizou mais de 2.600 casos de migrantes mortos ou desaparecidos desde 2014. E essa estatística não leva em conta as meninas como de Lina, que foram recrutadas de forma ilegal e representam 30% do 6,2 milhões de migrantes indonésios.

Naquela noite em 2010, Lina não pareceu sentir o perigo representado por aquela estranha chamada Sarah. Mas os tios-avós de Lina, que a criaram, tinha dúvidas. No entanto, uma tia de Lina, Teresia Tasoin, sabia que um salário da Malásia poderia sustentar toda a família na Indonésia. 

Sarah contou que levaria Lina à capital da província de Kupang por uma noite para organizar a papelada e que, no dia seguinte, a traria de volta a tempo de ir à missa. 

Menos de uma hora depois de ter entrado na casa, Sarah saiu com Lina. 

Ao se lembrar desse momento, Tasoin desmorona: "Eu lamento", disse chorando. "Eu me arrependo de deixá-la ir."

É difícil rastrear os migrantes asiáticos. 

Apesar de ter mais migrantes do que qualquer outra região da Terra, a Ásia tem menos dados sobre aqueles que desaparecem. Em um registro exclusivo, a Associated Press encontrou mais de 8.000 casos de migrantes mortos e desaparecidos na Ásia e no Oriente Médio desde 2014, além dos 2.700 listados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) da ONU e incontáveis outros casos que nunca foram relatados.

Esses trabalhadores refletem parte do custo oculto da migração global. Uma investigação do AP registrou pelo menos 61.135 migrantes mortos ou desaparecidos em todo o mundo no mesmo período, um número que continua aumentando. Isso é mais que o dobro do número encontrado pela Organização Internacional para as Migrações da ONU, o único grupo que tentou contá-los.

A indonésia Orance Faot está desaparecida há quatro anos; sua família acha que ela foi levada para a Malásia por traficantes de pessoas - Tatan Syuflana/AP - Tatan Syuflana/AP
A indonésia Orance Faot está desaparecida há quatro anos; sua família acha que ela foi levada para a Malásia por traficantes de pessoas
Imagem: Tatan Syuflana/AP

Em Nusa Tenggara Oriental, uma região profundamente católica, a igreja é uma das poucas organizações que tenta localizar os mortos e desaparecidos. A área tem o maior número de casos de tráfico de pessoas no país e freiras e sacerdotes estão à frente de uma cruzada para neutralizar esse crime.

A freira Laurentina --que, como muitos indonésios não tem sobrenome-- espera em um aeroporto de Timor Ocidental a chegada de todos os migrantes que são enviados de volta a Kupang. Alguns morrem em acidentes ou de doenças, diz ela. Outros por abuso ou abandono.

A freira é uma das poucas pessoas em Timor Ocidental que tenta rastrear os desaparecidos. Desde 2012 ela viaja por toda a ilha para educar os moradores sobre os perigos que os traficantes representam. Este ano ela realizou pelo menos 20 oficinas informativas.

Laurentina pergunta a todos presentes se alguém perdeu contato com algum parente que emigrou em busca de trabalho. E em cada workshop feito ao longo dos últimos seis anos, pelo menos uma ou duas pessoas disseram: "Sim, minha filha desapareceu". A maioria são garotas.

Muitas pessoas simplesmente não estão cientes do perigo que representa o tráfico de pessoas em Timor Ocidental, uma ilha onde abundam secas, sem indústrias, cuja população migra para a Malásia para trabalhar como trabalhadores domésticos ou nas plantações. Nos últimos anos, o tráfico de pessoas aumentou e os traficantes estão cada vez mais operando em regiões mais remotas.

Encontrar garotas desaparecidas é quase impossível, de acordo com Among Resi, diretora da unidade de tráfico de pessoas da OIM na Indonésia. As famílias não têm detalhes sobre onde suas filhas foram.

Especula-se que muitas delas estão presas nas casas de seus empregadores. Os trabalhadores domésticos são muito vulneráveis ao abuso. As famílias que as contratam costumam ficar com seus passaportes para não saírem. Algumas meninas podem ter escapado e tiveram outros problemas, de acordo com Resi.

O sacerdote Maximus Amfotis diz que sempre ouve relatos sobre adolescentes de sua cidade natal que emigram para a Malásia para trabalhar e nunca mais ouvi-los novamente. Há apenas duas semanas, havia um caso desses.

"Se não podemos parar com isso, temo que vamos perder a geração atual", disse ele.