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Macri foi mais duro do que Bolsonaro contra Maduro. E a razão é diplomática

Gustavo Maia e Talita Marchao

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

17/01/2019 04h01Atualizada em 17/01/2019 14h34

Jair Bolsonaro (PSL) ganhou fama - e, em parte, até a cadeira presidencial - por não medir palavras e rejeitar o 'politicamente correto'. Mas ao receber sua primeira visita de Estado, na última quarta-feira (16), chamou a atenção por adotar um tom menos agressivo do que o correlato argentino, Maurício Macri, ao tratar do líder venezuelano Nicolás Maduro. 

Mudança de postura? Desalinhamento? Nada disso. Segundo fontes ouvidas pelo UOL, o motivo da discrepância é simples: Bolsonaro seguiu o protocolo diplomático e priorizou, em suas falas, o convidado e o país dele -- ou seja, a Argentina.

Já Macri, recebido por Bolsonaro, teve a liberdade de tratar do assunto que escolhesse. O argentino destacou a Venezuela e chamou Maduro de "ditador" .

Segundo uma fonte do governo brasileiro, foi Macri quem decidiu usar o espaço para falar de Venezuela. E Bolsonaro, como anfitrião, fez palavras dirigidas ao seu visitante. E isso não significaria que o Brasil esteja menos preocupado ou tenha uma posição menos firme do que o país comandado por Macri, ressaltou a fonte, sob anonimato.

Na avaliação do embaixador Rubens Barbosa, Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, Bolsonaro manteve-se alinhado às orientações dadas pelo corpo diplomático.

"A posição de Brasil e Argentina sobre a Venezuela é a mesma. Daí a fala no discurso de Bolsonaro sobre 'convergência de valores'. Quando isso é citado, Bolsonaro falava de Venezuela", afirma o diplomata.

Barbosa lembra ainda que ambos seguem as diretrizes adotadas pelo Grupo de Lima, que não reconhece a legitimidade do novo mandato de Maduro --o venezuelano tomou posse na semana passada, apesar dos protestos da comunidade internacional.

"A retórica de ambos é a mesma, mas ninguém vai tomar nenhuma providência de intervir na Venezuela. Quando o Grupo de Lima diz que reconhece a Assembleia Nacional como órgão legítimo, o que se faz é um apoio retórico", diz o embaixador.

Bolsonaro pede Mercosul enxuto em encontro com Macri

UOL Notícias

Fontes do governo brasileiro confirmam que estão em contato com opositores venezuelanos, que tentam organizar uma grande manifestação em 23 de janeiro. A convocação de uma reunião na OEA (Organização dos Estados Americanos) também é cogitada pelos integrantes do Grupo de Lima.

Na avaliação de Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), criticar duramente a Venezuela também é um modo de Macri tentar criar um diálogo com Bolsonaro. "A Venezuela é muito mais importante para o Brasil do que para a Argentina, por conta da fronteira comum, dos refugiados e da cooperação na área de energia", diz o especialista. 

"A questão principal do encontro foi encontrar um plano de trabalho conjunto para o Mercosul, que parece ocupar um lugar muito secundário na visão diplomática de Bolsonaro", avalia Santoro. 

Macri tenta lucrar com Bolsonaro

Durante os discursos, Macri e Bolsonaro fizeram questão de demonstrar sintonia. O brasileiro elogiou os esforços de Macri para "reerguer a economia da Argentina e torná-la mais integrada ao mundo", apesar dos indicadores do país vizinho ainda patinarem.

Já o argentino frisou que "quando um [país] tem um bom momento, ajuda o outro. Precisamos que os dois tenham os dois bons momentos". "Nós dois fomos eleitos pelos nossos povos porque queriam mudanças de verdade", insistiu Macri.

Para o embaixador Rubens Barbosa, Macri tenta colar sua imagem à agenda econômica de Bolsonaro, vitoriosa nas urnas brasileiras.

"Os dois têm interesses na melhora da situação econômica do outro, porque ambos se beneficiarão. E como Macri vai disputar a reeleição este ano, está fazendo uma jogada política, se associando a um governo que está começando, que promete fazer uma abertura da economia, crescer entre 3% a 4% no ano. Se o governo Bolsonaro conseguir fazer isso, vai ser muito bom para a Argentina, e o Macri vai capitalizar em cima disso e tirar ganhos políticos disso", avalia o diplomata.

Mercosul mais "enxuto"

Bolsonaro defendeu um Mercosul mais "enxuto". A ideia é reduzir a burocracia do bloco, e os países-membros do bloco devem seguir negociando maneiras de colocar isso em prática.

O Brasil ainda defende uma reforma tarifária, com a redução da TEC (a tarifa externa comum). Além disso, o foco é a facilitação do comércio: o governo brasileiro espera que o acordo com a União Europeia (UE), citado por Macri e Bolsonaro como prioridade, saia do papel até o fim do ano. 

Um acordo com os EUA também é visto com bons olhos, daí a ideia exposta por Macri e Bolsonaro de concluir as negociações pendentes para abrir novas frentes comerciais.

Errata: este conteúdo foi atualizado
UOL Notícias errou ao colocar na legenda da foto que abre esta matéria que o encontro entre Bolsonaro e Macri ocorreu em 2018. Na verdade, ele foi em 2019. A informação foi corrigida.