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Em Davos, Bolsonaro frustra quem queria dados e quem 'torcia' por polêmicas

Mesa no centro de imprensa onde aconteceria entrevista coletiva de Jair Bolsonaro com os ministros Sergio Moro, Paulo Guedes e Ernesto Araújo - Luciana Coelho/Folhapress
Mesa no centro de imprensa onde aconteceria entrevista coletiva de Jair Bolsonaro com os ministros Sergio Moro, Paulo Guedes e Ernesto Araújo Imagem: Luciana Coelho/Folhapress

Talita Marchao

Do UOL, em São Paulo

25/01/2019 04h01

Saíram desapontados investidores, analistas internacionais e jornalistas estrangeiros que esperavam aproveitar a estreia internacional do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para entender as reformas planejadas para o Brasil. Mas se frustrou também quem esperava que a viagem tivesse polêmicas ou saias-justas. 

A passagem de Bolsonaro por Davos, na Suíça, foi considerada rasa, sem grandes destaques, mas também longe de escorregões, segundo analistas ouvidos pelo UOL -- entre eles, o ex-embaixador Rubens Ricupero, e o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, em Washington (EUA).

Apesar de ter levado ao evento uma das maiores comitivas da história recente e ter ficado quatro dias no evento (Dilma e Temer estiveram apenas um), Bolsonaro não fez grandes anúncios e fugiu dos jornalistas.

Chamou a atenção também o discurso vazio e, ironicamente, politicamente correto -- um esforço para se desfazer da imagem desgastada frente a opinião pública mundial.

Poderia ser melhor - e pior também

"Bolsonaro perdeu a melhor oportunidade para demonstrar que o Brasil estava de volta aos trilhos diante de líderes corporativos e banqueiros mais importantes do mundo, para alguns de seus investidores mais ricos e criativos e para altos funcionários em cem países", disse Hakim.

Angustiados com uma das crises econômicas mais longas da história, analistas internacionais esperavam ouvir, por exemplo, como Bolsonaro pretende conduzir privatizações ou conseguir apoio no Congresso para a reforma da previdência.

"Bolsonaro ainda teria acesso à mídia dos países mais ricos e poderosos do mundo. Se sentia que não poderia falar, deveria ter pedido a Paulo Guedes, ministro da Economia, que o substituísse", afirmou Hakim.

Ricupero, que foi embaixador do Brasil em Washington e ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, acredita que a presença de Bolsonaro poderia ter sido pior.

"Muito melhor não poderia ter sido. Levando em conta o que ele é, o que representa, as qualidades que ele tem ou a falta de determinadas qualidades, o que ele conseguiu foi o máximo que ele poderia", afirmou.

Discurso acertado e cheio de omissões

Ricupero e Hakim concordam que Bolsonaro falou pouco, mas falou certo. O presidente brasileiro foi considerado protagonista do evento deste ano, marcado pelas ausências de figuras importantes como o americano Donald Trump, chinês Xi Jinping, o russo Vladimir Putin e a britânica Theresa May.

"Bolsonaro disse todas as coisas politica e economicamente corretas. Falou de modo muito controlado, sem emoção, sem drama, sem controvérsias. Fez uma lista de objetivos vagos, mas não disse nada sobre políticas e iniciativas específicas para alcançar esses objetivos. Soou apenas como mais um globalista", disse Hakim.

Confira a íntegra do discurso de Bolsonaro em Davos

UOL Notícias

"Não é o discurso que ele costuma fazer no Brasil. Se ele tivesse feito um discurso polêmico, teria sido um desastre", diz Ricupero. "Por isso foi positivo", avalia.

    "O discurso dele aceitava que a realidade de Davos é o chamado globalismo que o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e ele tanto criticam", argumenta Ricupero, coordenador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais.) em São Paulo.

    Ambos destacam as omissões feitas por Bolsonaro durante a viagem. O presidente procurou transmitir a ideia de que é favorável à preservação ambiental.

    "É interessante ver também o uso da linguagem quando ele fala em 'verdadeiros direitos humanos. O que ele quis dizer com isso?', questiona o embaixador, lembrando ele Bolsonaro também não citou minorias ou o alinhamento com Trump.

    "Falaram tudo o que Davos queria. Mas o público também sabia o que ele omitia: uma declaração clara das políticas, mudanças de regras e programas que permitiriam ao Brasil fazer, ou ao menos tentar, para alcançar os objetivos um tanto vagos que ele estabeleceu", explica Hakim.

    "Ele acabou sendo visto como alguém que tinha pouca ou nenhuma ideia de como administrar uma economia moderna. Sim, ele perdeu a oportunidade de ganhar confiança nas comunidades financeiras e corporativas e mostrar que sabia o que tinha que ser feito para reconstruir a economia", afirma o brasilianista.

    Hakim acredita que Bolsonaro estava desinformado sobre a sofisticação do público, "que não estava interessado nos objetivos abstratos do Brasil". "Eles queriam saber, com muito mais detalhes, sobre o que ele planejava fazer e as chances de sucesso. Quem escreveu o discurso, e o próprio Bolsonaro, aparentemente não tinha ideia sobre o que o público de Davos queria", afirma o norte-americano.

    Para Ricupero, Bolsonaro não tinha como apresentar propostas mais detalhadas de suas reformas da previdência ou tributária, já que estes projetos ainda estão em fase inicial. "Será que ele sabe, que a equipe dele já sabe como vai ser? Bolsonaro não fez mais porque não tinha o que vender", aposta o ex-ministro.

    Cuidadoso como Trump, menos articulado que Lula

    A estreia de Bolsonaro em Davos chega a ser comparada com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Em comum, ambos moderaram seus discursos para o Fórum Econômico: Bolsonaro não chocou a plateia, que o conhecia pelas declarações polêmicas dadas no passado e durante a campanha presidencial, e Lula mostrou-se um político de esquerda compatível com investimentos externos. 

    Para Ricupero, que foi ministro no governo de Itamar Franco, a grande diferença na estreia dos dois é a biografia pessoal.

    "Lula impressionava muito por ser um caso inédito: um operário, que vinha de uma camada social muito pobre, que virou presidente. Goste ou não do Lula, é preciso reconhecer que ele é um grande comunicador. E este não é o caso do Bolsonaro", diz o embaixador.

    "Lula também se diferencia pela defesa das minorias, que domina o discurso global. É o contrário do discurso de Bolsonaro", afirma Ricupero.

    O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.