Escritório de negócios em Jerusalém é recuo em promessa de mudar embaixada
A ideia sugerida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de abrir um escritório de representação comercial, em vez de fazer a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, é vista como um grande recuo do brasileiro, segundo analistas ouvidos pelo UOL.
A afirmação, feita dias antes de a comitiva brasileira embarcar para a visita ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, dá sinais de que, ao menos neste momento, Bolsonaro não deve entregar o que prometeu ao premiê após visita no Rio, em dezembro.
"A medida seria claramente um recuo em relação à retorica mais incendiária. Tanto durante a campanha como depois de Bolsonaro ter tomado posse. Essa solução de meio caminho se parece um pouco com o que a Austrália fez, claro que dadas as devidas proporções, e ela claramente não tem a dramaticidade que teria a mudança da embaixada em si", diz Dawisson Belém Lopes, diretor-adjunto de relações internacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
No fim do ano passado, seguindo o alinhamento com os Estados Unidos, o governo australiano reconheceu Jerusalém como a capital de Israel, mas não transferiu sua embaixada instalada em Tel Aviv, capital reconhecida pela comunidade internacional.
A Austrália também anunciou a criação de um escritório de defesa e negócios semelhante ao que deve ser anunciado por Bolsonaro. Os australianos, entretanto, afirmam que a embaixada não será transferida até que um acordo de paz que contemple a criação de dois Estados --um israelense e um palestino-- seja firmado. Na ocasião, a Austrália disse ainda que reconheceria um Estado palestino com a capital em Jerusalém Oriental. Hoje, Israel considera Jerusalém sua capital indivisível, enquanto os palestinos defendem que a parte oriental da cidade seja a capital da Palestina.
"Entendo que, no caso brasileiro, há vetores de pragmatismo atuando, como a pressão ostensiva dos parceiros árabes e islâmicos e os interesses econômicos, comerciais e políticos em jogo. Em nome desse simbolismo e dessa aproximação ideológica com Israel, Bolsonaro poderia colocar muito a perder. Ele sabe que precisa fechar as contas e os árabes são bons compradores", diz o professor da UFMG.
A decisão de Bolsonaro reflete a incapacidade de fazer uma mudança rápida e efetiva da embaixada, além de permitir que ele ganhe tempo para qualquer decisão mais consistente
Samuel Feldberg, professor da USP
David Magalhães, professor de relações internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que "um escritório comercial não traz consigo a consideração simbólica de que Jerusalém é a capital de Israel". "A mudança de embaixada tem um significado político muito grande. É uma simbologia a favor de Israel e contrária aos palestinos. Essa visão pode trazer retaliação econômica e comercial pelos países árabes."
"Ao que tudo indica, os setores agroexportadores, que já estavam descontentes com a posição do Bolsonaro em relação à retórica anti-China, principalmente os pecuaristas ligados à carne halal, devem ter pressionado o governo juntamente com os militares. E tiveram sucesso", afirma o especialista da PUC-SP.
Magalhães lembra ainda que o próprio vice-presidente, o general Hamilton Mourão, se encontrou com representantes árabes para apaziguar a situação em relação à ideia de mudança da embaixada para Jerusalém.
Samuel Feldberg, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e atualmente pesquisador da Universidade de Tel Aviv, diz que, na prática, a instalação do escritório brasileiro em Jerusalém facilita a vida dos que necessitam de serviços consulares na cidade. "Mas a decisão de Bolsonaro reflete a incapacidade de fazer uma mudança rápida e efetiva da embaixada, além de permitir que ele ganhe tempo para qualquer decisão mais consistente", afirma.
"Além disso, mudar uma embaixada envolve uma questão burocrática muito complicada. Eles podem até anunciar a mudança algum dia, mas na prática isso leva muito tempo. Os EUA já tinham uma representação em Jerusalém, puderam se dar o luxo de só trocar a placa do local. O Brasil não tem. Se o Brasil quiser realmente mudar a embaixada, terá um problema logístico completamente diferente", diz Feldberg.
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