Topo

Traficante mexicano "El Chapo" é sentenciado à prisão perpétua nos EUA

Do UOL, em São Paulo

17/07/2019 11h45Atualizada em 17/07/2019 17h43

O narcotraficante mexicano Joaquin "El Chapo" Guzman, 62, foi condenado à prisão perpétua e mais 30 anos "simbólicos" sem condicional hoje nos Estados Unidos. A corte também ordenou o pagamento de 12,6 bilhões de dólares (aproximadamente R$ 47,3 bilhões) em indenização pelos lucros de seus crimes. Os advogados de defesa anunciaram que vão recorrer.

O governo americano garante que o ex-chefe do cartel de Sinaloa, considerado o maior narcotraficante do planeta após a morte do colombiano Pablo Escobar, foi responsável pela importação, ou tentativa de importação, de pelo menos 1.213 toneladas de cocaína, 1,44 tonelada de base de cocaína, 222 quilos de heroína, quase 50 toneladas de maconha e "quantidades" de metanfetaminas para os Estados Unidos, ao longo de 25 anos.

Após um julgamento de três meses, um júri o declarou culpado, em 12 de fevereiro, pelos dez crimes de tráfico de drogas, posse de armas e lavagem de dinheiro, dos quais havia sido acusado. Por lei, o juiz federal do Brooklyn Brian Cogan era obrigado a aplicar a prisão perpétua.

A Procuradoria exigia ainda mais 30 anos pelo uso de armas de fogo, como metralhadoras, para cometer crimes ligados ao tráfico de drogas. A recomendação foi aceita pelo juiz.

"As provas esmagadoras apresentadas durante o processo mostraram que (Joaquín Guzmán) foi o chefe impiedoso e sanguinário do cartel de Sinaloa", que ele codirigiu entre 1989 e 2014, escreveu o procurador federal do Brooklyn, Richard Donoghue, em sua acusação antes da sentença.

Durante o julgamento, a acusação apresentou provas de que "El Chapo" ordenou a morte, ou torturou e matou ele mesmo, pelo menos 26 pessoas, incluindo informantes, rivais do tráfico, policiais, sócios e até familiares.

Pouco depois da abertura da audiência nesta quarta, Guzmán se expressou oralmente pela primeira vez desde a sua extradição para os Estados Unidos, em janeiro de 2017. Ele afirmou que foi privado de um julgamento justo e denunciou as condições de sua prisão, afirmando ter sido "torturado física, psicológica e mentalmente 24 horas por dia".

"A justiça não foi feita", afirmou.

Antes de o juiz pronunciar sua pena, o ex-assistente de um colaborador de "El Chapo", Alex Cifuentes, contou que o criminoso ofereceu US$ 1 milhão por sua cabeça.

"Sou um milagre divino, porque Guzmán tentou me matar", disse Andrea Fernandez Velez, que chorou durante todo depoimento.

Durante o processo, a Procuradoria convocou 56 testemunhas, incluindo 14 ex-sócios, amigos e até uma amante de "El Chapo" que fugiu com ele nu, correndo por um túnel, assim como agentes do FBI, da DEA e de outras agências do governo americano.

O júri ouviu conversas de "El Chapo" com seus sócios e viu pacotes de cocaína, lança-granadas e rifles de assalto apreendidos com o chefão do tráfico.

As testemunhas relataram como "El Chapo" comprava toneladas de cocaína na Colômbia a 3.000 dólares o quilo e as revendia nos Estados Unidos por até 35.000 dólares o quilo, com a cumplicidade de corruptos funcionários do México.

"A sentença pedida pelo Estado, a perpetuidade com 30 anos, é uma piada", disse seu advogado Eduardo Balarezo. "A condenação e a prisão de Joaquín (...) não vão mudar nada na guerra contra as drogas".

Em entrevista à AFP, a procuradora especial de Nova York para as drogas, Bridget Brennan, reconheceu que a retirada de Joaquín Guzmán de circulação não diminuiu a influência do cartel de Sinaloa.

História já inspirou jovens

"El Chapo" nasceu em 4 de abril de 1957 no rancho La Tuna, município de Badiraguato, em Sinaloa, região árida do noroeste do México famosa pela grande produção de maconha, papoula e recentemente fentanil. Aos 54 anos, chegou a entrar para a lista de bilionários da revista Forbes.

Em um estado muito afetado pela violência, a história de Joaquín Guzmán Loera, que estudou apenas até o terceiro ano do ensino fundamental, virou inspiração para muitos jovens, como a forma pela qual uma pessoa pobre consegue respeito e dinheiro.

"Recordo como minha mãe fazia pão para sustentar a família. Vendi laranjas, vendi refrigerantes, vendi balas. Minha mãe era uma grande trabalhadora, trabalhava muito. Cultivávamos milho, feijão. Eu cuidava do gado da minha avó e cortava madeira", afirmou na famosa entrevista gravada para a revista "Rolling Stone" e a Kate del Castillo Productions.

Guzmán tinha 15 anos quando entrou no ramo de drogas e três anos depois viajou a Culiacán, capital de Sinaloa, e de lá para a segunda maior cidade do país: Guadalajara, onde se uniu ao cartel de Miguel Angel Félix Gallardo, o primeiro czar mexicano da cocaína.

Primeiro cartel transnacional

Após a prisão de Gallardo, Guzmán se tornou parte da segunda geração dos líderes do cartel de Sinaloa, fundado na década de 1960 e considerado o primeiro cartel transnacional do México.

Na época de ouro do traficante colombiano Pablo Escobar, Guzmán foi enviado para fazer contato com narcotraficantes do país sul-americano, onde estabeleceu alianças privilegiadas para receber cocaína e exportar a droga principalmente aos Estados Unidos.

Em 1989, Chapo já era um personagem importante no mercado de entorpecentes.

Narcotraficantes antagônicos tentaram matá-lo em 1993, em um atentado frustrado no aeroporto de Guadalajara. O cardeal da cidade morreu em meio a um tiroteio.

A partir de então, autoridades mexicanas e americanas partiram em busca da prisão do narcotraficante de pouco mais de 1,60 metro. Em 1993 ele foi detido na Guatemala.

À frente do poderoso cartel de Sinaloa já estiveram Ismael "El Mayo" Zambada - foragido e considerado o atual líder da organização -, Juan José Esparragoza "El Azul" - de quem não é possível saber se está vivo ou morto - e Nacho Coronel - morto -, tio de Emma Coronel, ex-miss, atual esposa de Guzmán e mãe das filhas gêmeas do traficante.

O grupo criminoso, que atua em dezenas de cidades dos Estados Unidos, ainda ostenta a hegemonia em metade do território mexicano e em toda a América Central. Também estabeleceu alianças na América do Sul e distribui drogas para Europa, Ásia e Austrália.

"El Chapo" fugiu pela primeira vez em 19 de janeiro de 2001, quando escapou escondido em um cesto de roupa suja da prisão de Puente Grande, Jalisco (oeste). A última fuga aconteceu em 11 de julho de 2015 por um túnel de 1,5 km cavado sob o banheiro de sua cela em Altiplano, a 90 km da capital mexicana.

Traído pelo ego

Guzmán chegou a esta prisão com anos de experiência na construção de "narcotúneis".

Em 1990 foi detectado o primeiro túnel na fronteira, construído em Douglas, Arizona, por Jesús Corona Verbera, a quem Guzmán chamava de "Arquiteto" e que em 2003 foi condenado à prisão nos Estados Unidos. Mas o traficante seguiu sua técnica.

A lenda foi alimentada pelos "narcocorridos" que relatavam suas façanhas. Em 2011 entrou na lista de maiores fortunas do mundo da revista Forbes, com mais de 11 bilhões de dólares. Dois anos depois, a agência de combate às drogas dos Estados Unidos (DEA) e a Comissão Anticrime de Chicago o identificaram como inimigo público número um da cidade, o que rendeu uma comparação com Al Capone.

A queda do traficante que chegou a ser o homem mais procurado do mundo começou em 22 de fevereiro de 2014, quando foi detido no momento em que estava com Emma Coronel e suas gêmeas em um apartamento do balneário Mazatlán (Sinaloa).

A estadia na prisão foi breve, antes da segunda fuga, mas seu ego o traiu e "El Chapo" entrou em contato com a atriz mexicana Kate del Castillo e o ator americano Sean Penn para que filmassem sua biografia. Isto, afirmam as autoridades mexicanas, permitiu sua localização e detenção em janeiro 2016.

Com informações da AFP e AP