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Efeito papa: Macri e Alberto tentam apoio da Igreja, que pende para um lado

Alberto Fernández com padres que atuam em favelas na Argentina - Reprodução/Twitter
Alberto Fernández com padres que atuam em favelas na Argentina Imagem: Reprodução/Twitter

Luciana Taddeo

Colaboração para o UOL, em Buenos Aires

22/10/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Falas de bispos contra Macri e foto com opositor polemizam na Argentina
  • Argentinos escolhem novo presidente no domingo
  • Macri tentou aproximação com papa Francisco, mas relação é fria

O posicionamento crítico da Igreja Católica diante do aumento da pobreza na Argentina tem gerado tensões com o governo de Mauricio Macri, que tenta a reeleição. O clima esquentou com a aparição de representantes religiosos com o peronista Alberto Fernández, que tem Cristina Kirchner como vice e é favorito para o pleito deste domingo (27).

"Quando você [Macri] começou, disse: 'Vou lutar pela pobreza zero'. O que [a província de] Salta pode lhe dizer agora?", questionou o arcebispo local em uma cerimônia na qual o presidente argentino estava presente.

Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos em outubro, a pobreza na província atinge 42% da população — índice superior à média nacional, que é de 35%. Há pouco mais de um ano, o a média nacional era de 27%.

Depois da cerimônia, Macri afirmou que não se sentiu atacado pelas declarações, mas seu candidato a vice reagiu: "Acho que é uma descortesia".

Esse tipo de comentários não é incomum na Argentina, segundo a socióloga Sol Prieto, especialista em religião e política.

"Há uma tradição de bispos que intervêm na vida pública nesses locais [mais pobres]. Quando há situações de ajuste e a pobreza começa a aumentar, principalmente a infantil, a Igreja, desde sua mais alta cúpula, tende a se pronunciar", disse Prieto ao UOL.

No fim de agosto, a Igreja Católica pediu que o governo Macri decretasse emergência por conta do aumento da fome no país.

Bispo em evento com Alberto Fernández

Neste mês, o candidato Alberto Fernández, principal adversário de Macri, apresentou um programa contra a fome. Carlos Tissera, bispo que preside a Cáritas —aliança da Igreja Católica de assistência social—, e alguns padres que atuam em favelas do país, participaram do ato, o que gerou nova polêmica.

Tissera explicou que o evento foi exclusivamente para apresentar a proposta e que "a Igreja não faz opções partidárias".

Dias depois, a governadora da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, disse que gostaria que a Igreja não participasse de atos eleitorais. Vidal é vista como uma das figuras macristas com boas relações com a Igreja, enquanto a relação do governo Macri com o Vaticano, comandado pelo papa argentino, sempre foi vista como distante.

Para Emilce Cuda, teóloga autora do livro "Para Ler Francisco: Teologia, Ética e Política", o distanciamento se deve a políticas que não priorizam questões sociais e, por isso, não se alinham às prioridades do papa.

"A política nesse governo foi tratada como uma administração de recursos", afirma.

Além da pobreza, questões morais iniciaram o distanciamento entre Macri e a Igreja. Em 2009, quando era prefeito de Buenos Aires, Macri não recorreu de uma sentença que permitiu um casamento homossexual. E no ano passado, ele impulsionou, na abertura do período legislativo, o debate sobre a legalização do aborto.

O texto foi barrado no Senado, e Macri afirmou diversas vezes na reta final da campanha que é contrário à legalização — interpretado como um aceno à população católica e conservadora, de maneira geral.

Pesquisador critica "interferência"

Macri e Papa - Giorgio Onorati / AFP - Giorgio Onorati / AFP
Macri tentou aproximação com o papa Francisco, mas a relação é considerada "distante"
Imagem: Giorgio Onorati / AFP
Para Manuel Ochandio, presidente do Instituto Laico de Estudos Contemporâneos da Argentina, "o Estado do Vaticano está trabalhando ativamente na campanha de Alberto Fernández".

"Que coincidência que um Estado estrangeiro, que custa caríssimo todos os anos para o Estado argentino, se preocupe com a pobreza", questiona, mencionando o pagamento de salários a bispos, pensões a clérigos, isenções tributárias e doações de imóveis à Igreja.

Segundo ele, "historicamente o Estado do Vaticano interveio no processo de tomada de decisões do Estado argentino".

"É interferência de um Estado estrangeiro. Isso é o grave", afirma.

Macri tentou aproximação e visitou o papa mais de uma vez em Roma, mas a distância se manteve. Já Alberto Fernández se aproximou do papa incentivado pelo dentista em comum dos dois.

Depois de um contato por email, o ex-chefe de gabinete da ex-presidente Cristina Kirchner se reuniu com o pontífice. Um dos encontros foi no ano passado, a pedido de Fernández para falar sobre a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi acompanhado do ex-ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Amorim.