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Análise: 3ª Guerra? Desgaste de Trump em ano eleitoral explica ataque

Manifestante segura foto do general Soleimani com o aiatolá do Irã, Ali Khamenai - ATTA KENARE / AFP
Manifestante segura foto do general Soleimani com o aiatolá do Irã, Ali Khamenai Imagem: ATTA KENARE / AFP

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

03/01/2020 12h45

Resumo da notícia

  • Especialistas em Oriente Médio descartam a possibilidade de o ataque provocar uma 3ª Guerra Mundial
  • Para analistas, Trump busca "criar um fato novo" para aumentar sua popularidade em ano eleitoral
  • O conflito se assemelharia mais à Guerra Fria do que a uma possível 3ª Guerra
  • Para especialistas, governo brasileiro não deve tomar partido sob o risco de sofrer retaliação comercial

O ataque dos Estados Unidos ao Irã no Iraque agrava as tensões geopolíticas na região. Além das bolsas e mercado de petróleo, os temores refletiram nas redes sociais, onde se discute a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial —o termo chegou aos trending topics no Twitter.

Ao UOL, três especialistas em Oriente Médio descartaram essa possibilidade: eles afirmam que as tensões se assemelham à Guerra Fria e que a razão principal para o ataque é a intenção do presidente Donald Trump de "criar um fato novo em ano eleitoral", principalmente após o desgaste que vem sofrendo com o processo de impeachment no Congresso.

Para os analistas, o governo Jair Bolsonaro, aliado dos americanos, não deve tomar partido no conflito sob o risco de sofrer retaliação comercial e atrair o conflito para a América Latina, onde o Irã é aliado da Venezuela.

O ataque tem motivação eleitoral?

Embora o governo Trump tenha mencionado uma invasão à sua embaixada no Iraque como justificativa para a ação, o ataque buscaria comover o eleitorado conservador neste ano em que o presidente americano buscará a reeleição.

"Estamos em um momento muito importante: um mês de eleições em Israel e das eleições nos Estados Unidos ainda este ano", pondera o ex-diretor da Anistia Internacional e professor de história Celso Garbarz, especializado em Oriente Médio pela Universidade de Jerusalém.

"Um ataque desse pode criar uma situação que ajudaria muito no processo eleitoral desses dois países", afirma.

Professora de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Cristina Pecequilo concorda."Trump precisa criar fatos novos por estar sofrendo um processo de impeachment. Embora não deva dar em nada porque o Senado tem maioria republicana, ele sai desgastado e precisa manter sua base aliada unida", diz ela.

Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu também sofre pressão e ameaça de impeachment. "Quando o cenário é bastante instável no Oriente Médio, quem tem discurso de guerra ganha popularidade", afirma a professora.

Professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel diz que "já é fato histórico na política externa americana a criação de fatos para desviar o foco". "Mesmo que saia absolvido do impeachment, Trump precisa criar uma narrativa que tenha impacto sobre as eleições", diz.

"Como no Partido Democrata há muitos que rejeitam intervenção no Oriente Médio, o ataque enfraquece a oposição enquanto fortalece a figura republicana de Donald Trump", diz Uebel.

Cria-se a imagem de um inimigo terrorista, agora o Irã, e direciona o assunto para a pauta político-eleitoral deste ano.

Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais

Há risco de uma Terceira Guerra Mundial?

Para o professor da ESPM, "não há cenário de conflitos globais como antigamente". Para o especialista, o que se desenha é mais parecido com a Guerra Fria, quando a tensão no mundo era dividida entre aliados norte-americanos e soviéticos.

"Não significa que não tenha um conflito em nível internacional, mas nos mesmos moldes das Primeira e Segunda Guerras eu descarto totalmente", afirma. "Vejo um agravamento nas relações dos Estados Unidos com o resto do mundo. Eles matam um dos grandes líderes militares do Irã, que é aliado da Rússia, inimigo histórico de Israel e Arábia Saudita. É um cenário de Guerra Fria. Como antes, não há conflito direto entre Rússia e EUA, mas entre seus aliados."

Para Garbarz, a resposta do Irã é limitada, embora tenha acesso à bomba atômica.

"O Irã pode abrir uma opção beligerante no Oriente Médio porque mantém grupos ativos em diversos países, mas não tem condições de derrubar um governo ou criar guerra generalizada."

Apesar de não ter poderio militar para chegar aos Estados Unidos, o Irã poderia atacar Israel, um de seus principais rivais e maior aliado americano na região. "Ele usaria Israel para atingir os americanos. Também pode atingir uma base na Arábia Saudita, como já fez no passado."

Mesmo ataques terroristas de grandes proporções em território americano são pouco prováveis, segundo acredita Uebel.

"Se ocorrer, será pontual. A segurança nos Estados Unidos é muito grande hoje em dia, mas é possível que ocorram atentados no Líbano, na Síria. Mas a preocupação é maior com Israel."

Para a professora da Unifesp, "o Irã não pode fazer muita coisa". "Pode buscar apoio formal das Nações Unidas ou recorrer a um atentado terrorista de baixa intensidade nos Estados Unidos, mas acredito que ficará apenas na retórica", afirma.

E como fica o Brasil?

Para Uebel "seria de bom tom se o governo brasileiro não se posicionar sobre o assunto". "O Brasil tem excelente relação comercial como o Irã e países muçulmanos, com os Estados Unidos e com Israel."

Ele diz acreditar que o país sofrerá alguma consequência se optar por algum dos lados. "A Venezuela é aliada ao Irã e Rússia. Seria bom não trazer a tensão para a nossa região."

"Na questão econômica, haverá aumento do preço do barril de petróleo e da gasolina. Os impactos para o Brasil serão mais geoeconômicos do que geopolíticos desde que o governo não se posicione ou apenas condene o uso da força, como faziam os governos anteriores", conclui.

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