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Como um avião de R$ 560 milhões foi parar em uma rifa do governo mexicano?

O presidente mexicano, López Obrador, em evento sobre a rifa do avião presidencial - Divulgação/Presidencia de la República del Gobierno de México
O presidente mexicano, López Obrador, em evento sobre a rifa do avião presidencial Imagem: Divulgação/Presidencia de la República del Gobierno de México

Marcelle Souza

Colaboração para o UOL, na Cidade do México (México)

17/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Presidência do México tenta vender a aeronave há mais de um ano
  • Para cobrir gastos com manutenção, governo decidiu fazer uma rifa
  • Proposta gerou critica de opositores e virou alvo de piada na internet

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, decidiu fazer uma rifa para bancar a manutenção do avião presidencial, que está sem uso e à venda há mais de um ano. Os 6 milhões de canhotos da rifa podem ser comprados a partir de 1º de março, e custarão 500 pesos mexicanos (cerca de R$ 115) cada.

A ideia inicial do governo era de que a recompensa da rifa fosse o próprio avião —uma forma arrecadar dinheiro e de se livrar do alto custo de manutenção da aeronave (de cerca de 200 milhões de pesos, ou R$ 46 milhões, por ano). Essa proposta, no entanto, foi duramente criticada por opositores e por parte da população, que via no prêmio uma grande dor de cabeça para quem fosse sorteado.

O avião, avaliado em US$ 130 milhões (cerca de R$ 560 milhões), está parado desde que López Obrador assumiu a Presidência, em dezembro de 2018, e decidiu usar apenas voos comerciais para seus deslocamentos.

No último ano, foram recebidas onze propostas de interesse pelo avião, incluindo de governos de outros países, mas apenas uma segue em negociação. O presidente, no entanto, não quis dar detalhes sobre o possível comprador.

A aeronave da Presidência do México é um Boeing 787-8 - Divulgação/Presidencia de la República del Gobierno de México - Divulgação/Presidencia de la República del Gobierno de México
A aeronave da Presidência do México é um Boeing 787-8
Imagem: Divulgação/Presidencia de la República del Gobierno de México

Com a rifa, o governo espera arrecadar os 400 milhões de pesos (R$ 93 milhões) necessários para a manutenção da aeronave por dois anos, pagar os gastos com a venda dos bilhetes e destinar o restante para equipar hospitais públicos.

O sorteio será realizado pela Loteria Federal no dia 15 de setembro, quando é celebrado o Dia da Independência no México. Além das apostas no país, o governo estuda permitir a venda de bilhetes também nos Estados Unidos, onde vivem cerca de 36 milhões de mexicanos.

Apesar disso, o desafio de vender todos os 6 milhões de canhotos até setembro é grande. Por isso, López Obrador já pediu ajuda para deputados do seu partido, Morena (Movimento de Regeneração Nacional), e de empresários mexicanos na empreitada.

Memes e críticas

Nas redes sociais, a rifa virou piada e internautas criaram memes sobre onde o ganhador poderia estacionar o avião presidencial.

Diante disso, López Obrador fez um novo anúncio no último dia 7 de fevereiro, informando que, no lugar do avião, serão oferecidos 100 prêmios, que no total somam 20 milhões de pesos mexicanos (R$ 4,6 milhões).

"Não queremos dar a eles um problema, queremos dar um prêmio, para que possam se divertir", disse o presidente, lembrando dos memes sobre a aeronave.

De quem é o avião?

A alternativa encontrada pelo governo também foi necessária porque o avião oficialmente ainda não pertence ao Governo do México. Isso porque ele foi pago pelo Banobras (Banco Nacional de Obras e Serviços Públicos) e arrendado para uso presidencial até 2027, quando termina o financiamento.

Para a oposição, a rifa proposta pelo governo é uma estratégia para desviar a atenção de outros problemas do país.

"Exigimos que o Governo Federal atenda com seriedade à falta de medicamentos, que coloca em risco a vida de milhares de pacientes no México, assim como a estabilidade econômica de suas famílias", publicou o PRI, partido do ex-presidente Enrique Peña Nieto, único a usar o Boeing 787.

Aeronave exclusiva

Desde a campanha eleitoral, em 2018, López Obrador critica o que chama de "luxos" dos seus antecessores, como a compra do avião presidencial.

A aeronave é um Boeing 787-8, encomendado à empresa norte-americana em 2011 pelo então presidente Felipe Calderón (PAN), com aval do Congresso Nacional.

"O presidente tem que encontrar uma maneira de resolver os problemas que não seja só culpando o passado", respondeu Fernando Herrera, porta-voz do PAN.

A compra do avião foi concluída em 2012 e custou, à época, cerca de US$ 220 milhões (R$ 950 milhões) aos cofres públicos. À época, a justificativa para a compra era de aumentar a segurança dos presidentes, já que o avião anterior era de 1985.

O novo modelo, com adaptações feitas sob medida para o governo mexicano, tem capacidade para transportar 80 passageiros (enquanto um comercial pode levar 240 pessoas) e é ideal para longas distâncias —a aeronave pode voar 13.900 quilômetros, que corresponde à distância entre a Cidade do México a Tóquio, sem precisar abastecer.

O avião foi entregue pela Boeing ao Governo do México em fevereiro de 2016, durante a gestão de Enrique Peña Nieto, e foi usado para viagens oficiais até dezembro de 2018, quando López Obrador assumiu o cargo. Desde então, a aeronave está em um aeroporto na Califórnia passando por serviços de manutenção, atualização do sistema operacional e à espera de um comprador.

Nuestra llegada a Hannover...

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Segundo o presidente López Obrador, o avião presidencial estará de volta ao México em abril deste ano e ficará à cargo das Forças Armadas.

Presidente usa voos comerciais

Desde o início de sua gestão, há pouco mais de um ano, López Obrador e sua equipe usam voos comerciais para cumprir as agendas de governo. "Como um presidente viaja em um avião de luxo com mais de 60 milhões de mexicanos na pobreza", disse López Obrador durante entrevista coletiva no último dia 7.

Vista como medida de austeridade entre seus apoiadores, a utilização de voos comerciais pelo presidente também tem gerado críticas. Em janeiro deste ano, uma família decidiu sair do avião da Aeroméxico, que ia para o estado de Tabasco, porque considerou inseguro viajar com o presidente.

"Pedimos desculpas aos que nos acompanham e às vezes se irritam, mas temos que viajar nesses voos. Em geral, eu aviso para onde vou, para que os que não querem viajar comigo possam comprar passagens para outro dia e outra hora", disse López Obrador.

Além disso, desde que assumiu, o presidente mexicano nunca viajou ao exterior, sob o argumento de que tem muito o que fazer em seu país e que "a melhor política exterior é a interior".

López Obrador já deixou, por exemplo, de ir ao Fórum Econômico de Davos, ao G20 e a reuniões da ONU (Organização das Nações Unidas), o que gera críticas dos partidos de oposição.

"O México não pode se fechar em seu próprio território, porque o que acontece em outros países afeta o nosso também. É um grande erro não ir a encontros internacionais", disse ao UOL Fernando Herrera, porta-voz do PAN.