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Eleição nos EUA define rumos da política externa do Brasil a partir de 2021

O republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden, adversários nas eleições presidenciais de 2020 - Morry Gash e Jim Watson/AFP
O republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden, adversários nas eleições presidenciais de 2020 Imagem: Morry Gash e Jim Watson/AFP

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

03/11/2020 04h00

Hoje é o último dia para os norte-americanos escolherem o novo presidente dos Estados Unidos. De um lado, está o republicano e atual presidente, Donald Trump; e, de outro, o democrata e ex-vice-presidente, Joe Biden. A depender do resultado, o Brasil terá de rever a maneira como vem conduzindo sua política externa.

Joe Biden aparece como favorito para ganhar o pleito, segundo as pesquisas de intenção de votos. O site Real Clear Politics apontou, nos últimos dias, vantagem de até 8% do democrata. Porém, uma virada como a que ocorreu em 2016 na disputa entre Trump e Hillary Clinton não está descartada por analistas.

Se a previsão se confirmar, o Brasil terá de repensar a sua política externa atualmente pautada no alinhamento com os Estados Unidos —ou alinhamento automático a Trump, como dizem os especialistas. Desde a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) e a nomeação de Ernesto Araújo para o posto de chanceler, o Brasil vota ao lado do país na ONU (Organização das Nações Unidas) e acompanha os discursos trumpistas.

Com a chegada de Biden ao poder, a expectativa é que a política externa norte-americana mude em termos de saúde global, meio ambiente e direitos humanos. Todos temas com peso ideológico no Brasil, o que nos aproxima de países ditatoriais, conservadores ou de extrema-direita, como Arábia Saudita, Hungria e Polônia.

"No curto prazo, Biden vem com uma agenda que é contrária à agenda do Bolsonaro, que apostou todas as suas fichas em política externa na relação com o Trump", diz o professor de Relações Internacionais da FAAP, Carlos Gustavo Poggio.

O Itamaraty terá de escolher então se manterá a agenda ideológica, o que o colocará em desacordo em temas relevantes para Biden e poderá deixá-lo isolado, ou se irá para o lado do pragmatismo (com ações mais objetivas e afastadas de valores ideológicos). A expectativa de especialistas em política externa é que o governo siga pela segunda opção.

Já se Trump sair vitorioso, o Brasil poderá manter mais alguns anos de uma política externa fortemente ideológica nesses temas —membros do governo devem continuar atacando as instituições internacionais, como a ONU e a OMS (Organização Mundial da Saúde), e negando a extensão e a gravidade das queimadas no Brasil, consolidando a posição brasileira de "pária" na comunidade internacional.

Neste cenário, apesar do alinhamento do governo Bolsonaro, o Brasil e a América Latina como um todo não devem receber tanta atenção. Com problemas internos para resolver, como pandemia, protestos e economia, e um conflito ideológico com a China, Trump deverá focar em outros esforços em um hipotético segundo mandato.

"Trump não deu importância para a América Latina. Durante o primeiro mandato inteiro, ele não visitou a América Latina. No máximo, foi a Buenos Aires durante a cúpula do G20", diz o professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da USP, Felipe Loureiro. Biden visitou os países latino-americanos, incluindo o Brasil, quando era vice-presidente de Barack Obama.

O que pode ocorrer, na realidade, é uma pressão para que os países latino-americanos se afastem da China e tomem partido em temas de economia e tecnologia, mais especificamente o 5G. Mas, nesse sentido, é possível que Biden tenha a mesma atitude, já que são temas cruciais para os Estados Unidos.

Engajamento e votação antecipada

Com o cenário das últimas semanas, uma vitória de Trump só será possível se ele conseguir movimentar sua base eleitoral de maneira mais contundente do que em 2016. Alguns fatores, entretanto, favorecem a base democrata neste ano.

Por causa da pandemia, a votação começou antecipadamente em muitos estados, a fim de evitar aglomerações hoje. Com isso, um enorme contingente de eleitores já votou —em especial democratas, segundo as pesquisas. Biden engajou o eleitorado, um feito que Hillary não foi capaz de executar. Até ontem, 95 milhões de eleitores já tinham votado.

Durante a campanha, Biden e sua vice Kamala Harris foram capazes de entusiasmar as minorias, em especial mulheres, negros e latinos, a votar. Como o voto nos Estados Unidos não é obrigatório, parte do esforço é convencer a base eleitoral a participar do pleito. Em 2016, os democratas não conseguiram esse movimento, enquanto Trump atraiu os republicanos mais conservadores.

É para esse engajamento que especialistas olham com atenção. Embora uma virada do republicano seja bastante improvável, não se pode desprezar a grande base eleitoral que ele tem. Se conseguir repetir e ampliar o feito de 2016, Trump pode ser reeleito.

A pandemia também expandiu o voto por correio, o que analistas dizem que favorece o candidato democrata, já que indica mais engajamento. Não à toa, o atual presidente coloca em suspeição a medida, indicando fraude —mesmo que ele já tenha usado o voto por correio no passado.

Resultado pode levar dias

Justamente por causa do voto por correio, o resultado das eleições pode sair apenas nos próximo dias e não na próxima madrugada. Alguns estados poderão receber as correspondências de seus eleitores amanhã ou ainda mais tarde. Estados importantes para o pleito, como Michigan e Pensilvânia, já avisaram que a contagem pode levar dias.

Outro ponto importante é que a votação antecipada já sinalizou que os votos por correio estão aumentando a quantidade de "votos provisórios" —aqueles de eleitores com elegibilidade questionada. Estes eleitores podem votar provisoriamente, mas a participação deles só é computada após a verificação da elegibilidade.

Em caso de derrota de Trump, existe ainda outra possibilidade: a eleição poder ser judicializada. O presidente já sinalizou que não irá aceitar o resultado. Ele pode pedir uma recontagem e levar a questão à Justiça. Especialistas temem o movimento, pois a Suprema Corte tem uma ampla maioria de conservadores que poderiam favorecer Trump, enfraquecendo a democracia americana.