Como uma reforma tributária levou a uma onda de protestos na Colômbia
Na Colômbia, protestos contra a agora derrotada reforma tributária levaram o país a enfrentar a pior crise política e social do governo do presidente conservador Iván Duque, no cargo desde agosto de 2018.
As reformas econômicas do governo de Duque já haviam sido alvo de manifestações populares iniciadas em novembro de 2019, que se arrefeceram diante da deflagração da pandemia do novo coronavírus.
Agora, depois de um intervalo de mais de um ano, com milhares de famílias ainda mais empobrecidas por causa da crise econômica desencadeada pela crise gerada pela covid-19, os protestos ressurgiram após a proposição da controversa reforma.
Os protestos ganharam adesão de pessoas de todas as classes e, após seis dias de mobilizações, não possuem previsão de fim, mesmo com a queda do homem-forte da reforma. Até agora, pelo menos 19 pessoas foram mortas e mais de 700 ficaram feridas nas manifestações.
A reforma tributária
No pacote, o governo colombiano havia proposto um aumento dos impostos que acabaria pesando mais sobre a classe média e a classe baixa do país do que para os mais ricos, mediante a ampliação da base tributária e a cobrança de um tributo de 19% nos serviços públicos.
Duque pretendia arrecadar 23,4 trilhões de pesos colombianos (R$ 33,2 bilhões) com a reforma, o que, segundo o governo, melhoraria o estado das finanças do Estado e daria garantia de continuidade aos programas sociais para os mais pobres.
Mas a proposição não durou muito: diante da rejeição popular generalizada, Duque não teve outra escolha a não ser pedir a retirada da reforma tributária da pauta do Congresso no último domingo (2), duas semanas depois de tê-la apresentado aos parlamentares.
Em 2020, o PIB (Produto Interno Bruto) da Colômbia despencou 6,8%. Em março, o desemprego subiu para 16,8%. Quase metade dos 50 milhões de habitantes do país está no setor informal, e a pobreza já atinge 42,5% da população.
Manifestações
Os atuais protestos nas ruas colombianas estão sendo convocados, sobretudo, por sindicatos de trabalhadores, principalmente os reunidos no Comitê Nacional de Greve.
Para o grupo, Duque "teve a possibilidade de abordar e resolver as reivindicações das grandes mobilizações realizadas desde 21 de novembro de 2019 e os acordos não cumpridos com o povo e suas organizações, mas nunca esteve disposto a instalar uma mesa de negociação".
Ao ordenar a retirada da reforma tributária da pauta do Congresso, Duque falou em construir "consensos" para apresentar um outro projeto, sem controvérsias. Os sindicatos, porém, dizem que não estão sendo consultados.
Isso mostra o caráter antidemocrático deste governo do presidente Duque, que não gosta do diálogo com aqueles que pensam de maneira diferente. Ele gosta do diálogo com aqueles que se aproximam de sua política Francisco Maltés, presidente da CUT (Central Unitária dos Trabalhadores)
As centrais não convocaram protestos para ontem, e sim para amanhã — ainda sim, manifestações de taxistas e caminhoneiros, assim como de estudantes contra a violência policial, tomaram as ruas do país.
As manifestações de ontem foram, em geral, pacíficas. Os poucos distúrbios ocorreram em Barranquilla, quarta maior cidade da Colômbia, com 1,2 milhão de habitantes, onde houve saques de supermercados e confrontos com as forças de segurança.
Segundo a Defensoria do Povo — órgão público de estrutura parecida com a DPU (Defensoria Pública da União) —, a violência nos protestos já provocou ao menos 254 civis e 457 oficiais de segurança feridos.
No momento temos 1.089 casos de violência policial, dentro dos quais conseguimos identificar pelo menos 124 feridos, 726 detenções arbitrárias, seis atos de violência sexual, 27 homicídios, 12 jovens perderam a visão e mais de 45 defensores dos direitos humanos tiveram sua capacidade de exercer esse trabalho limitada Martha Alfonso, vice-presidente do Fecode, o sindicato dos professores da Colômbia
A escalada de violência nos protestos levou a ONU (Organização das Nações Unidos) a se manifestar condenando o "uso excessivo da força" por parte das forças policiais e pedindo calma para os atos de amanhã.
Estamos profundamente alarmados com os acontecimentos ocorridos na cidade de Cali, na Colômbia, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes que protestavam contra a reforma tributária, matando e ferindo várias pessoas, segundo as informações recebidas Marta Hurtado, porta-voz do Escritório da ONU para os Direitos Humanos
Queda ministerial
Ontem, um dia depois da queda da reforma, quem caiu foi o ministro da Fazenda da Colômbia, Alberto Carrasquilla, que renunciou ao cargo. O economista era o pilar do projeto e estava no gabinete do governo de Duque desde o primeiro dia do mandato do presidente.
"Minha continuidade no governo dificultaria a construção rápida e eficiente dos consensos necessários", disse Carrasquilla em carta, expondo insatisfação com a suspensão da reforma e a substituição por uma outra, que pode vir a ser mais branda que o desejado.
Para o lugar de Carrasquilla, Duque nomeou o até então ministro de Comércio, Indústria e Turismo, José Manuel Restrepo, economista e acadêmico que, assim como o antigo chefe da Fazenda, está desde agosto de 2018 no governo.
Mesmo com o projeto suspenso para reavaliação e a queda do homem-forte da política econômica de Duque, os sindicatos querem mais do que uma reforma tributária mais justa.
Para amanhã, os sindicatos planejam pedir também a aceleração da vacinação contra a covid-19 no país, uma renda básica de pelo menos um salário mínimo mensal (R$ 1,3 mil) para a população, subsídios para pequenas empresas e uma política de soberania e segurança alimentar.
"O povo nas ruas está exigindo muito mais do que a retirada da reforma tributária", disse Maltés após ler uma nota do Comitê Nacional de Greve ontem. A orientação, por ora, é para continuar com a mobilização nacional.
* Com informações da AFP, da EFE e da RFI
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