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'Não foi em vão', diz Luiza Trajano, do Magalu, sobre morte de George Floyd

Letícia Lázaro

Colaboração para o UOL, de São Paulo

25/05/2021 18h35

A morte do norte-americano George Floyd, que completa um ano nesta terça-feira (25), "não foi em vão", afirmou Luiza Helena Trajano, presidente do conselho administrativo do Magazine Luiza, durante o UOL Debate. O evento trágico desencadeou uma série de mudanças na sociedade, inclusive entre as empresas, como a criação pela varejista de um programa voltado exclusivamente a trainees negros.

"O mercado parou para trabalhar como podia lidar com negros nas organizações. É como se a gente tivesse feito 100 anos em dois meses", afirmou durante o UOL Debate, que contou com o João Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. O apresentador Diego Sarza mediou a conversa.

No dia 25 de maio de 2020, George Floyd, um homem negro norte-americano morreu após ter o pescoço pressionado por policiais por mais de nove minutos em Minneapolis, nos Estados Unidos. O caso foi o estopim de manifestações contra a violência racial no país e no mundo.

Para Vicente, houve pelo menos duas mudanças significativas. A primeira foi uma postura do governo norte-americano contra violência policial. "Mesmo o Trump, que primeiro entendia as manifestações como vandalismo, mandou ao Congresso um projeto para reformular guardas e polícias." A outra foi a histórica condenação de um policial pela morte de um negro - no julgamento, até os colegas do agente testemunharam contra ele.

Em abril deste ano, o ex-policial de Minneapolis, Derek Chauvin, foi condenado pelo homicídio de Floyd. De forma unânime, os 12 membros do júri popular consideraram Chauvin culpado das acusações de homicídio em segundo grau, homicídio em terceiro grau e homicídio culposo.

Vicente lembra que, no Brasil, algumas mudanças já começam a surgir, como a PM paulista e a Guarda Civil Metropolitana da capital paulista proibir o uso de técnicas agressivas em abordagens, como o mata-leão.

O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares lembrou que a indignação levou manifestantes para as ruas em todo o mundo, do "Japão à Inglaterra" e foi endossada por celebridades, como os jogadores da NBA, que chegaram a se recusar a jogar, e Lewis Hamilton, que levou os protestos para as corridas de F1.

Clubes de futebol, empresas se posicionaram e exigiram que os governos tomem as providências e ainda construam uma serie de soluções para essas coisas não voltarem a acontecer (...) Aquele problema não era dos negros ou do George Floyd, era o problema de toda sociedade. Era preciso mudar a atitude e a postura
João Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares

A morte de Floyd ocorreu nos primeiros da pandemia de coronavírus, em que o mundo ainda ensaiava uma forma eficaz de lidar com a doença e o isolamento social era uma novidade. As cenas do homem "pedindo, 'por favor, estou sem ar'" sensibilizaram Trajano.

Ela afirma que o Magalu já trabalhava em políticas de igualdade racial internamente, mas a dificuldade para encontrar diretos motivou a empresa a construir um programa de trainee voltado apenas a profissionais negros. Durante o UOL Debate, a executiva contou alguns bastidores da iniciativa, que diz ser "a única coisa que leva rapidamente as pessoas a serem executivos e diretores".

"O Frederico deu um testemunho de que eram jovens preparados, do Brasil inteiro e com tanta capacidade, que eles ficaram surpresos. [Tinham] Capacidade de comunicação, resiliência, eram competentes e estavam ganhando um terço [do salário] ou estavam desempregados", afirmou.

Segundo ela, assim que a empresa comunicou o projeto, "foi uma agressividade muito grande". Algumas pessoas acusaram a companhia de "racismo reverso", um conceito que não existe. "Eu sabia o que era racismo estrutural, o reverso eu não conhecia"

Segundo especialistas, o racismo demarca que uma parte da população sofreu com uma exploração oficial da sociedade, com exploração do trabalho, segregação financeira, de moradia e perseguição cultural sob a justificativa da raça. É estrutural.

"O argumento do racismo reverso é em parte desinformação, parte desonestidade intelectual e política", explica a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano Luciana Brito.

Para Trajano, "as pessoas esquecem que tivemos quase 400 anos de escravidão" e "tivemos uma abolição terrível, que não existe até hoje". "Isso é o preço que pagamos pelos tempos de escravidão, que é uma coisa pelo que nós temos que pedir perdão."

Outra ação crucial para formar profissionais negros qualificados a ocupar cargos executivos foi a implementação de cotas raciais e sociais em universidades públicas do país. Classificada por Trajano como "um processo transitório para acertar uma desigualdade", as cotas deram oportunidades para jovens ingressarem no ensino superior. Para José Vicente, as cotas são medidas "justas e necessárias".

"Se você perguntar pra qualquer dos jovens que estão se formando ou se formaram nos últimos 10 anos, eles dirão: sou o primeiro da minha família a chegar à universidade", diz o reitor.

Ele explicou que a criação de uma faculdade para negros foi pensada há 20 anos, quando só 3% dos alunos em ensino superior eram negros. "Nesse exato momento, os negros são 52% das universidades públicas federais e 1 milhão de jovens negros estão se preparando para sair da universidade", disse.

1 milhão de jovens negros [formados] é o que o Brasil não fez em 130 anos. Então, as cotas continuam sendo indispensáveis, necessárias e obrigatória
João Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares