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Mexicana é condenada a 100 chibatadas após denunciar abuso sexual no Qatar

Paola Schietekat trabalhava em empresa responsável por obras da Copa de 2022  - Reprodução/Youtube/SinEmbargo Al Aire
Paola Schietekat trabalhava em empresa responsável por obras da Copa de 2022 Imagem: Reprodução/Youtube/SinEmbargo Al Aire

Do UOL, em São Paulo

21/02/2022 08h24Atualizada em 21/02/2022 09h55

Uma mexicana que trabalhava em uma empresa ligada à organização da Copa do Mundo de 2022 foi condenada a sete anos de prisão e 100 chibatadas após denunciar ter sido vítima de abuso sexual no Qatar.

Paola Schietekat, 27, atuava como economista na Supreme Committee for Delivery and Legacy, entidade responsável por obras de estádios e infraestrutura do próximo Mundial da FIFA. Mas sua jornada no projeto foi interrompida em 6 de junho do ano passado, quando um homem invadiu seu dormitório em Doha, capital do país, enquanto a mulher dormia.

Schietekat decidiu denunciar a violência que sofreu às autoridades do Qatar, mas a corte do país voltou o caso contra a mexicana, liberando seu agressor e sentenciando a economista a sete anos de prisão por manter uma "relação extraconjugal" com o homem, segundo relatou reportagem do jornal espanhol El País.

Vítima de outro abuso sexual aos 17 anos, a mulher foi à uma delegacia no dia seguinte à agressão, acompanhada do então consul do México no Qatar, Luis Ancona. Os dois foram até o local munidos de uma série de provas: um laudo médico e fotos de manchas roxas deixadas pelo homem nos braços, ombros e costas da vítima.

"Quando me perguntaram se eu queria uma ordem de restrição, não fazer nada ou ir até as últimas instâncias eu congelei, pelo choque, por medo e por falta de sono. Voltei a consultar o cônsul, que recomendou ir até o fim", lembrou a mexicana em um texto publicado em 8 de fevereiro pelo jornalista Julio Astillero, conterrâneo da economista.

Horas depois de decidir manter as acusações, Schietekat foi convocada pelos investigadores, sendo colocada frente a frente com seu agressor, que afirmava que ele e a mulher já mantinham um relacionamento amoroso.

Com as declarações do homem, a mulher deixou de ser tratada como vítima de estupro e passou a ser acusada de manter uma relação extraconjugal. A sharia, ou lei islâmica, continua sendo levada em conta nas punições por adultério no Qatar, prevendo a pena de 100 chibatadas e sete anos de cárcere para as pessoas condenadas.

Schietekat se converteu ao islamismo durante a adolescência, mas mesmo mulheres não muçulmanas estão sujeitas a castigos. Em 2016, uma turista da Holanda foi condenada a um ano de prisão e uma multa de US$ 845 (cerca de R$ 4,3 mil na cotação atual) após sofrer estupro de um cidadão do Qatar, lembrou o El País.

Em contato com as autoridades locais, o governo holandês conseguiu fazer com que a mulher cumprisse apenas três meses de detenção.

No caso da jovem mexicana, o Supreme Committee for Delivery and Legacy intermediou sua saída emergencial do Qatar. Em 25 de julho de 2021, pouco mais de um mês depois do abuso, a economista voltou ao México.

"Nunca respirei mais aliviada do que quando carimbaram meu passaporte. No México, a adrenalina diminuiu e começou um processo mais lento, ainda que igualmente complexo e doloroso", afirmou Schietekat no texto enviado para o jornalista mexicano.

Na casa de familiares na Cidade do México, ela recebeu a notícia de que o homem que havia denunciado foi absolvido das acusações, já que não havia câmeras para provar que ele atacou a mulher.

Já o processo contra a economista continua. No último dia 14, ela foi convocada para uma segunda audiência em uma corte de Doha, mas nem sua advogada nem representantes do consulado mexicano compareceram. Uma terceira audiência ainda deve acontecer no dia 6 de março.

Na quinta-feira (17), Schietekat se reuniu com Marcelo Ebrard, ministro das Relações Exteriores do México, para discutir uma nova abordagem que permita que a economista volte a viver em Doha, o que é seu desejo atual.

Segundo o El País, em outras ocasiões, a vítima relatou o despreparo das autoridades do consulado mexicano no Qatar para lidar com seu caso, afirmando que os funcionários não falavam nem o mínimo de árabe e desconheciam a legislação local. O antigo cônsul, Luis Ancona, agora deslocado para a Bolívia, teria inclusive orientado a vítima a "trancar melhor" a porta de seu dormitório.