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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Rússia x Ucrânia: cultura e idioma estão em jogo nas regiões separatistas

Foto da cidade de Krasnogorivka, região de Donetsk, no dia em que a Rússia reconheceu a independência dessa e outra região do leste da Ucrânia - Aleksey Filippov/AFP
Foto da cidade de Krasnogorivka, região de Donetsk, no dia em que a Rússia reconheceu a independência dessa e outra região do leste da Ucrânia Imagem: Aleksey Filippov/AFP

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

24/02/2022 04h00

O clima de tensão entre a Rússia e a Ucrânia envolve também assuntos como cultura e idioma em Donetsk e Lugansk, as duas regiões separatistas do leste ucraniano que tiveram suas independências reconhecidas pelo presidente russo, Vladimir Putin, na segunda-feira (21).

"Uma das críticas de pessoas que falam russo em casa foi justamente que o governo fortaleceu o idioma ucraniano e limitou o uso do russo na educação e na administração pública, por exemplo", explica Oliver Stuenkel, cientista político e professor de Relações Internacionais na FGV (Fundação Getulio Vargas).

Uma pesquisa de 2019, feita pelo Centro de Estudos Internacionais e do Leste Europeu de Berlim, apontou que dois terços da população das regiões separatistas definem o russo como sua língua materna.

Para Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a prevalência do idioma russo é um dos principais argumentos culturais utilizados por grupos pró-Rússia na discussão dessas regiões.

De uma ótica dos direitos humanos, esses grupos devem poder exercer sua representação, com autonomia, e serem levados em consideração pelo Estado ucraniano. Mas isso não significa, necessariamente, que estejam sofrendo algum tipo de opressão por parte da Ucrânia que os fizesse invocar o princípio da autodeterminação dos povos."
Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional na UFMG

Onde fica a Ucrânia? - UOL - UOL
Onde fica a Ucrânia?
Imagem: UOL

O número de ucranianos ligados a questões culturais e religiosas russas colabora com o peso político da Rússia nesses locais.

"O último censo apontou que havia cerca de 8 milhões de russos nessas localidades, mas se você considera ucranianos com visões russas, esse valor aumenta para 20 milhões de pessoas", explica Tito Livio Barcellos Pereira, que também é mestre em ciência política e relações internacionais pela UFF (Universidade Federal Fluminense).

Hoje, a população da Ucrânia está em torno de 44 milhões.

A disputa pelas regiões

O clima tenso de disputa por essas regiões vem se intensificando desde 2010.

Em 2014, a situação piorou com as manifestações de ucranianos pró-Europa contra o presidente pró-russo Victor Yanukovich. Os protestos levaram Yanukovich à renúncia. "Quando ele caiu, houve levantes nessas duas províncias e o novo governo, que era mais pró-ocidente, enviou tropas para lá, já que a Ucrânia havia perdido o controle", explica Stuenkel. Nesse período, houve diversos conflitos entre russos e ucranianos.

Segundo a Ucrânia, oficiais russos se envolveram nos conflitos de 2014 —o que Moscou nega. Depois da derrota da Ucrânia, em fevereiro de 2015, os países assinaram os acordos de paz de Minsk.

Um dos pontos que o acordo previa era o cessar-fogo imediato e a retirada dos armamentos pesados. Além disso, a reunificação das regiões. "O acordo de paz, de certa maneira, formaliza o controle que os rebeldes têm sobre essas regiões, mas ele é muito vago e abriu espaço para que ambos os lados pudessem acusar o outro lado de violar os acordos", analisa o professor da FGV.

A decisão de Moscou de reconhecer a independência das duas regiões, segundo Lima, tem efeitos para a Rússia e sua política externa com a região. "Pode ser interpretada como um ato contrário à integridade territorial da Ucrânia, razão pela qual as tensões só se escalaram até então", explica o professor.

Vale lembrar que após reconhecer as regiões, Putin ordenou o envio de soldados. que segundo o Kremlin, assumirão "funções de manutenção da paz".

Desde 2014 temos mais de 14 mil mortes. É uma guerra permanente nessa região e muitas pessoas fugiram pro oeste da Ucrânia ou para dentro da Rússia para evitar esses confrontos."
Oliver Stuenkel, cientista político e professor na FGV

Para Tito Livio, as regiões apresentam pontos de vista social e econômico "inviáveis" com custos políticos para Moscou, já que a "a maioria do mundo vai ver essa decisão como uma anexação".

Anexar essas regiões, no entanto, pode trazer ainda mais problemas. "O governo russo sabe que uma vez que aceitarem, isso vai implicar um total rompimento com o ocidente, não contra seus adversários, mas contra seus aliados como China, Índia, Irã e outros países da Ásia Central", afirma Livio.