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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


'Rendam-se ou todos morrerão': as impressões de repórter após ataque a Kiev

André Liohn*

Colaboração para o UOL e para a Folha, em Kiev (Ucrânia)

15/03/2022 10h08Atualizada em 16/03/2022 22h16

As explosões do início desta manhã em Kiev, capital da Ucrânia, aleatórias em seus alvos, mas precisas no tempo e na mensagem, destruindo ainda mais as vidas daqueles que vivem aqui, provam que é sim o medo que está mantendo aqueles que ficaram na cidade escondidos dentro de suas casas.

Exatamente às 5h de hoje (0h no horário de Brasília), três grandes explosões consecutivas sacudiram a cidade. A sequência de estrondos chegou a disparar os alarmes de carros nos estacionamentos e nas ruas a pelo menos 13 km de distância de onde aconteceram.

Em seguida, o prefeito da cidade, Vitali Klitschko, por meio de suas mídias sociais, pediu que a população se esconda em abrigos antibombas todas as vezes que as sirenes da cidade tocarem: "Amigos! Caros Kyivans! O inimigo continua a atacar Kiev. No início da manhã, projéteis atingiram vários prédios residenciais, dois arranha-céus no distrito de Sviatoshynskyi, um em Podilskyi. E em uma casa particular. A entrada de uma das estações de metrô foi danificada pela onda de choque. Há vítimas em prédios residenciais, a informação está sendo esclarecida. Equipes de resgate e médicos estão trabalhando no terreno. Siga para os abrigos durante cada alarme".

Desde então, tanto as sirenes da cidade como o aplicativo de celulares que emite um alerta copiando o som das sirenes já soaram 23 vezes até o início da tarde, horário ucraniano.

Uma enorme cratera de pelo menos 5 metros de diâmetro e 3 de profundidade, produzindo vapor que saia do solo encharcado, foi aberta pelo impacto que atingiu o jardim em frente de um prédio dentro de um conjunto residencial na região oeste de Kiev que fica localizada entre a área central da capital e as cidades de Bucha e Irpin, onde os exércitos russo e ucraniano intensificaram suas batalhas, principalmente com o uso de artilharia pesada e poderosos mísseis terra-terra.

A fachada de frente para onde o míssil caiu ficou completamente destruída e bombeiros usavam caminhões com escadas mecânicas para chegar aos andares superiores, todos em chamas.

Do outro lado, muitos civis, principalmente idosos e idosas, eram resgatados pelos bombeiros que acessavam as janelas dos apartamentos com os cestos de resgate em seus caminhões. O corpo carbonizado de uma pessoa não identificada foi encontrado ao lado de um parque para crianças a poucos metros de distância do prédio e levado pelos paramédicos para o mortuário da cidade.

Durante o resgate, o comandante do corpo de bombeiros e da operação, Andrey Kovalenko, afirmou que a possibilidade de encontrar mais vítimas assim que os bombeiros pudessem ter acesso ao prédio e aos apartamentos completamente destruídos pela explosão era quase certa.

Do lado de fora, uma senhora baixa, nervosa, chorando alto, lutava para se desvencilhar dos braços de um homem que sem sucesso procurava impedi-la de se aproximar das equipes que trabalhavam. Aos prantos, ora dialogando, ora agredindo os jornalistas que a seguiam, a senhora tentava convencer os membros do corpo de bombeiros ainda ocupados com as chamas a salvarem membros de sua família levantando seus braços curtos em direção ao alto do prédio, apontando o canto direito da face mais destruída onde praticamente todas as janelas estavam tomadas por fogo e fumaça preta.

Uma menina, em pé sobre pedaços dos vidros que se quebraram das janelas do prédio ao lado daquele atingido, também não conseguia conter o choro. Sem ninguém que a consolasse, cobria sua boca com a mão, e olhava ininterruptamente para as chamas que consumiam o prédio acompanhando os grandes pedaços de metal que perigosamente se soltavam dos escombros e caiam do alto quase atingindo as equipes que trabalhavam no chão.

  • Veja o relato do correspondente André Liohn e mais notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:

Contrastando com o calor emitido pelo fogo, perceptível mesmo para quem assistia a tudo em pé do lado fora do cordão de impedimento erguido pela polícia, gotas e a umidade da água usada para apagar o incêndio se congelavam nos ramos das tantas árvores desfolhadas ao redor do prédio. Os galhos dificultavam o movimento dos guindastes usados para socorrer as pessoas presas dentro de seus apartamentos nos andares mais altos e uma equipe do corpo de bombeiros precisou cortar as árvores para que os guindastes pudessem chegar até o chão com os moradores evidentemente aterrorizados.

Uma senhora, sem conseguir caminhar, ainda vestida com seu roupão laranja e chinelos de veludo, foi carregada como uma boneca por um homem que a levou até uma ambulância onde foi socorrida e consolada pelos paramédicos que estavam presentes no local.

Com os ataques de hoje, nos últimos dois dias, a região central de Kiev sofreu pelo menos cinco grandes ataques que tiraram a vida de pelo menos 15 pessoas, feriu e desabrigou outras dezenas e destruiu dois grandes prédios residenciais. Estes ataques seguem o mesmo padrão; aparentam ser aleatórios e com alto poder de destruição e atingindo apenas áreas civis sem importância militar ou estratégica para o avanço das tropas russas em direção ao centro da cidade.

Não foi um feriado prolongado que tirou a população da cidade, e tampouco é por causa do frio que aqueles que estão aqui escondem-se em suas casas.

A guerra está cada vez mais dentro da capital ucraniana. Além da precisão do horário dos ataques, parece que a mensagem que Putin tenta passar ao governo ucraniano também é bastante clara e precisa: "Rendam-se, ou todos vocês morrerão".

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

*Especializado em coberturas de guerras, o fotógrafo André Liohn reporta ao UOL e à Folha diretamente de Kiev, na Ucrânia, sobre a guerra deflagrada pela Rússia. Com publicações em New York Times, Time e The Guardian, Liohn recebeu o prêmio Robert Capa, um dos mais importantes da fotografia, pela sua cobertura da Primavera Árabe na Líbia, em 2012.