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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Bombas não poupam crianças: hospital pediátrico mostra horrores da guerra

21.mar.2022 - Hospital pediátrico de Zaporizhzhia com as janelas tapadas por sacos de areia - André Liohn/UOL
21.mar.2022 - Hospital pediátrico de Zaporizhzhia com as janelas tapadas por sacos de areia
Imagem: André Liohn/UOL

André Liohn

Colaboração para o UOL e para a Folha, em Zaporizhya (Ucrânia)

21/03/2022 17h15Atualizada em 21/03/2022 20h26

O pior da guerra da Rússia contra a Ucrânia —iniciada em 24 de fevereiro— pode ser visto nos leitos de hospitais pediátricos, como o de Zaporizhya. A cidade do sudeste ucraniano se tornou o principal refúgio para civis que deixam sobretudo a portuária Mariupol, que está há três semanas sob bombardeio.

As janelas da unidade de saúde são tapadas por barricadas de sacos de areia e vidros com fitas adesivas para impedir que estilhaços sejam lançados contra médicos, enfermeiros e pacientes em caso de explosão.

Desde o final da semana passada, quando os primeiros civis conseguiram furar o cerco militar russo em Mariupol, o hospital recebeu seis crianças em estados grave e crítico.

Diana, Natasha e Dominica

Momentos de silêncio eram incomuns e Diana Feidulina, 13, achou que o calor daquela manhã de 12 de março não poderia ser desperdiçado.

Durante 5 minutos, ao lado da irmã Natasha, 26, e da sobrinha Dominica de apenas 4 anos, sentindo na pele o calor do primeiro sol de primavera, Diana finalmente pode respirar um ar que não fosse úmido, como o do porão onde durante dez dias, ela e sua família buscaram proteção contra as incontáveis bombas que atingiram a região próxima à sua casa em Mariupol.

No exato momento em que a bomba caiu ao seu lado, ferindo sua cabeça, braços e perna direita com estilhaços de aço incandescente, Diana já havia quase se esquecido que a Rússia invadiu a Ucrânia e que uma guerra que ela não entendia estava acontecendo.

Diana Feidulina, 13, foi atingida por estilhaços na cabeça e na perna - André Liohn/UOL - André Liohn/UOL
21.mar.2022 - Diana Feidulina, 13, foi atingida por estilhaços na cabeça e na perna
Imagem: André Liohn/UOL

A explosão feriu seu corpo e um fragmento da bomba ficou alojado em seu crânio. Os segundos seguintes ao som terrível foram muito confusos e terminaram sem que ela se lembre como.

Quando acordou, já estava no hospital, e havia passado por uma cirurgia para extrair o pedaço de metal fincado pouco acima de sua testa. Acordada, foi lentamente se lembrando do que havia acontecido, e queria saber onde estavam sua irmã e sobrinha.

Em um canto escuro do porão convertido em sala hospitalar, Vladimir Feidulina, o pai de Diana, chorando inconsolavelmente, pergunta como algo tão ruim poderia ter acontecido com sua filha Natasha e sua neta Dominica.

A bomba que caiu enquanto as três haviam saído para respirar apenas por 5 minutos matou Natasha e Dominica.

"Olhei para o chão e lá estava minha netinha com a cabeça completamente despedaçada", conta Vladimir. "Ela ficou lá sem respirar ao lado de minha filha com as pernas fraturadas, com seus ossos expostos."

Dominica —cujas fotos seu avô quase acaricia em seu telefone— morreu na hora. A mãe dela, Natasha, faleceu no dia seguinte em decorrência dos ferimentos.

Por mais quebrado que esteja, Vladimir está tentando se manter forte para sua segunda filha, Diana. Gravemente ferida na explosão, ela aguardava hoje passar por uma cirurgia de emergência.

Mas ele não conseguia esconder sua dor. "Deus, por que você trouxe tudo isso sobre mim? Eu não deveria enterrar meus filhos, minhas lindas meninas, eu falhei em protegê-las."

21.mar.2022 - Masha, 15, precisou ter a perna direita amputada após explosão de um projétil russo - André Liohn/UOL - André Liohn/UOL
21.mar.2022 - Masha, 15, precisou ter a perna direita amputada após explosão de um projétil russo
Imagem: André Liohn/UOL

Artem e Masha

Em sua cama, o pequeno Artem, um menino de 2 anos com um curativo de gaze no lado esquerdo de sua cabeça e uma grande ferida costurada em sua barriga, assiste a um vídeo para crianças no telefone celular de uma das enfermeiras.

O projétil russo que explodiu estilhaços contra seu pequeno corpo também feriu gravemente seus pais e avós, enquanto a família tentava fugir de Mariupol.

Enquanto isso, Valentina Feschenko espera aflita notícias a respeito de sua neta, a menina Masha Feschenko, 15, também de Mariupol.

A adolescente precisou ter sua perna direita amputada depois de ter sido dilacerada pela explosão de um projétil russo na terça-feira passada (15).

David e Misha

David Agabekyan, 16, estava jogando futebol com dois amigos quando uma bomba explodiu próximo ao grupo. Um dos amigos morreu imediatamente. Ferido, o outro continua atualmente em um hospital em Mariupol sem conseguir sair devido ao cerco militar russo.

David teve sua panturrilha ferida por um fragmento de metal, e os médicos estão tentando salvar sua perna de uma possível amputação.

21.mar.2022 - David Agabekyan, 16, estava jogando futebol com dois amigos quando uma bomba explodiu - André Liohn/UOL - André Liohn/UOL
21.mar.2022 - David Agabekyan, 16, estava jogando futebol com dois amigos quando uma bomba explodiu
Imagem: André Liohn/UOL

Já Misha Belajev, 15, foi atingido por um estilhaço de um projétil na nuca, enquanto a família tentava fugir de Mariupol de carro. Agora o adolescente se encontra hospitalizado no hospital pediátrico de Zaporizhya.

'Os que chegaram aqui são os que tiveram sorte'

Zaporizhzhia, às margens do rio Dnieper, vive hoje sob constante som de sirenes alertando um possível ataque aéreo.

"Os que chegaram aqui são os que tiveram sorte. No caminho, existem centenas de carros destruídos, deixados aos pedaços, com corpos jogados pelas ruas e ao longo da estrada", diz Kathya, recém-chegada à cidade com sua família.

Ela foi acolhida no estacionamento de um shopping center na periferia de Zaporizhzhia, onde a administração municipal montou um centro de recebimento de pessoas que deixaram áreas em conflito ocupadas por tropas russas.

Muitos dos carros que chegam a Zaporizhya estão com vidros quebrados, lataria perfurada ou muito amassada e cobertos por uma poeira fina, mas persistente de cimento e terra. É comum ouvir de seus ocupantes que Mariupol, não existe mais.

No dia 17, Vadim Denisenko, conselheiro do ministro de Assuntos Internos da Ucrânia, disse que quase nenhum prédio de Mariupol foi poupado pelos ataques russos.

"Não há eletricidade e água potável. Neste momento, os moradores já não têm nem mesmo o que comer e nenhum serviço está funcionando. Nem mesmo os mortos estão sendo tirados das ruas."

Segundo o ministro, apenas 10% dos 443 mil moradores conseguiram fugir por contra própria da cidade.