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Brasileiros ilhados por nevasca há uma semana passam perrengue na Argentina

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

15/07/2022 15h45Atualizada em 15/07/2022 15h57

Cerca de 3.500 caminhoneiros que atuam transportando mercadorias entre os países do Mercosul estão enfrentando uma situação difícil desde sexta-feira (8), quando foram pegos de surpresa por uma nevasca nos Andes. Sem acesso a fontes de água potável e banheiros, os motoristas, entre eles muitos brasileiros, estão tendo que improvisar para sobreviver às baixas temperaturas, em condições precárias.

Os caminhões estão retidos em estradas, postos de gasolina e pátios improvisados de Uspallata a Desaguadero, na fronteira com San Luis, na Argentina, esperando para cruzar a fronteira com o Chile. Eles não conseguem avançar por conta da enorme quantidade de neve que cai nos Andes e a persistência das nevascas, que fecharam os postos de imigração e a aduana entre os dois países.

O clima hostil, com temperaturas de até -10ºC, fez com que milhares de pessoas passassem a noite de sábado em carros, ônibus e caminhões na rota internacional que liga a Argentina ao Chile através de Mendoza.

Em Mendoza, um comitê de crise, formado pela Gendarmaria Nacional, o Exército, a Polícia e a prefeitura do município de Las Heras autorizou uma patrulha de resgate a evacuar as pessoas retidas e liberar a rota internacional.

Os caminhoneiros que lotavam as estradas foram levados até uma região onde funciona uma refinaria de petróleo, onde estacionaram seus veículos num grande terreno usado praticamente todos os anos como um pátio improvisado, quando as condições climáticas impedem que sigam viagem.

Entre os motoristas retidos nessa área de Mendoza, estão os brasileiros Geraldo César Dutra, 42, e Rogério Francisco Paulete, 46. Em entrevista ao UOL, eles disseram que a situação é crítica pois, além do frio, a falta de infraestrutura do pátio improvisado torna ainda mais difícil a espera por uma melhora do clima.

caminhoneiros - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Brasileiros enfrentam a situação com temor, mas tentando manter o humor leve
Imagem: Arquivo Pessoal

"Estamos parados numa área que os argentinos chamam de Destilaria, em frente a uma refinaria de petróleo", contou Dutra, que é curitibano.

Saí do Brasil no dia 2 e cheguei em Mendoza na sexta-feira, quando fui alertado no grupo de WhatsApp dos caminhoneiros que uma nevasca se aproximava. A Germanderia Nacional nos trouxe até aqui, um terreno bem grande onde deve ter agora mais de 1.000 caminhões.

'Número 2' sob a carroceria

Segundo os brasileiros, foram providenciados dois banheiros químicos para atender às necessidades dos motoristas dos mais de mil caminhões retidos no pátio e também parados no acostamento da estrada de acesso à refinaria. Não há chuveiros ou acesso a fontes de água potável.

"Claro que dois banheiros não atendem a quantidade de gente aqui", comentou Paulete, que é de Santa Catarina. "Homens e mulheres estão tendo que se enfiar sob a carroceria dos caminhões para urinar e defecar. É uma situação humilhante".

A quantidade de neve acumulada sobre as carrocerias dos caminhões chega a 50 centímetros de altura durante as nevascas - Reprodução/Arquivo Pessoal - Reprodução/Arquivo Pessoal
A quantidade de neve acumulada sobre as carrocerias dos caminhões chega a 50 centímetros de altura durante as nevascas
Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Quanto aos alimentos, a dupla afirma que, por sorte, seus caminhões são equipados com pequenas cozinhas, com refrigerador e fogareiro para cozinhar as refeições. "Mas nem todos têm essa estrutura. Muitos estão tendo que desengatar o reboque e sair por aí, no meio da nevasca, procurando um posto de serviço para comprar alimentos", diz o catarinense.

Para tomar banho, alguns motoristas estão se dirigindo a um posto de gasolina nas proximidades, onde existem três cabines de banho. "O dono do posto deixa a gente usar o chuveiro, mas o aquecimento é a gás. E com a quantidade de gente na fila para tomar banho, nem sempre a água é quente ou morna. A gente está tomando banho frio mesmo", afirma Dutra.

De acordo com os caminhoneiros, esta não é a primeira vez que os motoristas são levados a conviver com o improviso durante os períodos de inverno na região andina.

"Quase todo ano é isso", denuncia Paulete, com indignação.

As autoridades deveriam tomar alguma providência, é desumano. Imagine que passamos a noite com 30, 50 centímetros de neve em cima da carroceria da cabine. Quem não estiver preparado, com roupas adequadas, pode morrer de frio.

Deputado cobra Itamaraty

O deputado Nereu Crispim (PSD), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, encaminhou na manhã de hoje diversos documentos ao Ministério das Relações Exteriores, com cópia para a Embaixada Brasileira na Argentina e a Embaixada Argentina em Brasília, relatando a necessidade de averiguar a situação de emergência sanitária e alimentar dos brasileiros retidos.

"Cerca de 500 caminhões com transportadores brasileiros estão atualmente retidos e no entorno da região afetada pela nevasca com previsão de piora climática", alerta o deputado no documento. "Há efetiva necessidade de atuação célere e conjunta do governo brasileiro no atendimento local, por razões humanitárias e econômicas".

Milhares de caminhões ficaram presos na região de fronteira da Argentina com o Chile - Reprodução/Arquivo Pessoal - Reprodução/Arquivo Pessoal
Milhares de caminhões ficaram presos nas estradas que dão acesso à fronteira da Argentina com o Chile
Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Crispim disse ao UOL que decidiu acionar o Itamaraty após ter recebido muitas ligações e mensagens de motoristas, enviando vídeos e relatando a precariedade e o risco da situação vivida por eles. Em algumas imagens, os brasileiros demonstram que tentam manter o bom humor, tomando chimarrão em cadeiras de praia, vestindo bermuda, ou resfriando garrafas de vinho na neve.

"Esse é um problema recorrente. Os governos deveriam ter um monitoramento mais preciso do clima, inclusive evitando com antecedência que os motoristas se dirigissem a essas áreas. Nunca é tarde para se tomar providências com o objetivo de se evitar uma futura tragédia".

O UOL entrou em contato com o Ministério das Relações Exteriores, para se certificar das providências a serem tomadas pelo corpo diplomático do Itamaraty, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem. Ela será atualizada caso haja posicionamento.