Ucrânia: 'olheiros' nas ruas intimam civis para irem para a guerra, diz NYT
Funcionários do governo ucraniano estão espalhados pelas ruas de Kharkiv para encontrar soldados em potencial. A campanha nacional recruta homens de 18 a 60 anos, mas civis denunciam que a prática é arbitrária e viola as regras do próprio governo. As informações são do jornal The New York Times.
Os "olheiros" do governo emitem intimações ordenando que os civis se apresentem aos escritórios de recrutamento. O NYT diz que a campanha levou a um jogo de gato e rato entre funcionários e homens que tentam evitá-los nas ruas.
"Perguntamos se eles têm treinamento militar e querem servir na guerra", disse um funcionário do governo ao NYT. Ele se identificou apenas como Oleksandr porque não tem autorização para falar com a mídia.
Entretanto, civis relatam ao NYT que nunca tiveram a opção de não aparecer na junta militar. Há também o relato de homens que estão ansiosos para lutar, mas são rejeitados.
Uma petição assinada por mais de 25 mil ucranianos —o mínimo exigido para que o presidente Volodymyr Zelensky responda —, pede a proibição de intimações em locais públicos como postos de controle de fronteira e postos de gasolina.
"Há muitas pessoas dispostas que estão motivadas, que têm experiência de combate, mas não podem ingressar no serviço, porque em muitos lugares recrutaram pessoas nas ruas que não têm experiência", diz um trecho da petição.
Denis, de 29 anos, disse que recentemente recebeu uma intimação em frente a um supermercado de Kharkiv. Mas, no escritório de recrutamento, ele mentiu "e disse que não tinha nenhum treinamento militar" —uma mentira que pode não ser descoberta porque seus registros estão em outra parte da Ucrânia.
Conheço caras que nem saem de seus apartamentos porque têm medo de receber uma intimação, mas também conheço muitas pessoas que querem lutar.
Denis não informou seu sobrenome por medo de punições
Na Ucrânia, o alistamento militar é obrigatório para os homens, a menos que se enquadrem em uma categoria isenta, como estar matriculado em uma universidade, ter uma deficiência ou ter pelo menos três filhos.
Após o início da guerra, em 24 de fevereiro, todos os homens não isentos com idades entre 18 e 60 anos foram obrigados a se registrar nos escritórios de recrutamento locais e passar por exames médicos para possível serviço.
Autoridades do governo dizem que apenas aqueles com experiência militar ou habilidades específicas necessárias foram convocados até agora, mas que outros provavelmente serão convocados à medida que a guerra continuar. Críticos dizem que o processo de recrutamento é envolto em sigilo, com pouca transparência sobre os padrões aplicados a cada etapa.
O processo de entrega de intimações está em total conformidade com a lei. É uma tentativa normal de registrar cidadãos que são obrigados a defender seu país.
Yevheniia Riabeka, ex-assessora jurídica do comandante em chefe das Forças Armadas da Ucrânia
Ela acrescentou que cada centro de recrutamento local recebe metas para o número de pessoas a serem registradas, mas que esses números são "informações completamente secretas".
No mês passado, o presidente Volodymyr Zelensky afirmou que quer colocar um milhão de homens no serviço militar —o número atual gira em torno de 700 mil, segundo levantamento do NYT.
Grupo no Telegram informa localização de recrutados
Moradores de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, criaram um grupo no Telegram para compartilhar informações sobre a localização de recrutadores, facilitando o trabalho de pessoas que querem evitá-los.
"Nosso objetivo é evitar a emissão inadequada de intimações", diz a descrição do canal, que já tem mais de 67 mil inscritos.
No início da guerra, os ucranianos demonstraram solidariedade, com centenas de milhares de voluntários se apresentando para o Exército regular, para as Forças de Defesa Territoriais ou para trabalhar em atividades de defesa civil. O NYT diz que os números não foram suficientes para igualar a força militar russa nem para acompanhar as baixas que, segundo autoridades ucranianos, atingiram o pico de 100 mortos e quase 400 feridos diariamente.
Após cinco meses de guerra, há também sinais de que o senso de unidade está se desgastando, além da desconfiança com o processo de recrutamento que afasta os que querem lutar, mas seleciona os que são desqualificados.
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