Topo

Esse conteúdo é antigo

Brasileiro baleado na cabeça nos EUA cita clarão: 'Achei que estava morto'

Ao centro, João Pedro Elisei Marchezani: 11 meses após tiro, jovem ainda se recupera de tiro na cabeça; nenhum suspeito foi preso - Arquivo Pessoal/Mônica Marchezani
Ao centro, João Pedro Elisei Marchezani: 11 meses após tiro, jovem ainda se recupera de tiro na cabeça; nenhum suspeito foi preso Imagem: Arquivo Pessoal/Mônica Marchezani

Do UOL, em São Paulo

09/08/2022 09h59Atualizada em 09/08/2022 15h46

Passados 11 meses do trauma de ser baleado na cabeça por um suposto membro de uma gangue de Chicago (EUA), o brasileiro João Pedro Elisei Marchezani, 24, ainda se recupera das sequelas do crime. Ele estava em um carro, acompanhado da namorada e de mais três amigos, quando o grupo errou o caminho e passou a ser perseguido por uma moto, que levava dois homens.

O estudante, que estava na reta final da faculdade, conta que viu os suspeitos se aproximando do veículo e um "clarão": ele havia sido atingido por uma bala, que comprometeu os dois lados de seu cérebro, a visão do olho direito e a fala. Apesar da jornada difícil de reabilitação, João destaca sua gratidão pelo apoio da família e conta que se surpreendeu ao perceber que estava vivo.

"Minha última lembrança daquela noite é de quando eu já estava sendo socorrido na ambulância. Hoje é um fato do qual eu dou risada. Os dois socorristas me colocavam na maca, quando um deles perguntou alguma coisa para o outro. Eu, então, mesmo com uma bala alojada no cérebro, me meti na conversa e respondi: 'Ah, eu não estou sentindo a perna, acho que estava jogando basquete e quebrei a perna'. Eles só reagiram dizendo que eu estava alucinando. E antes fosse uma simples lesão, mesmo. A minha vida, a partir dali, nunca mais seria a mesma", declarou o jovem em entrevista ao jornal O Globo.

João ficou pouco mais de um mês em coma e outros dois internado em um quarto comum. Ele conta que durante seu tempo desacordado sonhou que tinha sido baleado na cabeça, mas em outro cenário: o Jardim Marajoara, em São Paulo, onde morava com a família antes da mudança para os Estados Unidos.

"Quando eu finalmente acordei do coma, minha primeira reação foi chorar, porque eu tinha certeza de que havia morrido. E foi a primeira coisa que disse à minha mãe, além, é claro, de que a amava. (...) Quando ela perguntou se eu sabia o que havia acontecido, eu descrevi perfeitamente, mas vi a expressão dela mudar quando eu disse onde tudo havia acontecido. Além disso, na fantasia da minha cabeça, outro elemento diferente era que estávamos de moto", lembra o estudante.

O paulistano conta que não tinha lembranças sobre a vida em terras estrangeiras e teve dificuldade de entender que não estava no Brasil, mesmo ouvindo enfermeiras e médicos falando em inglês.

"E é irônico que isso tenha acontecido apenas um mês após eu ter voltado do Brasil para os Estados Unidos. O principal motivo da minha família ter se mudado de São Paulo para cá, há cinco anos, foi justamente pela busca por mais segurança, porque, apesar de nunca ter acontecido nada com a gente lá, sempre existiram essas questões no Brasil e sempre nos sentimos mais seguros aqui", afirma ele, ao diário.

Apesar de dizer que "não sente revolta" com o crime que sofreu, João relata uma frustração com a condução de seu caso, registrado em 4 de setembro de 2021. Desde então, nenhum suspeito foi preso pela tentativa de homicídio.

"A polícia acabou não fazendo muito caso aqui...falou com meu pai uma vez e não quis mostrar um monte de vídeos que eles tinham em poder. À imprensa aqui dos EUA, eles informaram o endereço errado da ocorrência. No B.O também há um monte de informação errada. Isso é o que mais me frustra. (...) O investigador nunca mais quis saber, e é como se ele tivesse arquivado o caso. Aqui em Chicago é muito complicada essa questão das gangues. Mas eu espero que eles sejam presos, não para que algum mal aconteça a eles, mas para que eles não façam mal a mais ninguém", afirma.

Exaltando sua evolução desde o dia do crime, João conta que hoje consegue andar cerca de 15 minutos sem apoios e enxerga objetos em um campo de visão pequeno, mesmo com o lado direito do cérebro pouco funcional. Os médicos atribuem a melhora a chamada "neuroplasticidade", quando o órgão, mesmo que com um lado quase totalmente inutilizado, consegue se adaptar e encontrar novos caminhos para exercer atividades.

Morando em Cleveland, também nos Estados Unidos, com os pais e o irmão, o jovem planeja concluir a faculdade por ensino à distância e voltar a trabalhar, depois de conseguir reabilitar um pouco mais a visão. Quando o assunto são sonhos, ele conta que deseja voltar ao Brasil e, no futuro, construir uma família, lamentando as mudanças em sua vida pessoal desde que foi baleado.

"O homem que dirigia o carro aquela noite dizia que era meu irmão. Me abandonou depois disso tudo. Ele foi duas vezes ao hospital e depois desapareceu, nunca mais mandou sequer uma mensagem. As outras duas meninas não chegaram a me visitar, durante ou depois do coma. Minha namorada, com quem eu comemorava aquele dia, também não é mais minha namorada. Ela terminou comigo há dois meses", contou João, ao O Globo.

"Mas não me sinto sozinho, de forma alguma. Converso todos os dias com amigos do Brasil e tenho tido apoio irrestrito da minha família, o que tem me ajudado muito a superar cada etapa, cada uma das fisioterapias diárias. Além disso, quando acordei eu levei um susto quando vi a quantidade de mensagens de apoio que recebi nas redes sociais, de gente que eu nem conhecia, por conta dos vídeos que a minha mãe vinha publicando desde que eu estava internado. Mesmo com o trauma, também avalio que não mudei minha personalidade: sigo sendo o mesmo cara tranquilo e muito calmo que sempre fui".