Áudios revelam que russos foram para guerra sem saber: 'Decisão estúpida'
Soldados russos fizeram ligações diretamente do campo de batalha na Ucrânia para familiares e amigos na Rússia. As conversas revelaram reclamações sobre as condições na guerra, relatos de fracassos e até execuções de civis, além de críticas a líderes e superiores, inclusive ao presidente Vladmir Putin. As ligações foram interceptadas por agências policiais ucranianas.
O conteúdo foi obtido com exclusividade pelo jornal norte-americano The New York Times. A autenticidade foi verificada pela reportagem a partir do cruzamento dos números de telefone com aplicativos de mensagens e perfis de redes sociais para identificar os militares e seus familiares. Apenas os primeiros nomes dos soldados foram mantidos.
"Mãe, esta guerra é a decisão mais estúpida que o nosso governo já tomou, eu acho", afirmou Sergey à sua mãe.
"O que mais eles dizem? Quando Putin vai acabar com isso tudo? Merda", pergunta Ilya, ao que seu interlocutor responde: "Ele [Putin] diz que tudo está caminhando conforme o planejado". Ilya discorda: "Ele está gravemente enganado."
As chamadas foram feitas ao longo do mês de março, de trincheiras, abrigos e residências ocupadas na região ao redor de Bucha, na Ucrânia, enquanto se preparavam para o que deveria ser a tomada da capital ucraniana, Kiev. Os militares descreveram um ambiente de desorganização, crise moral e até falta de equipamento e escassez de suprimentos.
Os militares russos também revelaram ordens para matar qualquer um que aparecesse no caminho, incluindo civis. Além disso, confessaram ter saqueado casas e empresas ucranianas.
"Merda. Há cadáveres deitados pela estrada. Civis estão apenas deitados por aí. Isso é muito fodido", diz Nikita a sua parceira, e completa: "Tudo foi saqueado. Todo o álcool foi para os bêbados. E todo o dinheiro foi levado. Todos estão fazendo isso aqui."
Alguns militares revelaram que a ida à guerra foi uma surpresa. Segundo eles, a informação é de que iriam para um treinamento por dois ou três dias, e que foram "enganados como crianças" por terem sido avisados apenas um dia antes de partir.
"Ninguém nos avisou que iríamos para a guerra. Eles nos alertaram um dia antes de partirmos", disse Sergey à sua mãe.
Impossível tomar Kiev
Apenas duas semanas após o início da invasão russa à Ucrânia, os militares parecem entender que a capital Kiev está fora de alcance. Os soldados perceberam que a estratégia militar começava a falhar quando as forças ucranianas fazem emboscadas e impedem a principal rota de acesso à cidade, e se surpreendem com o exército do país.
"A gente não pode tomar Kiev. Nós apenas tomamos vilarejos, e é só isso", diz Aleksandr em uma ligação.
Quatro chamadas mostram a surpresa dos militares com suas condições. Eles relatam terem deixado a posição de ataque para apenas se defenderem.
"Tanques e blindados estavam em chamas. Eles explodiram uma ponte e uma represa. As estradas inundaram. Agora, não podemos nos mover", relatou Sergey ao seu pai.
Falta de material e soldados mortos
Os russos também reclamaram da falta de armamentos e equipamentos básicos, como dispositivos de visão noturna e coletes à prova de balas adequados. Eles disseram usar materiais antigos e que passaram a tomar os artefatos de guerra dos ucranianos mortos porque "o armamento da Otan é melhor que o nosso".
Muitos reclamaram de erros táticos, como serem atacados por outros russos que os confundiram com ucranianos. Os militares também passaram a relatar grandes perdas.
Nikita, um soldado do 656º Regimento da Guarda Nacional, conta em uma chamada que 90 homens foram mortos ao seu redor quando foram emboscados. Em um telefone compartilhado por membros do 331º Regimento Aerotransportado, um soldado chamado Semyon estima que um terço de seu regimento foi morto.
Outro descreve fileiras de caixões contendo os corpos de jovens paraquedistas esperando para serem devolvidos para casa de um hangar do aeroporto. Segundo ele, de um grupo de 400 paraquedistas, apenas 38 sobreviveram "porque nossos comandantes mandaram os soldados para o abate".
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