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'Acho que tudo vai melhorar. O perigo já passou': o clima no Peru em crise

8.dez.2022 - Pessoas leem capas de jornais em Lima, um dia após o presidente do Peru, Pedro Castillo, ser destituído - Cris Bouroncle/AFP
8.dez.2022 - Pessoas leem capas de jornais em Lima, um dia após o presidente do Peru, Pedro Castillo, ser destituído Imagem: Cris Bouroncle/AFP

Maria Angélica Oliveira

Colaboração para o UOL, em Lima

08/12/2022 12h12Atualizada em 08/12/2022 13h13

Em um intervalo de duas horas, o Peru viveu ontem um momento histórico: um golpe frustrado de Estado, com boatos de que as Forças Armadas assumiriam o poder, resultou na queda do presidente Pedro Castillo. E pela primeira vez uma mulher, a vice Dina Boularte, comandará o país.

Queda de um governo frágil e afundado em escândalos. Peruanos e estrangeiros radicados no país relataram à reportagem do UOL Notícias, em Lima, uma sensação de alívio e alegria com a saída de Castillo. O que esperam? Um pouco de estabilidade no país —Boluarte será a sétima política a assumir a presidência desde 2016.

Com o celular na mão para acompanhar as notícias, o empresário peruano Humberto Maldonado analisava o cenário político enquanto jantava com a mulher em uma rede de cafés de Lima.

Ele apontou que o dólar subiu a 4,10 soles quando Castillo anunciou a dissolução do Congresso e caiu a 3,80 quando Boluarte discursou ao assumir o cargo.

"Acho que tudo vai melhorar. O perigo já passou", conclui.

Humberto Maldonado, empresário - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL
Humberto Maldonado, empresário em Lima
Imagem: Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL

Filas nos supermercados e memes de papel higiênico. Logo após o anúncio de Castillo sobre a dissolução do Congresso, que incluía um toque de recolher, houve filas nos supermercados de Lima. Memes de pessoas com carrinhos abarrotados de papel higiênico foram alguns dos primeiros a circular nos grupos de WhatsApp.

"Passei o dia entre a risada e a preocupação", ironiza a estudante peruana Fátima Mesa, 17, que foi liberada horas mais cedo do instituto técnico onde estuda.

A supervisora de um supermercado local, Elizabeth Perez, 28, também peruana, esperava a hora de descansar depois de um longo dia de trabalho que teve o triplo de consumidores, segundo ela.

Procuraram mais enlatados e produtos não perecíveis. Tivemos que repor muito mais mercadorias.
Elizabeth Perez, supervisora de supermercado em Lima

Elizabeth Perez, supervisora de supermercado em Lima,  - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL
Elizabeth Perez, supervisora de supermercado em Lima, teve de reabastecer as prateleiras devido à alta procura
Imagem: Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL

Academias de ginástica fecharam as portas. Alguns estabelecimentos encerraram as atividades no período da tarde, como a rede Smart Fit, que tem 38 unidades na capital. Já shoppings, supermercados e o aeroporto Jorge Chávez emitiram comunicados afirmando que seguiriam abertos.

Moradora de Lima há oito anos, a brasileira Dora Valentim de Menezes compreende a corrida aos mercados.

Eles [peruanos] já passaram por tanta coisa que carregam muito medo, é um trauma bem forte.
Dora Valentim de Menezes, brasileira que mora em Lima há oito anos

A executiva de vendas se refere aos anos 1980 e 90, em que o país viveu sob atentados terroristas do grupo guerrilheiro de esquerda Sendero Luminoso e sob a ditadura de Alberto Fujimori, que deu um golpe de Estado em 1992, assumindo o controle dos Poderes.

Em uma escola no bairro de San Isidro, pais foram avisados que poderiam buscar os filhos antecipadamente. Uma das meninas saiu assustada e chorando. "Uma coleguinha havia contado sobre o golpe e dito que os militares iriam entrar nas casas das pessoas", contou a mãe brasileira.

Hoje é feriado, e as pessoas planejam viajar. A prisão de Castillo e o anúncio de que o país tinha uma nova presidente foram suficientes para que peruanos mantivessem os planos de viajar no feriado prolongado que começa hoje, Dia da Imaculada Conceição. Amanhã é o Dia da Batalha de Ayacucho, data histórica para a independência do Peru.

A peruana Alejandra de Cárdenas, que trabalha como assistente em um consultório médico, fazia compras em um supermercado no bairro de Surco ontem à noite e se preparava para viajar para a praia com os filhos.

Estou contente porque esse burro [Castillo] já não está no governo. Felizmente existem leis.
Alejandra de Cárdenas, assistente em um consultório médico

Alejandra de Cárdenas, assistente em um consultório médico - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL
Alejandra de Cárdenas, assistente em um consultório médico, celebrou a queda de Castillo
Imagem: Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL

Para ela, o dia de trabalho foi normal. A única precaução que tomou foi pedir para que os filhos não saíssem de casa.

Véspera de feriado com pouca gente em shopping e restaurantes. No shopping Jockey Plaza, o maior da capital, o movimento era menor do que o esperado para uma véspera de feriado, na quarta-feira (7), segundo funcionários ouvidos pela reportagem. Restaurantes estavam esvaziados e não havia filas nas bilheterias do cinema.

Era lá que a advogada Márcia Mendoza, 27, tentava relaxar no começo da noite. Antifujimorista, ela conta que votou em Castillo porque via nele um "mal menor".

"No fim, tivemos os mesmos resultados de Fujimori: lobby e corrupção, mas com um presidente diferente", disse, preocupada com os impactos na economia em relação ao investimento estrangeiro, que requer níveis altos de confiança e previsibilidade.

"Mas tenho esperança porque já vivemos momentos mais difíceis, como o do terrorismo. Só não sei quem nos vai tirar dessa situação."

Apesar de um clima de certa normalidade, era impossível falar de outro assunto. O que se ouvia nos corredores de supermercados, shoppings, nas calçadas e nas mesas de restaurantes era política.

Entre imigrantes, sensação de incerteza. "A história está se repetindo. A moeda se desvaloriza, a violência aumenta, os narcotraficantes ganham mais poder. As pessoas não levam a sério o que está acontecendo e não enxergam o que está por trás. É como ter um flashback", alertou o segurança Johan Calderón, 34.

Venezuelano naturalizado peruano e morando há dez anos em Lima, ele vem se preparando para migrar novamente. Desta vez, para o Canadá, "por mais que doa" deixar o país. "É uma vida no Peru!"

Para o venezuelano Franklin Pargas, 52, motorista de táxi, o fracasso no golpe de Estado mostrou que ainda existe autonomia entre os Poderes.

No entanto, ele diz que o Peru segue o mesmo "roteiro" de seu país. "Já estava fazendo minhas malas", comentou, em tom de brincadeira.

Para ele, apesar de a presidente ser do mesmo partido e grupo de Castillo, a expectativa é que a situação melhore. "Dina é mais instruída, não vai sair falando que está aprendendo a ser presidente [como reconheceu Castillo em uma entrevista meses atrás]."

Ele conta que prosperou no país desde que chegou, há cinco anos.

É uma economia de porto, dinâmica. Quem não faz dinheiro aqui é porque não quer. Cheguei aqui sem nada, comecei em um quarto e agora tenho um carro e moro em um apartamento com minha família. Consigo pagar minhas contas, sair para passear e mandar dinheiro para a Venezuela.
Franklin Pargas, venezuelano e motorista de táxi no Peru

Franklin Pargas, venezuelano e motorista de táxi no Peru há cinco anos - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL - Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL
Franklin Pargas, venezuelano e motorista de táxi no Peru há cinco anos
Imagem: Maria Angélica Oliveira / Colaboração para o UOL