'Maduro é imprevisível': brasileiros na Guiana vivem sob tensão e ceticismo
Brasileiros que moram ou trabalham na Guiana relatam tensão em meio à escalada de uma disputa territorial internacional. A Venezuela reivindica a região guianense de Essequibo —e o Exército brasileiro já enviou blindados à região.
A empresária brasileira Helionei Ferreira, de 48 anos, diz que o clima em Lethem, na Guiana, é uma mistura de ceticismo e medo, sobretudo pela incerteza em relação aos próximos passos do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Ela mora há 22 anos na cidade.
Lethem fica em posição geográfica estratégica. Ela faz fronteira com Bonfim, em Roraima, é a principal cidade de Essequibo e a única a ter fronteira territorial sem floresta densa. Uma invasão venezuelana via terrestre obrigatoriamente seria por Lethem e poderia passar pelo território de Roraima. Ao todo, 800 brasileiros estão cadastrados no consulado de Lethem, segundo o Itamaraty.
Dificuldade de invasão terrestre pelo Brasil é um alento. Mesmo assim, isso não afasta o temor entre os moradores de Lethem, principalmente entre os nasceram lá. Com os brasileiros, eles fizeram um ato pela paz no domingo.
A gente até que está tranquilo, mas o problema é a atitude do Maduro de qualquer hora querer invadir. Para invadir aqui, terá de passar por Roraima e não tem como, acho que é impossível, o que conforta um pouco.
Helionei Ferreira
Guianenses admitem a fragilidade bélica, mas se mostram dispostos a ajudar o país na defesa do território, diz a empresária brasileira.
Eles falam que é injusto o que estão fazendo porque a Guiana já está muito explorada. Ela nunca foi preparada para uma guerra. Mas, conversando com funcionários guianenses, eles falaram: 'olha, a gente quer paz, mas se precisar a gente vai lutar'.
Helionei Ferreira, brasileira em Lethem
Obrigatoriedade de servir ao Exército da Guiana é uma dúvida. O tempo na Guiana fez Helionei, o filho e o marido conseguirem a nacionalidade do país vizinho há 9 anos. Ela agora busca saber se, em meio à possibilidade de conflito, eles serão obrigados a servir ao Exército guianense, que tem apenas 3 mil militares ativos ante os 125 mil da Venezuela, segundo About The World Factbook, da CIA.
Conflito ameaça 'Shopee' dos brasileiros
Brasileiros também temem fechamento de ponte que liga Lethem a Bonfim, em Roraima. O personal shop Herlan Pedrosa, de 36 anos, mora em Boa Vista, mas toda quarta-feira vai a Lethem para comprar produtos e revender em Roraima. Com uma eventual escalada da tensão na fronteira, ele tem medo de que a passagem sobre o rio Tacutu seja interditada.
Travessia é rota de brasileiros para comprar produtos importados da China a preços mais em conta do que no Brasil. O real valendo 42 dólares guianense é um chamariz para caravanas de revendedores que saem de Manaus e Boa Vista em busca das variedades em Lethem. A cidade é conhecida como a "Shopee dos brasileiros".
É uma travessia muito rápida, não é igual à do Paraguai, que tem aquela fila enorme. Aqui, você chegou e já atravessa, não tem engarrafamento e não precisa de passaporte. A gente tira nosso sustento de Lethem com essas mercadorias. Muitas lojas de Boa Vista também compram produtos de lá. É mais viável ir a Lethem do que a Manaus ou pedir de São Paulo. Se a fronteira fechar, vai complicar para a gente, pois não sabemos quando abrirá de novo.
Herlan Pedrosa, personal shop
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Quero receberApreensão econômica semelhante vive Helionei, que diz ter boa parte da clientela de sua loja de importados oriunda do Brasil. "Se a fronteira fechar, vai prejudicar bastante. A maioria dos meus clientes é de brasileiros. Os preços baixos são justamente o que atrai."
Fake news também circulam na fronteira, em meio à guerra de narrativas. O brasileiro Wildesson Brito, que mora há 15 anos em Lethem e tem uma loja de informática, diz que muitos já acreditam que a fronteira da Guiana com o Brasil está fechada.
Como aqui é uma zona comercial, clientes ficam mandando mensagem perguntando sobre a fronteira porque eles veem fake news dizendo que está fechada por causa de guerra. É meio que uma paranoia. Acalmou um pouco, mas o Maduro é imprevisível. Wildesson Brito
'Estou tensa': o clima na capital
Na capital, Georgetown, o sentimento também é de incerteza. Filha de mãe guianense e pai brasileiro, a tradutora Helen Karoline Hunter, de 25 anos, chegou à capital do país vizinho há oito meses. Lá, moram 11 mil brasileiros, segundo o Itamaraty. Ela relata apreensão pelo risco de conflito, mas diz que guianenses ainda veem com ceticismo a possibilidade de invasão venezuelana.
Não dá para saber exatamente o que vai acontecer. A Guiana tem os seus aliados e falam que a Venezuela não tem essa capacidade de tomar Essequibo para eles, mas eu, particularmente, estou tensa. Não dá pra acreditar 100% no que o presidente [da Guiana] está garantindo.
Helen Hunter, brasileira na Guiana
Helen afirma que o guianense defende a região em disputa. "Eles realmente dizem que esse Essequibo pertence à Guiana e que isso é um fato. Tenho visto entrevistas de moradores da região dizendo que, se Venezuela ficar com esse Essequibo, preferem sair de lá", conta a brasileira que decidiu mudar para a Guiana para aproveitar o boom econômico do petróleo. "Vim por oportunidades."
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