'Ainda estou vivendo o 7/10', diz sobrinha de brasileiro refém do Hamas
A sobrinha do brasileiro e israelense Michel Nisenbaum, 59, sequestrado pelo Hamas, diz que não consegue retomar a vida desde os ataques do grupo terrorista cinco meses atrás, em 7 de outubro de 2023. Ayala Harel, 43, e sua mãe, Mary Shohat, 66, conversaram com o UOL em Tel Aviv, Israel.
O que aconteceu
Mary e Ayala cobram ajuda dos governos do Brasil e de Israel para encontrar Michel. Elas afirmam que não têm notícias dele desde outubro, quando membros do Hamas atacaram Israel e levaram reféns. "Estivemos no Brasil, no Uruguai e na Argentina. Eles nos receberam bem, disseram que iam tentar fazer alguma coisa, mas não vimos nada sendo feito", diz Ayala.
Sem novas informações do governo de Israel. Mary diz que as autoridades do país procuram-na apenas para perguntar como ela está.
É uma montanha-russa de negociações. Estamos nas mãos dos terroristas do Hamas. A cada barulho que escuto à noite, é como se os soldados estivessem vindo me avisar que meu irmão está morto.
Mary Shohat, irmã de Michel
"Todos nós ainda estamos no dia 7", afirma a irmã de Michel. "A gente não sabe absolutamente nada desde então. Só soubemos que há mais pessoas mortas", diz. Mary tenta retomar a rotina e não consegue. "Sento para trabalhar e, muitas vezes, me pego pensando nisso. Aí, repito para mim mesma: 'tem que se concentrar'."
Celeridade nas negociações entre países. Mary afirma que, se tivesse uma nova oportunidade de se encontrar com o presidente Lula, voltaria a fazer um apelo pela liberação do irmão. "Peço que, se tiverem algum contato com o Qatar e o Egito [países que intermediaram as negociações entre Israel e Hamas], que nos ajudem, porque as pessoas estão morrendo, elas não têm mais tempo."
Sequestrados voltam traumatizados, segundo Mary. A enfermeira relatou que teve pouco contato com pessoas recém-liberadas após os sequestros. "Elas estão totalmente traumatizadas, doentes." Ainda há cerca de 130 reféns em poder do Hamas;
Reféns libertados não deram informações sobre Michel. "Se as pessoas que voltaram tivessem visto ele, iriam nos avisar. Não posso ir lá e perguntar, quem tem que ir é quem tem capacidade de falar com essas pessoas traumatizadas. Não sabemos nada do Michel até agora."
Aos 87 anos, mãe de Michel gostaria de procurar o filho de forma independente. "Ela disse que iria sozinha para a Faixa de Gaza procurá-lo", diz Mari. Ela tem planos para receber o irmão se ele for libertado.
Tenho um pacote de doces e coisas da nossa infância na gaveta, esperando para quando ele voltar
Mary Shohat, irmã de Michel
Carro em cinzas, laptop e ligações perdidas
De Niterói (RJ), Michel mora há mais de 40 anos em Israel, onde serviu na Força Aérea. Tem duas filhas e seis netos. O mais novo nasceu há apenas dois meses, e Michel não chegou a conhecê-lo, conta Mary.
Sequestro entre Sderot e Re'im, no sul do país e próximo à Faixa de Gaza. No momento dos ataques do Hamas, o técnico em computação dirigia de Sderot, onde morava, à base militar de Rei'm, uma distância de 23 quilômetros.
Mary lembra que as pessoas não sabiam a dimensão do que estava acontecendo. Michel estava a caminho de Re'im para buscar sua neta de 4 anos, a pedido do genro, que trabalha na base militar de Re'im. A criança havia passado o fim de semana com o pai, na base. O genro também avisou Michel por telefone que havia algum tipo de "problema", sem dar mais detalhes.
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Quero receberNo caminho para a base militar de Re'im, Michel deixou de atender ligações, segundo sua irmã. "Depois de oito minutos, a filha dele ligou, e ele já não atendeu mais. Passados mais 15 a 20 minutos, atenderam o telefone e falaram em árabe 'Hamas, Hamas'", diz Mary.
Carro queimado identificado pelo número do chassi. A família de Michel conta que o veículo de Michel foi incendiado, e seus documentos foram encontrados atirados no chão.
Celular achado duas semanas depois. "Sabemos que ele telefonou para a polícia às 7h02 do dia 7, mas não atenderam a ligação. Sabíamos também que ele tinha uma arma. Ele a tirou do carro e chegou a engatilhar porque sabia que se tratava de uma situação de risco", afirma Mary, citando informações repassadas pelas forças de segurança israelenses.
Laptop perto da Faixa de Gaza. O computador que Michel usava para trabalhar estava perto de onde o carro foi encontrado, mas ainda não foi devolvido à família.
'Não consigo retomar minha vida'
Com os olhos marejados e uma camiseta preta com a imagem do tio, Ayala diz que têm dificuldades para retomar a rotina. No dia dos ataques, morava na região de assentamento Ein HaBesor, também perto de Gaza.
No 7 de outubro, Ayala e os filhos permaneceram fechados em casa, após a família receber mensagens de amigos alertando que algo estava errado. "Meu marido percebeu que algo grande estava acontecendo e saiu para ajudar", diz ela, que ficou com os filhos de 8, 12 e 14 anos.
Casa tinha sala de segurança. Sem acesso a informações, a família se refugiou em uma sala de segurança, dentro do escritório. "Fiquei concentrada, porque estava sozinha com as crianças", diz Ayala.
Família se mudou dois dias depois, com medo de novos ataques do Hamas. Ficou dois meses na cidade de Eilat, no sul de Israel. Depois, passou a morar em uma espécie de abrigo em Tel Aviv - os prédios novos da cidade tem um quarto considerado seguro em casos de ataques aéreos.
Cartazes e faixas espalhados pela cidade
As manifestações pela libertação dos reféns ocorrem próximo ao prédio do Ministério da Defesa, em Tel Aviv. Perto dali, na rua Kazan, milhares de pessoas se reuniram no sábado (2) para protestar contra o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e pedir o fim da guerra e novas eleições.
Nos principais pontos da cidade, é possível encontrar faixas, telões e cartazes com homenagem aos sequestrados. O jovem Daniel, de 22 anos, disse que vai à Praça dos Sequestrados, em frente ao museu de Tel Aviv, quase todos os sábados. "Não consigo encontrar palavras para descrever a energia de tudo aqui. Tenho alguns amigos que foram mortos."
Na praça, há um telão para exibir o número de pessoas feitas reféns pelo Hamas. Uma estrutura reproduz o que seriam os túneis do Hamas, e uma mesa vazia lembra o ataque ocorrido no dia do Shabbat —dia de descanso para o judaísmo. De um lado, mesas postas lembram o dia de celebração, de outro, assentos representam israelenses sequestrados, com refeições abandonadas.
* A reportagem do UOL viajou a Israel a convite da StandWithUs Brasil, ONG do setor de educação
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