'Achei que era brincadeira': conheça a brasileira homenageada pela realeza
A mineira Daniela Barone Soares, 53, vive há 20 anos no Reino Unido e, na semana passada, foi homenageada com o título OBE (Ordem do Império Britânico), um de cinco títulos dados pela realeza.
A condecoração visa reconhecer aqueles que tiveram destaque na atuação das artes, ciências ou em organizações, como é o caso de Daniela, que atua como CEO da empresa de investimentos de impacto Snowball.
Ao UOL, ela conta que foi pega de surpresa com a notícia. Há cerca de um mês, uma carta oficial chegou em sua casa, pedindo confidencialidade sobre o mérito.
Nem tive a oportunidade de abrir esse envelope. A carta chegou em casa escrita 'confidencial', com todas as indicações da Coroa britânica. Quando meu marido pegou, ele abriu na hora. Ele disse: 'Abro tanta coisa ruim, como contas e boletos, queria abrir algo diferente'. E foi ele que me deu a notícia de que tinha ganhado uma honra britânica. Na hora achei que era até brincadeira. Daniela Barone Soares ao UOL
Quem é Daniela Barone Soares?
A mineira nutre interesse em questões sociais desde a adolescência. "Crescendo aqui no Brasil, participava de muitos voluntariados no colégio e, por isso, sempre fui afetada por questões sociais. Não via, naquele momento, uma carreira nisso, mas fazia uma variedade de ações em asilos e comunidades. Era mais uma coisa de estar lá como companhia."
Ela, que é formada em economia pela Unicamp, diz que a escolha da carreira também tem uma "vontade de mudar as coisas" por trás. "A universidade foi ótima em vários aspectos, inclusive para analisar e ver o sistema de uma forma mais ampla. Quando você se depara com as situações de trabalho, com o mercado, fica essa impressão de: como a gente pode fazer melhor?"
Daniela ainda recebeu duas bolsas de estudos para fazer um MBA em Harvard. Segundo ela, ter estudado lá "ampliou os horizontes", porque encontrou pessoas de todos os lugares do mundo e que tinham outras experiências. "Acho que isso me deu uma abertura para pensar em coisas para além do que eu já tinha visto. O que mais pode ter, que podemos criar?", diz.
Após concluir os estudos, ela continuou nos Estados Unidos, trabalhando com patrimônio privado, mas continuou fazendo voluntariado. "Eu sugeria para o meu chefe algumas ações sociais, como investimentos em educação. Comecei a pensar em modelos de negócios que fossem lucrativos, mas também causassem impacto", conta. Na época, o banco onde trabalhava foi comprado e o projeto não seguiu, mas isso não fez com que ela desistisse. "Isso me impulsionou a pensar que minhas capacidades poderiam ser úteis na área social."
A mudança para o terceiro setor aconteceu logo depois, quando ela começou a trabalhar na ONG Save The Children, no Reino Unido. "Tinha essa pegada internacional, então trabalhávamos com vários países da África, Ásia, tanto na área de profissão, saúde e nutrição. Foi radical essa mudança em vários aspectos. Uma, foi do salário... pagava mais imposto do que recebia salário. E ao mesmo tempo entendi a complexidade dessas dinâmicas, olhando para todos os elementos."
Daniela ainda passou pela Impetus, a primeira organização no Reino Unido de "filantropia de resultados" e teve participação no primeiro banco de investimentos sociais do mundo. "Era como um laboratório de experiência, com muitos diálogos com o governo. Dentro desses experimentos fui chamada para ser conselheira de iniciativas maiores a níveis sociais do Reino Unido, como naquilo que acabou se transformando no Big Society Capital, o primeiro banco de investimentos sociais do mundo. Era uma comissão para fomentar uma nova economia de impacto, para que todos os investimentos levassem em consideração o impacto que têm em sociedade e no meio ambiente. Depois, também fui chamada para integrar o conselho do que era o G8 [atualmente, G7, com a saída da Rússia]".
Atualmente, ela é CEO da Snowball, que investe em iniciativas de impacto social e ambiental. "A ideia que me cativou foi que existia essa mentalidade de: 'Como podemos ser um agente de mudança do sistema financeiro como um todo? Como podemos criar um sistema mais justo e menos exploratório?'. A nossa ideia é criar novos modelos de comportamento do mercado para que leve a um sistema mais justo. Isso foi o que me levou a ir para lá. E essa ideia de que o sistema financeiro precisa ser repensado para que o impacto seja considerado em todo o investimento."
A empresa tem projetos em diferentes partes do país — mas ainda não atuou com o Brasil. "Somos um fundo global que investe em projetos de economia circular, energia renovável, floresta sustentável, fundo para mulheres em situação de vulnerabilidade. Temos projetos no mundo inteiro, inclusive na América Latina, mas ainda não temos no Brasil. Tenho muita vontade, mas ainda somos um time pequeno. O Brasil tem muita oportunidade para a energia renovável, agricultura regenerativa."
Mesmo morando na Inglaterra, tento ficar ao máximo no Brasil. Venho pelo menos dois meses por ano. Sinto muita falta da cultura, das pessoas. Minha família e amigos estão aqui, tenho amigos e meu marido no Reino Unido, onde tenho raízes, mas minhas raízes profundas estão aqui. Vindo de fora também tenho um olhar que as pessoas dizem que eu romantizo. Mas nessa área de impacto, eu acredito que o Brasil tem muitos recursos.
Como mulher e CEO da empresa, Daniela acredita que o mundo dos negócios ainda precisa de evolução na equidade de gênero. "Hoje essa preocupação está mais na agenda porque antes não existia e ninguém falava sobre isso. O número de mulheres em cargo de liderança ainda é muito pouco. Acho que temos que avançar muito mais, ainda mais na área de investimento porque quem está tomando essas decisões faz a diferença."
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Daniela deve receber o título em uma cerimônia com o Rei Charles 3ª ou o Príncipe William, cuja data ainda não foi definida. "Tenho esses 20 anos de trabalho e receber isso é uma honra. No Reino Unido isso conta bastante, porque é uma sociedade muito aristocrata."
Sendo estrangeira, receber isso é raro e único. Também sou cidadã britânica, mas não esperava.
Premiação faz parte da comemoração do aniversário do rei. Charles nasceu em novembro, mas o feriado é comemorado em junho para coincidir com o verão no hemisfério norte.
OBE é um de cinco títulos dados pela realeza. Título já foi dado a Victoria Beckham e Judi Dench. Em ordem decrescente de precedência (prioridade de chegada, anunciação e cumprimentos em eventos oficiais), são esses: Cavaleiro-Grã-Cruz ou Dama-Grã-Cruz (GBE); Cavaleiro-Comendador (KBE) ou Dama-Comendadora (DBE); Comendador ou Comendadora (CBE); Oficial (OBE); Membro (MBE).
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