A bizarra história da 'peste' que fez franceses dançarem até a morte

Em 1518, habitantes da cidade de Estrasburgo, na França, sofreram com uma inusitada "peste dançante". Em um episódio que até hoje causa curiosidade, centenas de pessoas morreram após dançarem por dias e sem música.

O presságio, a peste e a dança

Registros da época indicam que tudo começou com um presságio. Depois da aparição de uma estrela-cadente e de enchentes nos campos, os habitantes de Estrasburgo haviam enfrentado períodos de frio, calor e fome severos. A partir dessa sequência de eventos extremos, episódios estranhos começaram a acontecer na cidade.

A primeira vítima da peste dançante teria sido Frau Troffea. De acordo com a rede BBC, em julho de 1518 Frau teria ido até uma praça da cidade e começado a dançar, sem nenhuma música tocando. A dança de Frau atraiu a curiosidade de quem passava pela praça, e a plateia viu a mulher dançar por cerca de uma semana. A exaustão, as dores e a fome não foram capazes de fazer Frau parar de se movimentar.

Outras pessoas começaram a se juntar à Frau em sua dança. A performance da mulher atraiu centenas de dançarinos, que não conseguiam explicar o que estava acontecendo com seus corpos e não conseguiam parar de dançar. O esforço ininterrupto começou a causar danos físicos: segundo a BBC, pés ensanguentados e membros se contorcendo eram vistos na multidão que dançava. A "peste dançante" causou centenas de vítimas, que acabaram morrendo de tanto dançar.

Para tentar interromper o ciclo, autoridades políticas e religiosas acreditavam que a solução seria provocar ainda mais dança. Em um esforço para amenizar os riscos e conseguir fazer com que os dançarinos parassem, salas oficiais foram destinadas àqueles que estavam dançando, músicos passaram a acompanhar a multidão e dançarinos profissionais ajudavam as pessoas aflitas que não conseguiam parar. As medidas, no entanto, somente aumentaram o "contágio" e a "possessão" pela dança.

Muitas centenas em Estrasburgo começaram
A dançar e pular, mulheres e homens,
No mercado público, nos becos e nas ruas,
Dia e noite; a maioria não comeu nada
Até que a doença finalmente os deixou

Poema da época narrando a "peste dançante"

Ao longo da história, o fenômeno já foi atribuído como uma praga enviada à Terra. Diversos relatos indicam que a "peste dançante" seria castigo divino ou possessão demoníaca, enquanto a cura seria alcançada via procissões, missas ou intervenções diretas de líderes religiosos. Um dos escritores da época, segundo a BBC, relatou que a multidão era levada dançando até um santuário dedicado à São Vito, onde receberiam pequenas cruzes e sapatos vermelhos.

Diversas obras retratam a aflição causada pela "peste dançante", em diferentes regiões da Europa
Diversas obras retratam a aflição causada pela "peste dançante", em diferentes regiões da Europa Imagem: Wikimedia Commons
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O episódio deu nome ao que hoje é chamado de coreomania. A "peste dançante" provocou diversos estudos nos séculos seguintes e até mesmo a definição do termo coreomania. O médico suíço Paracelso foi um dos principais nomes a estudar o tema, acreditando que fatores biológicos teriam sido a razão do acontecimento, ao contrário do viés religioso que até então era o mais difundido. Especialistas já descreveram a mania de dançar como um distúrbio mental coletivo, com traços histéricos e de loucura.

"Peste dançante" poderia ser reação em cadeia involuntária. John Waller, autor do livro "A time to dance, a time to die: the extraordinary story of the dancing plague of 1518" ("Um momento para dançar, um momento para morrer: a extraordinária história da praga dançante de 1518", em português), caracteriza a coreomania como uma "epidemia psíquica", na qual os movimentos de dança seriam involuntários e respostas automáticas do organismo, como dar risada ou desmaiar.

De acordo com registros da época, outros países relataram casos semelhantes ao de Estrasburgo. O episódio francês é até hoje o mais conhecido na História, porém outras regiões da França e países como Alemanha e demais territórios do então Sacro Império Romano-Germânico também foram abalados pela "peste dançante".

Detalhe de obra que ilustra o episódio da "peste dançante"
Detalhe de obra que ilustra o episódio da "peste dançante" Imagem: Wikimedia Commons

Desde o acontecimento, muitas teorias tentam explicar o que aconteceu em 1518. Os detalhes obscuros e inusitados do evento fascinam e despertam o interesse de muitos grupos até os dias de hoje, inclusive de artistas como a banda britânica Florence & The Machine, que em 2022 lançou uma música chamada "Choreomania" (coreomania, em português).

Não sei como começou
Não sei como parar
De repente, estou dançando
Ao som de uma música imaginária
Algo está vindo, tão sem fôlego
Eu apenas continuei girando e dancei até a morte

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Trecho da música "Choreomania", de Florence & The Machine

Diversas expressões artísticas narram o episódio. Além da música, a "peste dançante" também aparece em outros formatos de arte, como o conto "The red shoes" ("Os sapatos vermelhos"), de Hans Christian Andersen, no qual sapatos de couro fazem com que sua dona dance sem parar, até que ela suplique para que seus pés sejam arrancados. Já no livro The Dance Tree, de Kiran Millwood Hargave, a condição afetava somente mulheres, que dançavam sendo puxadas por cordas amarradas em seus corpos. O episódio também ganha vida em espetáculos de balé e filmes, como o curta Strasbourg 1518 (BBC Films/ Artangel). Lançado em 2020, a produção mostra dançarinos solo em suas performances, dançando até caírem.

Flash mob em Copacabana, no Rio de Janeiro
Flash mob em Copacabana, no Rio de Janeiro Imagem: Ana Branco/O Globo

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