Por que Tulsa está exumando corpos 100 anos após massacre
Considerado um dos piores casos de violência racial nos Estados Unidos, o massacre de Tulsa, em 1921, destruiu um dos distritos negros mais prósperos do país. Mais de 100 anos depois, autoridades norte-americanas seguem investigando o caso, com a exumação dos corpos de parte das vítimas.
Nova fase de projeto exumou vítimas
Investigação de ataque racial teve nova fase. G.T. Bynum, prefeito de Tulsa, no estado norte-americano de Oklahoma, é o responsável pelo projeto Investigação de Túmulos de 1921. O projeto, iniciado em 2018, tem como objetivo reexaminar os possíveis túmulos das vítimas do massacre ocorrido na cidade. Desde que foi iniciada, a investigação já exumou mais de 40 restos mortais. Na última sexta-feira (16), corpos de 11 vítimas foram recolhidos para dar sequência às análises.
Ferimentos diversos foram encontrados. Três das 11 vítimas exumadas na fase mais recente do projeto apresentaram ferimentos de bala. Duas dessas três vítimas foram encontradas com ferimentos de duas armas de fogo diferentes e uma delas tinha "evidências de possíveis queimaduras", segundo as autoridades responsáveis. Os ferimentos podem ajudar os especialistas a entender como o ataque foi deflagrado e como as vítimas foram mortas.
Investigação busca respostas e retratação. A iniciativa de G.T. Bynum visa a fornecer mais informações sobre o massacre e sobre como as vítimas morreram, além de buscar evidências de eventuais corpos e possibilitar, assim, que as famílias possam sepultar seus entes com dignidade. Em 1997, uma comissão estadual formada para investigar o caso havia recomendado o pagamento de reparações aos sobreviventes. A comissão encontrou evidências de valas comuns e recomendou escavações para confirmar sua existência, mas as autoridades na época decidiram não ir adiante com nenhuma das recomendações. Com o projeto de Bynum, cientistas passaram a usar radares de penetração no solo para tentar encontrar valas comuns em que os corpos teriam sido supostamente deixados.
As pessoas que estamos procurando não são apenas nomes na história, são a família de alguém que merece um enterro adequado
G.T. Bynum, prefeito de Tulsa, sobre a exumação dos corpos
Projeto tem tido sucesso na identificação de vítimas. A arqueóloga estadual Dra. Kary Stackelbeck declarou à agência de notícias Reuters que os dados encontrados no projeto confirmam que os especialistas envolvidos estão encontrando indivíduos que se encaixam no perfil de vítimas do massacre. Em julho, um veterano da Primeira Guerra Mundial se tornou a primeira vítima de massacre identificada como parte do projeto.
A história por trás do massacre
"Wall Street Negra". Desde 1905, Tulsa vinha atraindo comerciantes e empreendedores negros, que se concentraram em uma região específica da cidade. Além de contar com cinema, hotéis, restaurantes, joalherias e cerca de 200 estabelecimentos comerciais de pequeno porte, como farmácias, armarinhos, lavanderias, barbearias e salões de beleza, os 40 quarteirões da chamada "Wall Street Negra" abrigavam também as elegantes casas de médicos, dentistas, advogados e outros profissionais negros de renome.
Segregação racial marcou a época. No período do massacre, leis rígidas reforçavam a segregação racial e impediam que negros frequentassem os mesmos locais que os brancos. Assim como em várias outras cidades dos EUA, os trilhos da ferrovia marcavam a separação entre a parte negra e a parte branca da cidade. No caso de Tulsa, o distrito de Greenwood ficava ao norte dos trilhos e era formado por aproximadamente dez mil moradores negros.
Ku Klux Klan ganhou força. Segundo especialistas, casos de violência racial nos Estados Unidos na década de 1920 eram motivados principalmente por ódio, inveja e ressentimento por parte da população branca, que não aceitava o sucesso dos negros e acreditava que estes estavam roubando seus empregos. Na época, o grupo supremacista Ku Klux Klan tinha muita força nos EUA e parte de seus membros era composta por líderes municipais, policiais, bombeiros, entre outros cargos.
O massacre em Tulsa
Encontro no elevador deu início ao episódio. Em 31 de maio de 1921, o engraxate negro Dick Rowland, de 19 anos, pegou o elevador no Drexel Building, prédio onde ficava o único banheiro que os negros tinham permissão para usar no centro da cidade. Quando Rowland entrou no elevador, a ascensorista, uma jovem branca chamada Sarah Page, deu um grito. Não se sabe ao certo o que motivou o grito de Sarah mas, segundo especialistas, a explicação mais aceita é de que Rowland teria pisado no pé da jovem. No dia seguinte, porém, o jornal Tulsa Tribune publicou que o engraxate havia tentado estuprar Sarah e convocou a população para o linchamento de Rowland.
Tumulto em frente à cadeia. Uma multidão de brancos se dirigiu à cadeia para onde Rowland havia sido levado. Dezenas de homens negros de Greenwood, muitos deles veteranos da Primeira Guerra Mundial que estavam armados, também se dirigiram até a cadeia, para ajudar a proteger Rowland. Segundo historiadores, um homem branco tentou desarmar um veterano negro no local, e um tiro foi disparado, dando início ao tumulto.
Centenas de mortes e horas de terror. Frustrados por não conseguirem linchar Rowland, brancos armados passaram a atacar de forma aleatória, atirando contra negros e suas casas. As forças policiais não teriam agido para proteger a população negra, se concentrando em bairros predominantemente brancos que não estavam sob ataque. A violência se estendeu por 18 horas, e registros da época indicam que até 300 pessoas foram mortas. Mais de mil casas e estabelecimentos comerciais foram saqueados e incendiados e cerca de 10 mil pessoas ficaram desabrigadas. Pelo menos uma metralhadora e até aviões foram usados nos ataques.
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Quero receberAté hoje não há consenso sobre o número de vítimas. Relatório publicado em 2001 por uma comissão que investigou o caso afirma que foi possível confirmar 39 mortos, sendo 26 negros e 13 brancos, mas que as estimativas anteriores, de até 300 vítimas, podem ser verdadeiras, já que muitos corpos podem ter sido jogados em valas comuns e no rio Arkansas, conforme o relato de testemunhas. Somente 26 certidões de óbito foram emitidas para vítimas do massacre.
Negros foram considerados os culpados. Sarah Page, a ascensorista, retirou a acusação contra Dick Rowland, que não foi indiciado. Mesmo assim, as autoridades decidiram que os negros eram os culpados pela violência, classificada como um motim racial. Nenhum dos invasores brancos jamais foi responsabilizado.
Caso foi omitido em livros de história e trazido à tona em série. O massacre em Tulsa esteve ausente dos debates escolares por décadas. Em 2019, a série Watchmen, da HBO, retratou o episódio e acabou se tornando o primeiro contato de milhões de norte-americanos com o caso. Regina King, uma das atrizes da série, declarou que se surpreendeu ao ver tantos relatos dizendo que "Watchmen era a primeira vez que ouviam sobre a 'Wall Street Negra' e que não tinham ideia de que a abertura [da série] mostrava o massacre de Tulsa". Segundo Regina, a reação do público reforça que o massacre "não foi ensinado em aulas de história nos Estados Unidos".
Sobrevivente buscou justiça cem anos depois. Em 2021, a última sobrevivente do ataque compareceu ao Congresso dos Estados Unidos. Aos 107 anos, a mulher afirmou que estava ali "para buscar justiça". "Estou aqui para pedir ao meu país que reconheça o que aconteceu em Tulsa em 1921".
*Com informações de reportagem de maio de 2021.
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