Conteúdo publicado há 1 mês

Referência para Trump, 'Dr. Cloroquina' é proibido de exercer medicina

O médico e microbiologista francês Didier Raoult, principal defensor do uso de hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, foi proibido de exercer a medicina por dois anos. Raoult foi coautor de um estudo questionado por cientistas, mas endossado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante a pandemia.

O que aconteceu

Médico é acusado de violar código de saúde pública. Raoult incentivou o uso de cloroquina contra a covid-19, embora o medicamento seja comprovadamente ineficaz. Como diretor do instituto Méditerranée Infection (IHU), foi responsável por um contestado estudo de 2020 feito com apenas 42 pacientes, sem a aprovação das autoridades de saúde, nem "rigor científico".

Punição começará a valer em 1º de fevereiro de 2025. A decisão tomada pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos (CNOM) da França foi revelada nesta quinta-feira (3) pelo jornal Le Parisien e confirmada pela agência AFP.

Raoult 'ultrapassou os limites da liberdade de expressão'. O CNOM entendeu que o médico também deve ser punido pela "falta de respeito" com colegas de profissão, citando as ocasiões em que ele comparou seus "resultados" aos dos hospitais de Paris, onde "contavam-se os mortos", e afirmou — sem provas — que outro profissional havia feito testes nos quais crianças morreram.

Postura também afetou o controle e o combate à doença. Além de defender a cloroquina, Raoult fazia críticas à vacinação generalizada e às políticas de confinamento (lockdown), o que, na visão do CNOM, "prejudicou as medidas tomadas pelas autoridades sanitárias com o objetivo de proteger a saúde pública".

Médico já havia recebido uma advertência em 2021. Na ocasião, a Câmara Disciplinar Nacional reconheceu que Raoult "não se baseou em dados [científicos] confirmados", mas entendeu que ele não expôs seus pacientes ao risco, uma vez que a prescrição da cloroquina respeitava as doses normalmente recomendadas. O CNOM, porém, considerou a punição muito leve e recorreu.

Defesa de Raoult ainda não se posicionou sobre o caso. Questionado pela AFP, o advogado Fabrice Di Vizio disse que "não havia tido a oportunidade" de ler a decisão do CNOM.

'Dr. Cloroquina' virou livro

Biografia 'Raoult, uma loucura francesa' foi publicada em 2021. O livro, de autoria das jornalistas Ariane Chemin e Marie-France Etchegoin, descreve o médico como uma mistura entre Indiana Jones e um especialista agarrado a um microscópio, que acabou se tornando um ídolo antissistema antes de virar uma "vítima de seu próprio ego".

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Considerado 'superdotado', médico era uma referência na área. Como microbiologista, Raoult multiplicou descobertas, ganhou prêmios e até erradicou epidemias, como contou a revista francesa L'Obs. Em 1997, por exemplo, ele conseguiu controlar em apenas três meses um surto de tifo que dizimava a população do Burundi, na época em plena guerra civil.

Raoult subestimou a covid e viu a cloroquina como 'poção mágica'. O médico chegou a dizer que a covid-19 seria a infecção mais fácil de ser tratada na história. Mas um grande estudo britânico confirmou que a cloroquina não funcionava, levando a França e boa parte do mundo a abolir o tratamento ainda em 2020. "A 'Raoultmania' virou coisa do passado", resume a L'Obs.

Apoio de Trump a estudo contestado de Raoult incentivou Bolsonaro. A partir das falas de Trump, o remédio passou a ser publicamente promovido pelo então presidente Jair Bolsonaro e chegou a ser incorporado no criticado "tratamento precoce". Alguns médicos receitavam a cloroquina como forma de "prevenção" à covid-19, mesmo sem comprovação científica.

Assim como Trump, Bolsonaro também defendeu o uso da cloroquina no tratamento contra a covid-19
Assim como Trump, Bolsonaro também defendeu o uso da cloroquina no tratamento contra a covid-19 Imagem: Adriano Machado/Reuters

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(Com AFP e RFI)

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