Futuro político de Kamala e democratas é incerto após derrota para Trump
A democrata Kamala Harris não conseguiu conquistar mais de 270 delegados no colégio eleitoral e perdeu a disputa pela presidência dos Estados Unidos para o republicano Donald Trump. O UOL conversou com especialistas para entender por que ela perdeu a eleição e quais os próximos passos do Partido Democrata.
O que aconteceu
Dificuldade em convencer o eleitorado. A professora de relações internacionais da ESPM Denilde Holzhacker ressalta que a derrota de Kamala Harris pode ser explicada por alguns motivos, entre eles, a dificuldade em convencer o eleitorado de que seu governo seria diferente da gestão de Joe Biden, especialmente na agenda econômica e na melhoria da qualidade de vida do cidadão comum.
Desconfiança de eleitores masculinos. Holzhacker pontua que embora os temas de direitos das mulheres tenham sido centrais na campanha da democrata, as divisões de gênero podem ter prejudicado Kamala, com desconfiança entre eleitores masculinos sobre sua capacidade de liderança, especialmente sendo uma mulher negra, o que pode ter ampliado a resistência.
Pouco tempo de campanha. Harris se tornou a candidata democrata depois que o presidente Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição, em julho. A professora lembra que ter assumido a candidatura próximo à convenção limitou seu tempo para se distanciar dos problemas do governo Biden e construir alianças com eleitores. "Sua trajetória como vice-presidente, com pouca visibilidade, também reforçou desconfianças quanto a sua liderança", avalia.
Desafios para conquistar o eleitor de cidades pequenas. Segundo a professora, essa eleição mostrou que ainda é um desafio para o Partido Democrata se aproximar de eleitores de pequenas cidades, que sentem que Washington não entende suas realidades. "Sua origem californiana reforça o estereótipo de desconexão", diz a especialista.
"Democratas não enxergaram que eleição era sobre economia"
Economia deveria ter sido tema central da campanha. Essa é a visão de Lucas de Souza Martins, professor e doutorando em estudos da relação Estados Unidos-América Latina, na Universidade Temple. O professor avalia que Harris perdeu a eleição porque os democratas não conseguiram enxergar e reconhecer que o tema central do pleito era a recuperação da economia dos EUA. "Não se tratava de uma agenda de defesa da democracia", diz.
Eleitor queria soluções para a inflação. Martins explica que o eleitor médio e o eleitor independente americano, não necessariamente vinculado aos democratas ou os republicanos, queriam soluções imediatas para a inflação. O cenário do pós-pandemia foi marcado por uma inflação mais forte que o normal nos Estados Unidos. Isso levou os juros a patamares historicamente elevados.
Eleitores também levaram em conta a questão de acesso a bens por parte da população média americana, o que não foi proporcionado pelos democratas nos últimos quatro anos, na gestão Biden. Por isso, ao procurar soluções imediatas a questões econômicas, houve uma predileção por parte desse eleitor de votar na oposição.
Lucas de Souza Martins
Derrota de Kamala Harris é derrota de Obama. Adriano Cerqueira, professor de relações internacionais do Ibmec-BH, avalia que a vitória de Trump é a derrota de Obama, que fez campanha para Kamala, da ala do Partido Democrata mais à esquerda, mais socialista, que tem empurrado a legenda do partido para posições mais extremas. "A derrota dela vai ter um impacto muito grande no Partido Democrata, vai gerar uma discussão interna. O modo como ela foi indicada, sem ter passado pelas primárias, isso vai ser provavelmente muito discutido e criticado".
Partido Democrata mais ao centro. Na avaliação de Cerqueira, deve haver um movimento dentro do Partido Democrata de torná-lo um partido mais ao centro. "Acredito que a derrota da Kamala Harris pode ser um momento decisivo para o Partido Democrata deixar de lado essas ações e políticas mais ao extremo da esquerda e voltar o partido a um eixo mais de centro, centro-esquerda, aproximando assim do eleitor que teria visto no Trump um candidato mais equilibrado, mais moderado".
Ainda há espaço para Kamala Harris na política?
Newsletter
DE OLHO NO MUNDO
Os principais acontecimentos internacionais e uma curadoria do melhor da imprensa mundial, de segunda a sexta no seu email.
Quero receberTradição não favorece derrotados em eleições presidenciais. Martins destaca que nos EUA, principalmente nos partidos Republicano e Democrata, não existe uma tradição de que candidatos derrotados em eleições anteriores retornem para serem candidatos à presidência. "Isso aconteceu com Donald Trump, com o Richard Nixon, mas tradicionalmente não acontece, especificamente dentro do Partido Democrata", diz.
"Por conta da derrota de uma figura como a Kamala Harris, que representa essa novidade de ser uma mulher negra e filha de imigrantes, obviamente será muito difícil considerar que os democratas em uma próxima oportunidade privilegiem uma figura como ela. É mais possível termos uma figura mais ligada ao establishment e aos eleitores tradicionais, que deve ser o nome apontado para a próxima disputa pela presidência"
Lucas de Souza Martins
Holzhacker acredita que Harris tem credenciais para uma nova candidatura. "Ela [Kamala] poderá garantir apoio dentro do partido, mas no caso de uma derrota significativa, a democrata poderia seguir o caminho de Hillary Clinton, permanecendo ativa como senadora ou apoiando um novo candidato".
A especialista, reconhece, no entanto, as dificuldades. "A pressão pela renovação vinda da ala jovem do partido pode dificultar sua ascensão. O papel de figuras importantes do partido, como os Obamas, será determinante em seu futuro político".
Kamala deve assumir um papel importante como voz da oposição. Cerqueira acredita que a primeira mulher vice dos EUA deve ser uma voz especialmente em temas que afetem processos democráticos, como imigração e direitos reprodutivos. "Na política americana, esse processo tende a se intensificar nas eleições legislativas de 2026, mas ela poderia começar a articular essa oposição ainda antes disso", pontua.
Sucessor de Kamala para disputar presidência ainda é incógnita. "Eu não vejo no momento quem poderia surgir como nome possível. Seria alguma figura do Partido Democrata com uma postura mais moderada, mais de centro. O Biden, claro, terminando esse governo, vai se aposentar, certamente. E ele não vai deixar nenhum legado em termos de indicação política. Por isso, acredito que o nome que ainda vai surgir", diz Cerqueira.
O Partido Democrata vai entrar numa profunda crise e vai ser durante essa crise que uma solução, seja para continuar num discurso mais próximo da extrema esquerda, como é atualmente a postura, seja numa postura mais ligada ao centro, isso vai surgir dentro da crise.
Adriano Cerqueira
Kamala assumiu campanha após desistência de Biden
Harris não participou primárias, mas se tornou candidata democrata. Após uma apresentação desastrosa no debate presidencial, Joe Biden se afastou da corrida eleitoral e lançou a vice para a disputa. Bill Clinton, Barack e Michelle Obama foram alguns nomes que a apoiaram.
Candidata bateu recorde de arrecadação. Nas 24 horas seguintes à indicação de Biden, a campanha de Kamala arrecadou US$ 81 milhões em doações, o maior total diário de qualquer candidato presidencial na história.
Discursos de Kamala se dividiram entre propostas e ataques a Trump. A candidata reservou boa parte de seus comícios para responder críticas feitas pelo adversário, mas também para provocá-lo sobre sua idade, planos políticos e seriedade.
Em falas sobre economia, democrata focou em classe média. O principal item do plano de governo de Kamala é o projeto "New Way Forward" (Novo Caminho), cujo principal objetivo é reduzir custos cotidianos e melhorar o acesso à saúde no país, que não é gratuita.
Campanha nas redes sociais mirou em voto jovem. A equipe da democrata entendeu que as redes sociais eram a melhor maneira de se aproximar do novo eleitorado, e passou a usar o TikTok como uma das principais maneiras de comunicação.
Conta de campanha tem 4,8 milhões de seguidores. No TikTok, a conta @KamalaHQ adequou a candidata às tendências, criticou Trump e usou linguagem jovem para captar eleitores recém-registrados.
Único debate com Trump ficou marcado por postura irônica de Kamala. A democrata pareceu não se incomodar com os constantes ataques do ex-presidente, e até mesmo riu. Na imprensa americana, ela foi considerada a vencedora do encontro, realizado pela ABC News.
*Com EFE, AFP, Deutsche Welle
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.