Quatro anos depois de sair do cativeiro, Ingrid Betancourt é ignorada pelos colombianos

Juan Jesús Aznárez

  • Reprodução/UOL

    Ingrid Betancourt, ex-senadora franco-colombiana, passou seis anos como refém das Farc

    Ingrid Betancourt, ex-senadora franco-colombiana, passou seis anos como refém das Farc

A derrocada política e o isolamento pessoal da ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt se confirmaram há quatro anos, quando cometeu a torpeza de pedir ao Estado colombiano mais de 5 milhões de euros pelas supostas responsabilidades oficiais em seu sequestro pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ela, que estuda teologia e grego antigo em Oxford e reflete sobre a condição humana, recuperou a liberdade, vendeu milhões de livros e produtores importantes querem um filme, mas Betancourt perdeu o carinho da maioria de seus compatriotas, incapazes de entender sua reivindicação ao Estado. Ela se explicou - "era uma quantia simbólica" -, mas a ojeriza havia ganhado vida própria.

Libertada em julho de 2008 depois de seis anos de cativeiro, essa mulher resoluta e corajosa transitou em questão de dias do céu ao inferno: da apoteose de Paris, Nova York, Madri e Roma ao esquecimento e à antipatia na Colômbia. Glorificada com a Legião de Honra na França e o Prêmio Príncipe de Astúrias à Concórdia na Espanha, foi ungida com os óleos da santidade em uma audiência privada do papa Bento 16, e nada parecia se interpor em sua previsível carreira para a presidência da Colômbia. Os assistentes da ex-prisioneira levitavam de emoção imaginando-se no palácio. Mas os erros de cálculo, a propensão à altivez e os claros-escuros da provação que sofreu demoliram sua popularidade. Precisou de ajuda para se reconstruir emocionalmente.

O sequestro mais midiático da história feriu de morte seu casamento. Longe de abraçar seu marido com a paixão supostamente acumulada de seis anos de ausência, no dia do reencontro o cumprimentou glacialmente, como se tivessem se despedido um dia antes. Apenas esboçou um sorriso quando Juan Carlos Lecompte, perplexo, se atreveu a lhe dar um beijo no rosto, que ela não retribuiu. Sempre abraçada a sua mãe, soltou um braço para acariciar superficialmente o queixo do marido e lhe dizer sem alegria nem emoção: "O que há de novo, Juaqui?" Depois afagou seu rosto e mais nada. Aquela noite foi de separação de almas e corpos. Dois anos depois se divorciaram.

Os sucessos da libertação entraram em surdina depois da estrondosa demanda contra o Estado. Ingrid desmoronou. Hoje sente-se espiritualmente modificada, imersa em uma transformação de valores, mas ainda mortificada pelas sequelas do martírio. Mergulhada na introspecção, reforçada sua devoção à Bíblia e aos salmos, conserva os bons amigos do patriciado. Pode escrever no isolamento de uma casa alpina, se quiser, viaja para Paris e Nova York, e hoje reside na cidade britânica de Oxford para mergulhar no estudo da divindade e do grego do século 4º antes de Cristo. Seu itinerário atual, longe de Bogotá, sintoniza com o perfil de uma pessoa habituada a descascar lagostins com talher de prata e inclinada à sofisticação da Quinta Avenida nova-iorquina.

"As pessoas na Colômbia têm o coração muito duro", queixou-se. Milhões de colombianos o endureceram ao saber que a mulher nascida entre algodões e fragrâncias, a filha de um embaixador na Unesco e uma rainha de beleza, a adolescente educada junto da Torre Eiffel e na British School, a ativista cheia de irreverência e frescor que distribuía camisinhas contra a indecência parlamentar, tinha pedido uma reparação milionária à fazenda pública, a cargo do contribuinte. Foi crucificada sem piedade em pesquisas e fóruns.

De pouco lhe serviu a criação de uma fundação sobre direitos humanos, e comoveu pouco o testemunho de seu calvário, no livro "Não Há Silêncio que Não Termine". Não impressionou tanto em seu país como na Europa ou nos EUA, porque centenas de compatriotas sequestrados haviam divulgado antes suas próprias torturas e porque o horror se alternou com o espanto na Colômbia das últimas quatro décadas. Não houve forma de levantar a imagem de uma mulher que convalesce de uma doença incurável: o rancor nacional.

O escritor colombiano Héctor Abad Faciolince quis conhecê-la, descobrir se era a bruxa que diziam ou o ser humano profundo que adivinhou lendo seu livro, redigido em um refúgio de montanha, só visitada pelo pranto e as evocações angustiadas. "É a segunda pessoa: doce e serena, inteligente e entristecida, com as feridas curadas, mas com cicatrizes ainda frescas", concluiu. Intelectualmente ágil e sedutora, Ingrid Betancourt adotou um discurso purificador, humilde, um mapa do caminho contrário aos anos de petulância. A suspeita duvida de sua catarse: "Ela é como é. O que acontece é que continua em maus momentos". Impelida pela imprudência e a ambição, a ex-candidata presidencial do partido Oxigênio Verde nas eleições de 2002 entrou no território das Farc, e foi como roubar de um bêbado: ela e sua diretora de campanha, Clara Rojas, foram sequestradas.

"Por que o exército não me impediu, se era tão perigoso?", perguntou-se em uma entrevista à revista "Bocas". Provavelmente não teriam podido, porque sempre foi teimosa e precisava de ajuda midiática. A temeridade lhe custou caro, mas poucos poderiam negar sua coragem na denúncia da corrupção e covardia entre os políticos colombianos. Ingrid ainda sofre com o castigo, tem dificuldade para tolerar as distorções ou mentiras sobre seu sequestro, a bile derramada na Colômbia quando pediu os 5 milhões, e a animosidade dos que reduziram sua trajetória política ao capricho de uma menina afrancesada e mimada. "Outros sequestrados pelas Farc também pediram indenização", ela disse.

Mas nenhum deles tinha as conotações de Betancourt, nem suas histórias foram campeãs de vendas, nem captaram a atenção das produtoras de Steven Spielberg e Clint Eastwood. O dinheiro e o negócio são ingredientes importantes nessa via crúcis de sofrimento, mesquinharia e egoísmo. Baseados no roteiro da protagonista foram elaborados livros, filmes e contas bancárias. Betancourt, Rojas e os três americanos que as acompanharam no cativeiro escreveram o seu. O ex-marido queixoso, uma águia, foi ao cume: dois livros e um filme.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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