A morte de Dona Canô, matriarca do tropicalismo
Francho Barón
A centenária mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia se transformou em uma referência social no Brasil
Claudionor Viana Telles Velloso, Dona Canô, mãe dos celebérrimos músicos Caetano Veloso e Maria Bethânia, uma referência social e cultural em seu país, faleceu em 25 de dezembro ao 105 anos, em sua casa em Santo Amaro da Purificação, pequena localidade a 67 km de Salvador, Bahia. Dona Canô havia sofrido recentemente uma isquemia cerebral.
Aplausos, discursos e flores marcam o enterro de Dona Canô
Ao som de músicas religiosas, muitos aplausos, discursos de populares e flores, o corpo de Dona Canô Velloso foi enterrado no final da manhã desta quarta-feira (26) no cemitério de Santo Amaro (a 71 km de Salvador). Durante toda a noite de terça-feira e madrugada, a matriarca da família Velloso foi velada publicamente no Memorial Caetano Veloso. Cerca de 5.000 pessoas passaram pelo local, de acordo com informações da Polícia Militar. Quando o corpo chegou ao memorial, os sinos da igreja de Nossa Senhora da Purificação ecoaram por quase cinco minutos.
A matriarca dos Velloso (o sobrenome de Caetano, que só tem um "l", foi um erro de escrita do Registro Civil) cultivou o talento artístico desenvolvido por dois de seus oito filhos, aos quais ensinou desde tenra idade a poética das velhas serestas. O amor de Dona Canô pela música marcou profundamente a carreira de Caetano e Bethânia, dois expoentes máximos do chamado movimento tropicalista.
Um dia, no início dos anos 1960, na sua casa em Santo Amaro, quando Caetano ainda era um adolescente desconhecido, Dona Canô o chamou à sala: "Caetano, venha ver aquele preto de quem você gosta". Referia-se ao também baiano Gilberto Gil, que já começava a despontar na televisão como jovem promessa da música brasileira. Ironias da vida: a dupla Gil-Caetano se transformaria pouco depois na "alma mater" do tropicalismo, o movimento de repercussão planetária que reuniu nomes relevantes da cultura, como Gal Costa, o artista plástico Hélio Oiticica, o cineasta Glauber Rocha ou o sempre imprevisível Tom Zé.
Com o passar dos anos, Dona Canô se transformou em uma referência social, cultural e religiosa de sua Santo Amaro natal. Não havia político, empresário ou líder religioso com aspirações a fazer carreira na localidade baiana que não passasse antes por sua residência, no número 179 da avenida Viana Bandeira, para receber suas bênçãos.
Sua capacidade de impor ordem ficou mais clara que nunca em 2009, quando Caetano falou sobre a líder ecologista Marina Silva em uma polêmica entrevista publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo": "Marina é Lula e Obama ao mesmo tempo. É meio negra, meio índia, inteligente como Obama. Não é analfabeta como Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela, porém, fala bem."
Depois da comoção na mídia, a mãe idosa decidiu manifestar sua repreensão ao famoso intérprete e compositor: "Caetano não tinha que dizer aquilo. Ele é só um cantor. Vota em Lula se quiser, não precisa ofender". O então presidente a chamou por telefone para lhe agradecer o gesto. Na última quarta-feira Lula também teve palavras para lamentar a morte da centenária mais célebre do Brasil: "Dona Canô foi uma referência de sabedoria e generosidade."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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