As línguas que a América do Sul quer salvar

Dora Luz Romero e Natasha R. Silva

  • Nacho Doce/Reuters

    Um dos caminhos para manter vivo um idioma é seu uso pelas gerações mais jovens nos círculos sociais e através das novas tecnologias

    Um dos caminhos para manter vivo um idioma é seu uso pelas gerações mais jovens nos círculos sociais e através das novas tecnologias

No fim do mundo, lá na Patagônia, há uma língua que está prestes a morrer: o tehuelche. Os falantes que restam, segundo dados da Unesco, podem ser contados nos dedos de uma das mãos. Palavras, sons, uma cultura inteira corre o risco de desaparecer. Não é o único caso na região. Na América do Sul há 420 línguas ameaçadas, segundo os dados compilados no Atlas da Unesco das Línguas do Mundo em Perigo. A organização calcula que haja entre 8,5 e 11 milhões de pessoas que falam esses idiomas.

Quando uma língua morre, ou, como os linguistas preferem dizer, "dorme", não só se apagam as vozes, também morre uma cultura, uma forma de vida, uma maneira de ver o mundo. "Se você perguntar a um membro da comunidade de falantes, poderá responder que perde sua essência, sua identidade como pessoa e a de um grupo", afirma Gabriela Pérez, curadora de linguística do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington. "Perde-se um sistema único de expressão, mas os idiomas também são veículos de sistemas de crenças, de conhecimentos da flora e da fauna, e tudo isso também morre", explica o linguista Christopher Moseley, editor do Atlas.

O Brasil é o país com maior variedade linguística da região, mas ao mesmo tempo o que tem mais línguas em perigo: 178. "No Brasil, muitas línguas pequenas sobreviveram até agora devido ao pouco contato que tiveram com o mundo exterior, mas agora a ameaça é maior, ao ser invadidos pela civilização. Essa é a realidade de outros países, principalmente na região amazônica", afirma Moseley.

Não há uma receita para salvar uma língua, e trata-se de um processo que pode durar décadas, afirmam os linguistas. Segundo Pérez, há necessidade da intervenção de especialistas para o ensino da língua, assim como de material pedagógico. "É necessário um grupo de pessoas com uma variedade de aptidões e dispostas a se entregar à tarefa. Uma legislação que proteja o uso de uma língua e o promova é muito importante. O apoio governamental é um de vários elementos que podem impulsionar um processo de revitalização", diz.

Moseley considera que para que um idioma sobreviva o desejo deve sair da comunidade e seus habitantes. Concorda em que a qualidade da documentação e a disponibilidade de materiais para o ensino definem se um idioma pode ou não ser revitalizado. "Sem educação e alfabetização, uma língua não pode sobreviver em concorrência com línguas que as têm", afirma.

Outro caminho para manter vivo um idioma é seu uso pelas gerações mais jovens nos círculos sociais e através das novas tecnologias. "Há sinais animadores de que os jovens em pequenas comunidades estão utilizando seus próprios idiomas, por exemplo, em mensagens de texto", indica o editor do Atlas. Detalhes como o fato de que fontes de informação como Wikipedia já estejam disponíveis em forma escrita em uma gama cada vez maior de idiomas, inclusive os muito pequenos, ajudam essas línguas que agonizam. "Parte do processo de deslocamento linguístico é a redução ou perda de âmbitos em que se pode falar um idioma, e a tecnologia permite abrir espaços nos quais se possa usar uma língua", afirma Pérez.

Poucos falantes

O paraujano na Venezuela, o iquito no Peru, o aruá no Brasil, o leco na Bolívia... são línguas que não têm mais que 40 falantes. Na região sul-americana há algumas línguas em maior perigo que outras, algumas com menos falantes, com menos apoio governamental, com menos programas que visem a revitalização. Moseley afirma, entretanto, que a América do Sul é uma das áreas que o faz sentir-se mais otimista sobre o futuro das línguas minoritárias. "Em muitos países da região diminuíram os preconceitos de parte dos falantes de espanhol contra os que falam línguas minoritárias, mas ainda há caminho a percorrer", afirma.

No mundo, segundo a Unesco, existem cerca de 6 mil línguas, das quais calcula que a metade desaparecerá até o final deste século. O editor do Atlas afirma que a taxa de extinção desacelerou nos últimos anos, mas seu avanço continua rápido.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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