Um ano após sua queda, Sirte quer renascer dos escombros

Benjamin Barthe

Em Sirte

  • Mohammed Abed/AFP

    Os vestígios dos combates que precederam o fim do coronel Gaddafi vão aos poucos se apagando, mas as tensões continuam vívidas entre tribos líbias

    Os vestígios dos combates que precederam o fim do coronel Gaddafi vão aos poucos se apagando, mas as tensões continuam vívidas entre tribos líbias

A sala Uagadugu está começando uma nova carreira. Esse gigantesco centro de conferências erguido na entrada de Sirte, que Muammar Gaddafi havia transformado em vitrine de seu regime, será reaberta neste sábado (20), para comemorar o primeiro aniversário da libertação dessa cidade, que ocorreu no mesmo dia da captura e linchamento do líder sírio.

Sobre o carpete roxo onde Gaddafi gostava de desfilar nos trajes mais excêntricos, em meio a seus pares árabes e africanos, os novos dirigentes de Sirte proclamarão o frágil renascimento dessa cidade, deixada em estado de ruína após a revolução.

"Sirte é como um doente em estado terminal, a quem dão somente uma semana de vida e que, contrariando todas as expectativas, se recupera", explica Ali Labaz, o vice-presidente do conselho interino que administra os assuntos locais.

O centro Uagadugu ainda carrega as marcas dos combates ferozes entre os rebeldes líbios e as forças do coronel Gaddafi, que veio se refugiar em sua cidade natal, onde ele pressentia que seria sua batalha final: janelas estilhaçadas, fachadas com buracos de balas de grosso calibre e algumas portas ainda arrombadas. Mas ali, assim como no resto da Síria, os escombros foram recolhidos, as instalações foram limpas e uma volta à normalidade se inicia lentamente.

"No final da guerra, mobilizamos todas as energias, criamos grupos de voluntários que se empenharam em recolocar a cidade em ordem", descreve Abdel Monem Salah, um comerciante de eletrodomésticos, recostado em uma pilha de caixas de micro-ondas. "Fizemos tudo sozinhos. Não recebemos nenhuma ajuda do governo".

Ali Labaz, o vice-prefeito, confirma que as autoridades de Trípoli praticamente não participaram do esforço de reconstrução, que segundo ele custou centenas de milhões de dólares. "Mal existe um governo líbio, precisamos lhe dar tempo para se construir antes que possamos exigir que ele nos ajude", explica esse afável sexagenário, um ex-burocrata da Jamahiriya, que passou para a oposição. Seus departamentos estão instalados em amplos escritórios, com sofás de couro, móveis de madeira e luminárias, que abrigavam o governo líbio no início dos anos 1990, na época em que Muammar Gaddafi se orgulhava de fazer de Sirte a capital administrativa do país. "Um capricho e um escoadouro financeiro", segundo Ali Labaz. "Os prédios permaneceram vazios durante anos e, em todo esse tempo, fora cuidar do gramado dos jardins, o regime não fez nada pelos habitantes".

A recuperação de Sirte é particularmente impressionante ao longo da rua Dubai. Essa artéria que leva ao Setor 2, o bairro onde se entrincheirava o último grupo de fiéis de Gaddafi, foi crivada de balas. Seus muros calcinados e retalhados mostram o calvário sofrido por Sirte em um mês de cerco, de bombardeios da Otan e de privações.

Mas hoje a maior parte das lojas reabriu suas portas e, ainda que os reparos apressados deixem transparecer as cicatrizes, a rua aos poucos vai reconquistando seus clientes e sua agitação.

MUAMMAR GADDAFI EM IMAGENS

  • Veja fotos da família Gaddafi

  • Veja mansões de Gaddafi

  • Estilo Gaddafi mistura Lacroix e Snoopy; veja

"Estamos determinados a virar a página da guerra e a reconstruir nosso país", diz Ismail Mahmoud, o novo diretor do hospital central de Sirte, nomeado para substituir um funcionário pró-Gaddafi. "Temos tempo pela frente, nunca voltaremos atrás".

Esse dinamismo está longe de ser partilhado por toda a população de Sirte. Entre os Qadhadfa, a tribo natal do ex-ditador, e os Warfalla, um outro clã beduíno cujo apoio foi comprado pelo antigo regime, o clima continua soturno. "Sou obrigado a constatar que a segurança era melhor na época de Gaddafi", diz Mohamed Asbehi, 30, um empregado do ministério da Agricultura que reside no Setor 2, onde certos moradores abriram fogo contra as brigadas revolucionárias.

Além disso, houve brigas no início da semana entre os Warfalla e os Misrata, uma tribo originária da cidade portuária de mesmo nome, a oeste de Sirte, que sofreu grandes danos com a revolução. Lojas dos dois lados foram incendiadas, reacendendo um antagonismo que já dura um século e levando as autoridades locais a impor um toque de recolher a partir das 22h. Uma medida despreocupadamente violada, a julgar pelo número de explosões de lança-foguetes que perturbaram as noites de Sirte, na quarta e quinta-feira (17 e 18 de outubro). "Os Warfalla e os Qadhadfa estão fazendo de tudo para que nosso país não avance", acusa Ismail Mahmoud, ele mesmo um Misrata.

Os interessados se defendem mencionando os acontecimentos de Bani Walid, que assombram a Líbia inteira há uma semana. Esse vilarejo montanhoso, ao sudeste de Trípoli, que é o feudo da tribo Warfalla, está sitiado por grupos armados de Misrata, que vieram exigir a libertação de vários dos seus, mantidos como prisioneiros na cidade.

Os fragmentos de informações disponíveis que revelam uma dezena de mortes nos bombardeios e que levam a pensar que os milicianos de Misrata estão ditando ao governo sua conduta nesse caso, acirram os ânimos entre os Warfalla. "Se houver novas mortes em Bani Walid, teremos uma guerra civil", fanfarreia Mohamed Asbehi.

Neste sábado, a cerimônia organizada no centro Uagadugu certamente não lotará. Mais do que comemorar, parte dos habitantes de Sirte poderá preferir se recolher. Em homenagem ao extravagante tirano que queria fazer de sua cidade a capital dos Estados Unidos da África.

Tradutor: Lana Lim

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos