"Governo Hollande me transformou em militante", diz francês contrário ao casamento gay

François Béguin

"Você participa da mobilização contra o 'casamento homossexual'? Conte-nos." Em menos de duas horas, o apelo ao testemunho publicado no último dia 15 de abril na primeira página do site do "Le Monde" recebeu mais de uma centena de respostas. Entre os que contribuíram, alguns dos quais foram contatados por e-mail ou por telefone, perfis de todas as idades, todas as profissões, originários de toda a França. Eles testemunham as modalidades de seu envolvimento. Todos, ou quase, dizem considerar-se vítimas de "desprezo" por parte do governo. E contam o tempo que têm dedicado nas últimas semanas a sua causa.

A mobilização contra o "casamento para todos" parece muitas vezes, em primeiro lugar, um batismo de fogo no engajamento político. Ghislain, 29, diretor de inovação em uma empresa start-up na região parisiense, conta que "nunca havia participado de uma manifestação, política ou sindical, antes de 17 de novembro de 2012", dia da primeira "Manifestação para Todos" em Paris. Para ele, 13 de janeiro foi "o choque do número, da massa, da mobilização. Um militante nasceu naquele dia", afirma. "Eu compreendi naquela tarde que o governo nos minimizaria e nos humilharia o quanto pudesse, mas que nada mais deteria nossa mobilização." Ele resume assim seu percurso: "Esse governo fez de mim um militante. Ele fez uso de folhetos, blog, conta no Twitter... dia, noite e fim de semana.

"Eu nunca havia me manifestado antes do mês de dezembro", conta também Philippe, 34, advogado em Lyon. Na eleição presidencial ele votou em François Bayrou no primeiro turno e em branco no segundo. Ele se define como cristão praticante.     

"Um dever pela França"     

Clémence, 28, e Thibaud, 25, não se conheciam, mas seus perfis e seus trajetos são próximos. Os dois se apresentam como católicos praticantes. Ela ensina história e geografia em um colégio de Seine-Saint-Denis, ele trabalha em um escritório de assessoria em Lyon. Próximos da UMP (Clémence entregou sua carteirinha pouco depois da eleição de Nicolas Sarkozy), o casamento homossexual era para eles um "ponto inegociável" e um "critério decisivo" do programa de François Hollande durante a eleição presidencial. Na única vez em que eles tinham se manifestado ainda eram adolescentes, foi durante a manifestação contra o Pacs em 1999.

Clémence, engajada na organização da Manifestação para Todos, dedica neste momento duas noites por semana à preparação de manifestações, sobretudo a colar cartazes. "Entre os amigos, nos perguntamos, o que fazíamos antes da manifestação", ela se interroga. "Só falamos disso." Em seu depoimento enviado ao  "Le Monde", ela escreveu: "Mesmo que eu me canse de dedicar muito do meu tempo livre, faço isso como um dever pela França".

Thibaud, por sua vez, conta que nos últimos tempos seu investimento no Twitter (1.600 seguidores) lhe toma até duas horas por dia. "Eu transmito os artigos, respondo a personalidades, discuto com pessoas que têm pontos de vista contrários."

"Devo dizer que não sou um manifestante na alma", admite Paul, de Cergy, 22, em seu depoimento. "Quando desci à rua em 13 de janeiro, foi quase a contragosto, porque não gosto desse gênero de procedimento. Entretanto, pensei que a situação o exigia e que nossa simples presença bastaria para fazer admitir a necessidade de um debate nacional. Mas o desprezo arrogante e a ignorância culpada do governo me deixaram estupefato e um pouco decepcionado."   

"O fundo do meu pensamento"   

Facebook, Twitter, blogs... as redes sociais representam uma parte importante do envolvimento cotidiano dos adversários que responderam à solicitação do " Le Monde". "Esse compromisso de lutar contra esse projeto tem diversos sentidos para o futuro e ocupa o fundo do meu pensamento da  manhã à noite, e me toma facilmente três horas por dia seguindo as ações nas redes sociais ou discussões com os amigos a favor ou contra, ou ainda participações nos atos realizados", testemunha por e-mail Esther, 36, de Bordeaux.

"O debate ocupou tal lugar em nossa vida cotidiana (almoços de amigos e de família, mural do Facebook, redes de e-mail) que é um pouco overdose", reconhece Phillippe, o advogado de Lyon. "Por isso agora nós evitamos falar, mas estamos sempre prontos a desfilar quando nossa vida familiar o permite."

O envolvimento de Pierre, 43, que trabalha no meio cultural em Paris, é "quase unicamente virtual". "Se eu não me manifesto na rua é porque pertenço a um meio onde seria difícil justificar minha posição", escreve ele, explicando como esse projeto de lei de certa forma o levou a pensar contra si mesmo. "Eu vivo um dilema. Parisiense burguês, de esquerda (eleitor do PS), ateu e razoavelmente moderno, estou--entretanto--, no 'campo oposto': os que recusam o casamento para todos, não devido a uma homofobia qualquer, mas por temer um desvio para as crianças.

"Há alguns dias", acrescenta, "eu lamento evidentemente os atos violentos de alguns sobre o assunto, mas confesso que recebi muito mal as caricaturas das pessoas favoráveis à lei. Impossível pensar tranquilamente nesse assunto sem ser tachado de homofóbico ou de reacionário. Portanto, não falo quase com ninguém sobre minha oposição."     

"Ignorados, humilhados"     

Em quase todos os depoimentos, a palavra "desprezo" surge com regularidade. "É claro que nos sentimos ignorados, humilhados, caricaturizados e desprezados", explica Irène, que se diz jornalista. "Somos apresentados como fascistas extremistas, o que é ridículo quando a gente se encontra no meio de um desfile de mães de família e de pessoas que saem do trabalho. Os manifestantes, nós todos, estamos chocados pelo fosso que separa nossas intenções da imagem transmitida pela mídia e a classe política. Estou convencida de que a mobilização ganhará amplitude até que a opinião dos manifestantes seja levada a sério. Era a única exigência no início: um debate verdadeiro. O fato de atirar 700 mil petições no lixo fez o copo transbordar."

"Existe uma verdadeira polícia do pensamento em nosso país", escreve Axelle, 25. "Se eu digo que penso que na minha opinião,  vale mais para uma criança ter um pai e uma mãe, sou fascista, de extrema-direita, identitária, católica fundamentalista! Não, senhores jornalistas, senhores políticos, vocês estão enganados."

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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