Palácio "romântico", Taj Mahal tem mármore gravado por patriarcado e sangue

Julien Bouissou

Em Nova Déli (Índia)

  • Laura Ming/UOL

Longe da lenda romântica do palácio construído por amor, algumas indianas o consideram o símbolo da dominação masculina arcaica

E se o Taj Mahal, que os viajantes do mundo inteiro descrevem como o templo do amor e do romantismo, fosse no fundo um monumento que simboliza o patriarcado mais arcaico? Quatro séculos depois de sua construção, o debate agita a sociedade indiana, em plena mutação.

Se ninguém contesta que o imperador mongol Shah Jahan, quando mandou construir no início do século 17 esse famoso palácio de mármore branco, estava devastado pela tristeza após a morte de sua mulher, também não há qualquer dúvida de que ele não havia poupado sua bela - e outras mulheres - quando vivia. "O afeto mútuo e a harmonia entre os dois haviam atingido um nível sem igual entre marido e mulher entre os sultões e os chefes de Estado, e mesmo entre as pessoas comuns", escreveu o antigo historiador oficial do imperador, Muhammad Amin Qazwini.

A lenda do Taj Mahal, porém, não se interessa muito pelos sacrifícios consentidos pela terna mulher do imperador. Em 19 anos de casamento, Mumtaz Mahal, a "Maravilha do Palácio", pôs no mundo nada menos que 14 filhos e morreu ao dar à luz o último. Apesar de suas repetidas gravidezes, ela tinha a obrigação de seguir seu marido nos campos de batalha. Uma dedicação ainda mais notável porque devia dividir seu imperador com duas outras mulheres, e nada menos que 2.000 mulheres trancadas em um harém. Suas condições de vida causam debate: as mulheres eram reduzidas à escravidão, confinadas até a morte.

22 mil escravos na obra

O amor de um homem basta para torná-lo amável? Shah Jahan não tinha a reputação de ser carinhoso. E sem dúvida era melhor evitar as brigas conjugais. Em sua conquista do trono, ele assassinou dois de seus irmãos e seus filhos, assim como dois primos. Gastando o equivalente hoje a 1 bilhão de euros na construção do Taj Mahal em homenagem a Mumtaz Mahal, Shah Jahan também devia ter a intenção, menos romântica, de erguer o símbolo de sua potência. A obra mobilizou cerca de 22 mil escravos, muitos dos quais pagaram com sangue e suor por seu amor apaixonado.

Por todos esses motivos, a comemoração do Taj Mahal em um país marcado pelo patriarcado vai mal. Em uma coluna publicada pela versão indiana do "Huffington Post", a feminista Rita Banerji não esconde sua irritação diante das personalidades do mundo todo, de Lady Diana a Bill Clinton, que desfilaram diante do pretenso símbolo do amor: "As verdadeiras mentiras são as histórias de romance bordadas em torno da vida e da morte da mulher que acreditamos estar enterrada ali", escreveu Banerji.

Ainda hoje na Índia 19 mulheres em cada 10 mil morrem ao dar à luz seus filhos. "Apesar dos grandes avanços da medicina e da tecnologia, numerosas mulheres sofrem, 382 anos depois, o mesmo destino de Mumtaz, isto é, a morte no parto", escreveu Anant Kumar, pesquisadora no Instituto de Serviço Social Xavier em Ranchi, na revista "Women's Health" em 2014.

No momento da morte de Mumtaz Mahal, outras mulheres tiveram o mesmo destino na Suécia, indica Kumar. Em sua memória, a rainha Ulrika Eleonora decidiu investir na formação de parteiras em cada aldeia da Suécia. Duas maneiras diferentes de honrar a memória de mulheres defuntas. Uma passou à posteridade, a outra não.

A queda da mortalidade materna não provoca o mesmo entusiasmo que um palácio de mármore branco.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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