Já ouviu falar do documentário que Elizabeth 2ª não quer ver mais?

Eric Albert

Em Londres (Inglaterra)

  • Andrew Milligan/Reuters

    Rainha Elizabeth 2ª é recebida com festa ao chegar à estação de Newtongrange, na Escócia, ao se tornar a monarca de reinado mais longo no Reino Unido

    Rainha Elizabeth 2ª é recebida com festa ao chegar à estação de Newtongrange, na Escócia, ao se tornar a monarca de reinado mais longo no Reino Unido

Em 1969, para melhorar sua imagem, a rainha que detém o recorde de longevidade autorizou a transmissão de um documentário que mostrava a vida da família real. Hoje, quase 50 anos depois, é proibido exibi-lo novamente.

Vinte e um de junho de 1969. O Festival de Woodstock aconteceria dois meses depois, os Beatles em breve se separariam e a revolução dos costumes ia mudando tudo em seu caminho. Inclusive a rainha da Inglaterra, que aceitou o impensável: deixar que câmeras de TV a filmassem em sua vida cotidiana, longe dos protocolos e dos aparatos.

Naquela noite, os britânicos correram para a frente de suas TVs para assistirem juntos a "Royal Family", um documentário que, pela primeira vez, revelou um pouco da personalidade de Elizabeth 2ª. "Ficamos todos encantados", lembra Paul Moorhouse, que tinha 12 anos na época. "Vimos a rainha contar piadas, organizar um churrasco, brincar com seus filhos..."

Hoje curador da National Portrait Gallery e autor de uma fascinante exposição realizada três anos atrás sobre a imagem da rainha, ele vê nesse documentário uma mudança de era: "Foi um divisor de águas, o momento em que a rainha passou de uma imagem puramente formal para alguém mais humano."

Henri Pierre, correspondente do "Le Monde" na época, fala em uma "data histórica". "É, de fato, o verso do selo, da cédula, da moeda, que estava sendo exposto."

Cópias raras ultraprotegidas

Mas nem se dê ao trabalho de procurar esse documentário, pois o Palácio agora o proibiu, sendo detentor de seus direitos e não tendo absolutamente nenhuma intenção de voltar a exibi-lo. "É um filme de sua época", explica um porta-voz da rainha, em um tom tão educado quanto gélido.

Dele restaram somente dois trechos no YouTube, que podem ser vistos dentro de um outro documentário. O British Film Institute possui uma cópia do filme, mas que se encontra trancada a sete chaves. A BBC, que administra seus direitos em nome do Palácio de Buckingham, dá sua sentença inequívoca: "É absolutamente impossível ter acesso a ele, mesmo de forma privada. Costumamos receber muitos pedidos para vê-lo, mas ele é proibido até para nossos próprios jornalistas."

Um colecionador britânico que detém uma cópia do filme se mostrou muito constrangido quando entramos em contato com ele. Nos fez jurar que seu nome não seria publicado e revelou, em tom de conspiração: "Alguns anos atrás, soube de uma cópia que estava circulando e consegui comprá-la. Mas não quero ter problemas com o Palácio." Como se o crime de lesa-majestade ainda estivesse em vigor no Reino Unido...

Por fim, é preciso passar pelo INA (Instituto Nacional de Audiovisual), na França, para conseguir encontrar uma cópia dele, uma vez que o filme foi transmitido por um canal francês em dezembro de 1969.

Na quarta-feira (9), Elizabeth 2ª se tornou a soberana britânica com o mais longo reinado da história, batendo o recorde de sua tataravó, a rainha Vitória: 23.226 dias, 16 horas e 23 minutos. Essa página da história dará lugar às habituais celebrações na imprensa do mundo inteiro, que com razão não deixará de destacar a espantosa popularidade de Elizabeth 2ª.

A história quase esquecida do "Royal Family", no entanto, vem lembrar até que ponto a "firma" real controla sua comunicação com pulso de ferro. Tudo que é divulgado é cautelosamente controlado, e nada é deixado ao acaso. Mas em 1969, a operação de comunicação foi considerada um sucesso. Na época, a monarquia britânica vinha atravessando uma crise, e o respeito reverencioso pelos Windsor vinha minguando.

Os costumes haviam mudado e a imagem da rainha estava manchada: ela parecia fria demais, isolada demais da realidade. Sua demora em reagir à catástrofe do vilarejo galês de Aberfan, em outubro de 1966, quando 116 crianças e 28 adultos foram soterrados pelos escombros de uma mina de carvão, chocou a todos.

Telespectadores cativados

Apesar da oposição de sua mãe, Elizabeth 2ª sugeriu então deixar que as câmeras de TV a seguissem. Durante um ano, a equipe de nove pessoas do cineasta Richard Cawston filmou 43 horas de película em Technicolor, a um custo de produção equivalente a 3 milhões de euros nos dias de hoje. O Palácio, evidentemente, manteve um direito de veto sobre os trechos que afinal seriam mostrados. Mas não foi necessário: em um acordo típico das elites inglesas, o diretor se certificou de que tudo que ele escolheria seria aceitável.

Segundo nossas fontes, os materiais brutos contêm, entre outras coisas, uma série de xingamentos do príncipe Philip contra os famosos cães corgis de sua esposa, que estão sempre ao seu lado. O documentário coproduzido pela BBC e pela Independent Television (ITV), quando foi transmitido em 1969, cativou os telespectadores britânicos. Ele foi exibido quatro vezes ao longo de seis meses, inclusive no Natal, no lugar do tradicional discurso de fim de ano da rainha. No total, 70% da população o assistiu.

No entanto, o filme não mostra nada de especialmente íntimo, e sim imagens da vida cotidiana "normal" da rainha. Nas terras do castelo de Balmoral, na Escócia, ela é vista preparando uma salada. Satisfeita de tê-la terminado, ela anuncia a seu marido, que está grelhando carne na churrasqueira, e que lhe responde em um tom fleumático: "Muito bem. E isto, como você pode ver, não está [pronto]."

Os britânicos também descobriram que a rainha podia ter senso de humor. Em volta da mesa de jantar, ao lado de um jovem príncipe Charles com uma franja cuidadosamente penteada para o lado, ela conta sobre um encontro oficial com um homem muito baixinho, mas de longos braços: "Ele parecia um gorila!"

No filme também é possível ver a rainha e seu marido recebendo o presidente norte-americano Richard Nixon, visivelmente pouco à vontade, que só conseguia proferir chavões. "O que havia de verdadeiramente revolucionário nesse filme era poder ouvir a rainha falar," conta o colecionador. "Normalmente, nos cinejornais da época, nunca havia som."

Contudo, alguns anos mais tarde, Elizabeth 2ª acabou mudando de ideia. Ao ser humanizada demais, a rainha começou a ver o "mito" que a rodeava se fragmentar. Em 1977, os Sex Pistols causaram escândalo ao cantarem "God save the Queen, she ain't no human being" ("Deus salve a Rainha, ela não é um ser humano").

O "Royal Family" hoje se encontra bem guardado, e os preciosos originais brutos, mais ainda. E ninguém jamais viu a rainha montando uma salada...

Tradução: UOL

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