Argélia tem população 'invisível' de migrantes

Charlotte Bozonnet

  • Farouk Batiche/AFP

    Imigrantes ilegais do Níger penduram roupas para secar na cidade de Boufarik, na Argélia

    Imigrantes ilegais do Níger penduram roupas para secar na cidade de Boufarik, na Argélia

Mais de 100 mil imigrantes subsaarianos viveriam em solo argelino. Entre bicos e discriminações no dia a dia, eles vêm tentando, na clandestinidade, construir sua vida, às vezes abrindo mão dos sonhos de um paraíso na Europa

Foram colocados tapetes no chão e grandes cortinas douradas que dividem o cômodo em dois, isolando os ambientes, além de uma cadeira de balanço de plástico para as crianças, espremida ao lado de uma pequena mesa de cozinha. Tudo para se esquecerem de que estão em uma garagem. Além disso, começava a esfriar naquele final de novembro. Sentado em uma poltrona, John (os nomes foram modificados) promete encontrar uma solução antes que a temperatura realmente caia. Ele também pede que o visitante não fale alto demais. Somente uma veneziana de madeira separa o cômodo da rua.

Em "Coca", bairro popular da periferia de Oran, segunda maior cidade da Argélia, é melhor passar despercebido, sobretudo quando se é negro e imigrante ilegal. John, pai de família na faixa dos 30 anos, vindo da Libéria em 2010, vive aqui com sua mulher, Gloria, e seus dois filhos pequenos, de 4 e 2 anos, ambos nascidos na Argélia. Entre 2008 e 2010, John atravessou por cinco vezes a fronteira argelina, mas em todas ele foi mandado de volta. Desde o conflito no Mali, a Argélia não expulsa mais sistematicamente os clandestinos para o deserto.

Eles alugam essa garagem gelada por 15 mil dinares (cerca de R$ 580). "Fazemos alguns bicos clandestinamente, mas não temos documentos, então não temos direito de trabalhar ou alugar uma moradia", explica John. O que mais incomoda o casal é o fato de as crianças não frequentarem a escola. Dentro da garagem adaptada, elas correm em círculos, hiperativas, ou rabiscam em um caderno. "Você pode passar 20 anos aqui e estará no mesmo ponto, como se tivesse acabado de chegar", ele lamenta.

Uma etapa no caminho

A Argélia, que sempre foi um país de emigração, por muito tempo esteve associada às imagens dos harragas, esses jovens argelinos que partiam clandestinamente de barco em direção à Europa. Ainda que o fenômeno não tenha desaparecido, ele diminuiu.

O retorno à paz após uma década de guerra civil nos anos 1990, o aumento do número de vistos para a França e os controles das autoridades contribuíram para isso. Em compensação, o país se tornou, há alguns anos, uma etapa para muitos imigrantes subsaarianos. E quantos seriam? As autoridades apresentam o número de 20 mil clandestinos; já as associações locais falam em mais de 100 mil cidadãos subsaarianos em solo argelino.

Depois de deixarem Camarões, Nigéria, Mali ou Costa do Marfim com o objetivo de irem à Europa, eles fazem uma parada na Argélia, onde ficarão por alguns meses ou alguns anos, tempo de reconstituir uma pequena poupança para prosseguirem viagem. Às vezes eles desistem, desencorajados pelas dificuldades.

Em Oran, seriam 4.000. Eles gostam da cidade pela reputação de ser mais aberta que o resto do país, além de também se encontrar na rota que leva à cidade de Maghnia, na fronteira com o Marrocos. De lá, a ideia é chegar ao solo europeu, seja atravessando a barreira dos enclaves espanhóis de Ceuta e de Melilla, seja pelo mar, com todos os seus riscos.

Já Irène partiu de Douala há seis anos. Essa jovem voluntária deixou Camarões com um mestrado de direito no bolso, pensando em encontrar um emprego na Europa, para onde partiu depois de vender todos os seus pertences. Primeira etapa: Nigéria (Lagos, Kano), depois Níger (Maradi e Zinder, ao sul, antes de Agadez, nos confins do Saara e do Sahel).

"É lá que tudo acontece", ela conta hoje, escolhendo as palavras. "Quando você chega à estação ferroviária, tem muita gente, logo perguntam aonde você quer ir." Após uma semana de espera, ela embarcou em um caminhão na direção de Arlit, a cidade mineradora do norte do Níger. Sem dinheiro, vendeu seu celular e sua frasqueira por 7.000 dinares. O resto da viagem foi feito em um 4x4 até Tamanrassset, no sul argelino. "Na verdade, eles deixam você a vários quilômetros de lá, no meio do deserto, e você se guia pelas luzes da cidade."

Irène permaneceu ali por cerca de dez dias até que um nigeriano, envolvido no tráfico de clandestinos, lhe propôs que trabalhasse em Argel para um de seus irmãos, que procurava alguém que falasse francês. "Ao chegar, logo entendi que tinha caído em uma espécie de casamento. Eu cedi", ela confessa. "Quando você é mulher em um mundo desconhecido, o único refúgio é se casar, estar com um homem que cuide de você." Irène acabou deixando Argel e indo até Oran, onde hoje ajuda os imigrantes que chegam.

"A presença de imigrantes não é nova, mas ela se tornou visível após a chegada de nigerinos em 2014", ressalta Leila Beratto, correspondente da RFI na Argélia, que pesquisa o assunto há mais de um ano.

No verão de 2014, mulheres e crianças nigerinas começaram a aparecer nas grandes cidades do país. Essas cenas de africanos negros mendigando no centro das cidades não passaram despercebidas em um país tradicionalmente fechado. A reação das autoridades argelinas não tardou. Um acordo de repatriamento foi assinado com o governo nigerino, e houve batidas sobretudo em Argel e Oran.

"Hoje", explica a jornalista, "com exceção dos nigerinos, não expulsam mais as pessoas em razão do conflito do Mali. Quando você é detido por imigração clandestina, pode pegar dois meses de prisão. É difícil dar números, mas o número de imigrantes vem aumentando. A duração média da estadia na Argélia tem aumentado, e hoje ela seria de três anos."

Para além de sua proximidade com a Europa, a Argélia se tornou, a partir de 2011, um destino atraente. O medo da violência na Líbia, a piora na situação econômica na Tunísia, onde é mais difícil encontrar trabalho, e também a guerra no Mali atraíram candidatos. A Argélia, que durante 15 anos desfrutou da abundância petroleira, também tinha a imagem de um Estado rico da região. Graças aos preços subsidiados da energia e de certos produtos alimentícios, é possível viver ali sem gastar demais e guardar algumas economias.

No bairro de Ain Beida, a periferia de Oran, Joseph, um camaronês bem-humorado explica estar lá desde 2009. Ele trabalha em um dos vários canteiros de obras dessa cidade que vem passando por um boom imobiliário. "É verdade que ao lado, no Marrocos, há muitas associações que fornecem ajuda, mas não há trabalho. E aqui o custo de vida é menor", ele confirma, explicando que não abandonou seu projeto de ir para a Europa.

"Populações vulneráveis"

Assim como todos, ele sabe que não terá visto de permanência nem regularização, que simplesmente não existem na lei argelina, uma falta de documentos que cria indivíduos sem direitos. No início de outubro, um incidente ocupou a capa dos jornais: Marie, imigrante de 33 anos, foi vítima de um estupro coletivo em Oran, mas enfrentou muitas dificuldades para receber atendimento médico e dar queixa.

No bairro de Ain Beida, Diana, de 27 anos, passou por uma história parecida. Morando na Argélia há dois anos, ela cozinha e vende pratos tradicionais para viver. Uma noite ela foi agredida junto com sua filha pequena. Ao chegar à delegacia, Diana foi colocada na prisão junto com seu bebê por imigração clandestina. Ela também aluga um pequeno barraco por 14 mil dinares por mês. "As pessoas aqui não nos aceitam muito", ela explica.

Os imigrantes enfrentam uma sociedade argelina pouco acostumada com a mistura, onde o racismo é forte. Em geral, eles somam o duplo inconveniente de serem negros e cristãos em um país muçulmano. Então, o objetivo é passar o mais despercebido possível. A maior parte vive nos bairros periféricos, não nos centrais. Nas ruas de Oran, é possível ver homens trabalhando nos canteiros de obras que pipocam pela cidade. As mulheres, obrigadas a ficar em casa, sofrem mais com o isolamento.

"Mas a partir de 2012 o trabalho de sensibilização começou a dar seus frutos", observa Charlotte de Bussy, coordenadora da Médicos do Mundo na Argélia. A mídia tem se interessado mais, as instituições públicas e a sociedade civil estão mudando de opinião. Quando a ONG chegou, no final de 2010, para melhorar o acesso a cuidados médicos, o assunto era tabu. Com exceção da Igreja e de algumas associações, poucos se debruçavam sobre essa realidade. Imigrantes eram presos nos hospitais, mulheres davam à luz algemadas. Um lento trabalho de informação foi conduzido.

Recentemente, o Ministério da Educação lembrou que todas as crianças têm acesso à escola. Uma plataforma para a imigração, reunindo uma dezena de associações, surgiu em meados de dezembro: ela comemora os últimos avanços, mas ressalta a ocorrência de discriminações e a necessidade de uma lei sobre o asilo. "São populações vulneráveis, que sofrem violência, inclusive dentro de suas comunidades, e vivem marginalizadas", diz Charlotte de Bussy.

Em Oren, no pequeno "espaço para imigrantes" da Médicos do Mundo, emprestado pela diocese, onde estão armazenados cobertores e objetos pediátricos, as pessoas aparecem em busca de um pouco de apoio, de conselhos. A camaronesa Cynthia, de vinte e poucos anos, foi primeiramente enviada ao Líbano para trabalhar como doméstica (por R$ 1.020 ao mês) antes de chegar à Argélia, em uma casa onde foi maltratada e mantida como prisioneira sem nunca ter sido paga. Seu pesadelo chegou ao fim depois de vários meses graças a uma vizinha argelina que alertou a polícia. Hoje ela quer voltar, amargurada: "Vou voltar para meu país de mãos abanando."

Já Irène hesita. Ela tinha sonhos na cabeça. Ir à Europa e depois ao Canadá (ela fez toda a viagem com seus diplomas no bolso). "Ainda penso nisso", ela confessa, "mas não quero ir pelo mar". Ela sabe que alguns conseguiram fazer a travessia e hoje uma pessoa próxima está na Itália, mas tantos outros morreram. Ela sabe também como são grandes as necessidades aqui. Mas sem documentos e sem possibilidade de trabalhar, é difícil imaginar uma perspectiva de futuro na Argélia.

Tradutor: UOL

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