Enchentes em Paris revelam crise no museu mais visitado do mundo

Michel Guerrin

  • Jack Naegelen/Reuters - 2.jun.2016

    Homem anda com cachorro e tira foto em frente ao rio Sena, em Paris, que transbordou após dias de chuva

    Homem anda com cachorro e tira foto em frente ao rio Sena, em Paris, que transbordou após dias de chuva

O diretor do Louvre viu o Sena subir e tentou prever todos os cenários possíveis, como uma infiltração no chão ou, pior, um térreo cheio d'água, mas nada disso aconteceu. Nenhum sinal de umidade. Quase 35 mil obras foram levadas para os andares superiores em uma noite e um dia, e não houve nenhum incidente.

"O exercício de março foi precioso", conta Jean-Luc Martinez, o presidente do Louvre. No dia 9 de março, o museu fez uma simulação de inundação com evacuação dos depósitos. Mas dessa vez não foi um exercício. Além disso, não foram somente os depósitos que foram movidos, mas sim milhares de obras expostas ao público. "Nunca havíamos feito isso de esvaziar salas de exposição". Entre elas, uma parte do departamento de Artes do Islã e a exposição temporária "Hubert Robert".

No auge do nervosismo, Jean-Luc Martinez repetia às equipes que elas tinham 72 horas. "Não é uma corrida de velocidade, é uma maratona". Após cinco dias de fechamento, o Louvre reabriu na quarta-feira passada (8). Mas não o Artes do Islã. "Será preciso esperar até meados ou final de julho." Mas por que tanto tempo? "É muito mais simples retirar do que recolocar no lugar."

Espiral descendente

Ufa, então está tudo bem? Na verdade, não. O verdadeiro problema do Louvre não foi a enchente, mas sim o que ela revelou. O maior museu do mundo perdeu 120 mil visitantes em cinco dias de fechamento, que é uma gota d'água para um museu que recebe milhões de pessoas. E quantas, exatamente? Alguns anos atrás, como em um slogan publicitário, ele era chamado de "museu dos 10 milhões de visitantes". Era quase esse número na época, mas hoje está bem longe disso. Os números ao longo de quatro anos descrevem uma espiral descendente. Em 2012 foram 9,7 milhões; em 2013: 9,5 milhões; em 2014: 9,3 milhões; e em 2015: 8,7 milhões.

A frequência de 2015 despencou devido aos atentados de janeiro e de dezembro. A grande preocupação é porque os primeiros meses de 2016 apresentaram uma queda de 10%. Após os atentados contra o "Charlie Hebdo", foram os visitantes franceses, sobretudo de escolas, que deixaram de ir. Mas eles voltaram. Após os atentados de novembro, foram os turistas estrangeiros que sumiram, e estes ainda não voltaram. Ocorre que o Louvre é primeiramente um museu de turistas, que representam nada menos que 78% da frequência. Jean-Luc Martinez prefere o termo  "visitantes estrangeiros", que soa mais sério e, sobretudo, é mais correto, pois também há turistas entre os franceses.

O Louvre tem sofrido assim como sofrem o Orsay, o castelo de Versalhes, o Museu Picasso e o Centre Pompidou. De fato foi-se o ritual do início de cada ano onde essas grandes instituições parisienses anunciavam novos recordes de frequência. O clima mudou. As medidas de segurança na entrada transformaram esses lugares em fortes onde o acesso é lento e difícil. "O declínio está ocorrendo para nós como tem ocorrido para os grandes hotéis e os grandes magazines", diz Jean-Luc Martinez. Mas o turismo não está se recuperando, com uma queda de 11% na taxa de ocupação dos hotéis parisienses em abril. O mesmo vale para os restaurantes, os grandes magazines e as lojas de luxo. E não há certeza de que o Campeonato Europeu de Futebol vá ajudar.

No final do ano, o Louvre poderá ter perdido 1,7 milhão de visitantes em quatro anos. É muita coisa. Mas seria preocupante? "Essa palavra não existe no meu vocabulário", responde Martinez, que ainda diz: "O sucesso não se mede pela frequência, mas também não estou comemorando". Quando foi nomeado, há mais de dois anos, ele já dizia: "A questão não é tanto aumentar o número de visitantes, mas sim saber como recebê-los e o que oferecer a eles". Era uma forma de se diferenciar de seu antecessor, Henri Loyrette, que quando deixou o cargo, em 2013, dizia: "O público foi minha luta", orgulhoso de ter dobrado a frequência em doze anos e não via o número de 10 milhões como um limite.

Fazer menos, mas melhor, repete Jean-Luc Martinez, que mantém exposições de alto nível no Louvre. Mais fácil falar do que fazer. É só dar uma volta por esse circo absurdo que se tornou o museu, para ver que os turistas, aglomerados em torno dos destaques, não estão nem aí para as preocupações do diretor. De qualquer maneira, o Grande Louvre, com sua pirâmide, foi construído para isso: suportar as multidões. Sua viabilidade econômica depende disso. Quanto ao resto, Martinez não consegue negar os números. Uma queda de frequência de 10% equivale a "7 milhões a menos em receitas", somados ao custo de 1,5 milhão de euros devido ao fechamento motivado pela enchente. "Se continuar assim, teremos um problema financeiro". É uma questão delicada, uma vez que o Estado não está realmente em condições de pôr a mão no bolso.

Para piorar, o Louvre está preocupado com sua filial de Lens, aberta em 2012 com 900 mil visitantes em meio à euforia. Hoje, o número caiu para 400 mil, sendo a frequência média de 500 mil. "É preciso que o Louvre-Lens se mexa!", esbraveja Daniel Percheron, ex-presidente da região. É a região que financia a maior parte da unidade, e parlamentares se perguntam se não caberia ao museu pagar o deficit. Jean-Luc Martinez prefere encarar o desafio do público: "Cabe a nós trazer de volta aqueles que já visitaram a unidade de Lens. Acredito nisso."

O Centre Pompidou em Metz está com o mesmo problema: euforia no primeiro ano com 800 mil visitantes, mas 320 mil em 2015. É verdade que Lens e Metz têm um público que os museus regionais sonhariam em ter. Mas existe uma constante nessas histórias e nas que têm se esboçado nos grandes museus parisienses: o Ministério da Cultura afirma que um museu deve educar e criar laços sociais, mas sempre que há um problema nas contas, esses princípios vão por água abaixo, e os museus precisam se virar. Em geral, a solução é uma só: montar exposições caça-níqueis.

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Tradutor: UOL

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