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Em debate nos EUA, Irã foi mencionado mais de 45 vezes, Europa apenas uma, e Otan sequer foi lembrada

Steven Erlanger

Em Paris (França)

24/10/2012 06h00

Debates se preocupam mais em marcar pontos do que em elucidar problemas, assim como as eleições presidenciais se preocupam mais com as percepções de caráter do que com as políticas prometidas.

Mesmo assim, o debate presidencial americano da noite de segunda-feira (22), sobre política externa, apresentou uma visão distorcida do mundo, até mesmo do mundo definido pelos interesses nacionais americanos.   

O Irã foi mencionado mais de 45 vezes, Israel e China mais de 30 vezes cada, o Afeganistão foi 29 vezes e Mali foi pelo menos quatro vezes.  A Otan não foi citada e a Europa foi apenas uma vez –em uma lista de aliados citada pelo presidente Barack Obama– e o euro e sua crise nem mesmo foram mencionados.

Mas Mitt Romney declarou duas vezes que não deixaria os Estados Unidos e sua dívida interna seguirem o caminho da “Grécia”.
 
Até mesmo questões que Obama acentuou no início de seu mandato, como a não proliferação nuclear e os problemas da mudança climática, foram mal citados. De fato, a palavra “clima” não apareceu em momento nenhum. O México também não foi mencionado, e está bem próximo de casa. Não houve discussão sobre o declínio progressivo do Ocidente em termos de comércio global ou a ascensão de ideologias concorrentes, como o capitalismo autocrático da China, que desafia as ideias ocidentais de liberalismo, direitos humanos e o poder do indivíduo.
 
A Rússia e o sucesso ou fracasso da política de “reset” de Obama, assim como a aposta fracassada do governo no ex-presidente Dmitri Medvedev, mal foram aludidos. E parecia haver uma negação geral, sugerida pelo cientista político Barthelemy Courmont, daquela que é uma análise comum, que é o enfraquecimento da influência global americana.
 
“No momento em que um crescente número de analistas pondera o declínio dos Estados Unidos”, ele escreveu no jornal francês “Le Monde”, os candidatos trataram de “autopersuasão, insistindo no caráter ‘necessário’ do poder americano”;

 
Em geral, houve um senso entre analistas e observadores fora dos Estados Unidos de que se tratavam de dois candidatos competentes, inteligentes, que não divergiam muito nas questões chave de política externa, mas estavam na verdade debatendo tendo em mente os eleitorados domésticos dos principais Estados em disputa.
 
O debate sobre o Irã e Israel realmente foi voltado para os eleitores judeus em Estados como a Flórida, enquanto o debate em torno da China era realmente sobre empregos em Ohio e no Meio-Oeste, notou François Heisbourg, um conselheiro especial da Fundação para Pesquisa Estratégica, com sede em Paris. E isso faz sentido em uma eleição presidencial americana apertada, onde a maioria dos eleitores não considera a política externa uma prioridade, disse Heisbourg.
 
“O equilíbrio era mais voltado para o 11 de Setembro do que para a Ásia”, disse Heisbourg. “Foi mais sobre riscos e ameaças do que sobre amigos e aliados. Ambos falaram em um mundo hobbesiano como personagens durões dispostos a enfrentar os monstros lá fora, não como pessoas espalhando o evangelho do trabalho com amigos e aliados para tornar o mundo um lugar melhor, ou em espalhar a influência americana para ajudar as pessoas a se entenderem.”
 
O “Le Monde” disse em seu site: “Em cada pergunta, os dois candidatos voltavam para a situação econômica do país, prova de que essa é a principal preocupação do eleitorado”.

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Obama até mesmo falou da China como “adversária”, apesar de ter dito que também era uma “parceira potencial na comunidade internacional, caso siga as regras”. Romney disse basicamente a mesma coisa, falando sobre confronto no comércio e em não sobre trabalhar com a China em questões como a Coreia do Norte, Paquistão e Irã. Para Heisbourg, “ambos estavam errados sobre a China, a retratando como uma adversária, mas ambos passaram a mensagem sobre a defesa dos empregos em Ohio”.
 
Sem causar surpresa, o ataque que matou o embaixador J. Christopher Stevens e três outros americanos na Líbia, no mês passado, foi um assunto importante, levando a uma discussão que rodeou a Síria, onde a única diferença entre Romney e Obama era disposição do primeiro em fornecer armas aos rebeldes. Mas ambos concordaram que nenhuma tropa americana deve ser usada contra Damasco.
 
Mas diante de todos os elogios à intervenção bem-sucedida na Líbia (os papéis vitais –até mesmo de liderança– da França e do Reino Unido não foram mencionados), não houve nenhuma discussão sobre por que a motivação poderosa para uma intervenção americana na Líbia não é relevante na Síria, onde muito mais pessoas foram mortas por outro “ditador”. Essa é uma pergunta que consome muitos no Oriente Médio e na Europa, por mais complicadas que sejam as respostas.
 
Houve inquietação com o avanço do Islã radical, tanto em países caóticos quanto nas urnas, em consequência da turbulência do “despertar árabe”. Mas foi dito muito pouco sobre causas e curas.
 
Não foi mencionado, muito menos discutido, o papel da Turquia ou seu dilema como uma nação muçulmana dividindo fronteira com a Síria, nem sobre o envelhecimento da família real saudita e seu patrocínio do Islã radical e conservador, sem falar da Somália ou de ameaças islâmicas a aliados como a Jordânia e o Marrocos. Houve uma referência de relance aos palestinos, mas nenhuma discussão sobre suas divisões, sobre o papel do Hamas, a situação desesperada de Gaza, do fraco controle de Mahmoud Abbas e de seu movimento Fatah, do que poderia acontecer se e quando Abbas, o presidente palestino e líder da Organização para a Libertação da Palestina, saísse de cena.
 
E não houve críticas a Israel, seus assentamentos ou sua ocupação da Cisjordânia. Romney disse que Obama não visitou Israel como presidente mesmo após sua visita de 2009 ao Cairo, onde prometeu uma nova era nas relações com o mundo muçulmano.
 
Obama respondeu com descrições de uma visita anterior como legislador, mas Romney perdeu uma oportunidade de responder acidamente, pois até mesmo altos assessores de Obama reconheceram que não ir rapidamente a Israel depois do Cairo, para fazer um discurso semelhante, e então pedir rapidamente por um “congelamento dos assentamentos” em Jerusalém Oriental, em vez de na Cisjordânia, foram erros significativos.
 
Até mesmo na questão do poderio militar americano, houve pouco debate fora números. Obama está certo em dizer que os Estados Unidos possuem mais porta-aviões do que qualquer outro país, e disse uma frase boa sobre o jogo “Batalha Naval”. Mas os Estados Unidos supostamente têm apenas 11 porta-aviões, e estes estão cada vez mais vulneráveis a ataques com mísseis de longo alcance mais sofisticados. A nova era de foguetes, mísseis e aeronaves não tripuladas recebeu pouca atenção; até mesmo a ciberguerra foi mencionada apenas uma vez.
 
Quanto à Europa, a falta de atenção fez sentido. A Europa é uma aliada, não um dilema de políticas, e a crise na zona do euro é técnica, longa e tediosa, e parece estar discretamente perdendo força. Os problemas da dívida americana fazem os da Europa parecerem minúsculos. Como disse o ex-ministro das Relações Exteriores francês, Hubert Vedrine, “para Obama a Europa não é um grande problema, nem de muita ajuda com os problemas da América”.

 
Mas o jornal francês “Libération” perguntou: “E quanto à Europa? Ela não está distante da Oceania na disputa pelo status de continente mais esquecido”. Mas o silêncio foi bom para a Europa, disse o jornal. “Pelo menos a crise do euro não foi usada por Obama como uma grande fonte de problemas econômicos para a América, e Romney parou de usar o ‘socialismo europeu’ como seu espantalho de campanha.”
 
Na Internet e no Twitter havia milhares de reações ao debate. Mas quem falou por muitos foi @ jonathanwatts, um correspondente latino-americano do “The Guardian”, que escreveu: “Obama venceu esse debate. O mundo perdeu. Fora 5 minutos na China, foi tudo Oriente Médio. Onde estava a América Lantina, Europa, clima?”