Topo

Iranianos usam a criatividade para driblar uma nova proibição: a zumba

Grupo dança zumba em sala de aula de Nova York - EMILY BERL/NYT
Grupo dança zumba em sala de aula de Nova York Imagem: EMILY BERL/NYT

Thomas Erdbrink

Em Teerã (Irã)

20/06/2017 04h00

Para os iranianos que requebram os quadris e o bumbum ao som de música latina durante aulas de zumba, os clérigos muçulmanos do Irã --e uma empresa americana-- têm a mesma mensagem: Parem. É ilegal.

No entanto, os fãs de zumba no país se recusam a aceitar a proibição.

O Irã passou por uma revolução na saúde nos últimos anos, com a abertura de academias em vários bairros. Os homens levantam peso para ficarem musculosos, enquanto as mulheres suam em aulas de aeróbica para se manterem magras.

Assim como em muitos países, a zumba, uma aula de dança aeróbica, atraiu muitos adeptos aqui, especialmente entre mulheres que se reúnem algumas vezes por semana para se exercitar ao som de faixas animadas de cantores como Ricky Martin e Shakira e, de quebra, perder peso.

"É divertido. É alto-astral", diz Sunny Nafisi, 33, uma instrutora de zumba que trabalha em uma academia luxuosa de Teerã. Mas ultimamente não tem sido nada divertido ou alto-astral, admite Nafisi.

Instrutor de Zumba usa pulseiras com o nome da dança - EMILY BERL/NYT - EMILY BERL/NYT
Instrutor de Zumba usa pulseiras com o nome da dança
Imagem: EMILY BERL/NYT

Um decreto emitido este mês pela direção da Sports for All Federation (Federação Esportes para Todos), uma instituição governamental que promove a prática de esportes e um estilo de vida saudável, baniu efetivamente as aulas de zumba por serem contrárias aos preceitos islâmicos.

Desde então o telefone de Nafisi não para de receber mensagens de entusiastas da zumba deprimidos, com medo de que suas festas fitness, como alguns descrevem as aulas, sejam canceladas.

"É como se tivessem legalizado o álcool-- estão todos falando a respeito", diz Nafisi, referindo-se à proibição do álcool no país. Até sua sogra ligou da Califórnia perguntando se esse era o fim da zumba no Irã.

"É claro que não", bufou Nafisi. "A zumba não vai acabar".

Reunir-se com outras pessoas para fazer exercícios com dança é só um dos muitos exemplos das tensões que existem entre a dinâmica sociedade de classe média do Irã e aqueles que governam o país.

Desde a revolução islâmica de 1979, os clérigos muçulmanos xiitas do Irã transformaram em lei centenas de regras sobre estilo de vida, com o intuito de manter seu rebanho no caminho certo. No mundo deles, coisas como beber álcool, uma convivência mista entre homens e mulheres e dançar pode levar a cometer pecados.

Pecados podem enfraquecer famílias, a pedra fundamental da vida no Irã, então decidiu-se que essas tentações, e muitas outras, seriam ilegais, como um incentivo extra para se certificar de que elas não aconteçam.

Só que elas acontecem, porque não há como impor essas regras em uma sociedade que mudou completamente nos últimos 40 anos. Processos por infrações podem resultar em multas ou até mesmo em açoitamento, mas eles não são comuns, e na terça-feira milhares de homens e mulheres dançavam nas ruas para comemorar a conquista de uma vaga para a Copa do Mundo pela seleção nacional de futebol iraniana.

Hoje, muitos iranianos dão de ombros para a maior parte desses pecados, dizendo que deve caber aos indivíduos decidirem se os cometem ou não.

Na prática, isso significa que atividades populares, mas proscritas, inclusive a prática da zumba, muitas vezes são toleradas quando acontecem de forma meio escondida ou usando um nome diferente.

"Dei aulas de zumba aqui por anos", diz Nafisi. "Mas em vez de chamar de zumba, eu chamava de ‘exercício com música’ para que ninguém percebesse".

Outros nomes usados para as aulas foram "ritmo corporal", "aeróbica avançada" e "mumba".

Então, em uma sequência de acontecimentos que não é incomum no Irã, outra instrutora de zumba começou a chamar suas aulas pelo seu nome de verdade quatro anos atrás. Como as autoridades não reagiram, muitos outros instrutores, incluindo Nafisi, logo fizeram o mesmo.

"De repente, liberou", ela disse. "Talvez eles simplesmente tenham deixado de se importar".

Mas este mês, em uma carta, o diretor da Federação Sports for All, Ali Majd Ara, decidiu que a zumba não era um dos esportes aceitos. O problema era que fazer "movimentos rítmicos" ou "dançar" seria ilegal, segundo a carta.

"Considerando que atividades como a zumba, a execução de movimentos rítmicos e a dança sob qualquer forma ou título não têm credibilidade legal, solicito que o senhor emita um decreto para proibir tais movimentos", escreveu Ara em uma carta a uma autoridade de província, que foi publicada pela semioficial Agência de Notícias Estudantil Islâmica.

Devido à posição de Ara, a carta foi vista como o equivalente a uma proibição de alcance nacional.

"Do nada vem alguém e diz que isso ou aquilo não é permitido", diz Sepideh Heydari, 33, uma manicure que faz aulas de zumba há dois anos.

"Eu gosto porque é divertido. Eu fico feliz, e meu humor melhora quando eu danço", diz Heydari. "Provavelmente é por causa disso que eles não aprovam".

No caso de Nafisi, os clérigos do Irã não foram os únicos que estiveram contra ela. O departamento jurídico da Zumba Fitness, a empresa americana por trás do exercício da moda, também teria sido um obstáculo, pois segundo Nafisi ela teria cancelado sua licença de instrutora no ano passado quando ela escreveu em uma página do Facebook relacionada com a empresa que ela trabalhava no Irã.

Algumas empresas americanas interpretam as sanções contra o Irã de forma rígida, e Nafisi recebeu uma carta dizendo que ela só teria sua licença de instrutora de volta se ela se mudasse para outro país. A empresa lhe devolveu parte das taxas que ela havia pago pelo treinamento em Dubai.

"A zumba é ilegal no Irã por causa das sanções", teriam dito a Nafisi. "Eu perguntei a eles: e o Irã jogando futebol com a equipe americana? Mas eles nunca me responderam".

Nafisi afirma que ela continuará dando suas aulas de zumba em Teerã de qualquer forma, independentemente do que digam os clérigos ou os advogados.

"Eu tenho 40 alunos, e eles querem se exercitar", ela disse. "Vou simplesmente mudar o nome da aula".