Opinião: Antes da reunificação, Coreias precisam aceitar a diversidade, diz desertora
Os benefícios em longo prazo da reunificação compensam os custos financeiros, mas primeiro os coreanos do Norte e do Sul têm que aceitar uma sociedade inclusiva.
Tendo crescido na Coreia do Norte, nos anos 80, fui doutrinada a acreditar que os sul-coreanos sofriam horrores sob seu governo, mas que com o apoio incondicional do povo norte-coreano, nosso "Querido Líder" Kim Il-sung libertaria nossos vizinhos e reunificaria a Península Coreana. Quando adolescente, acabei conseguindo fugir da minha terra natal e descobri a verdade cruel - mas ainda alimento alguma esperança de que, um dia, viverei em uma Coreia unida e livre.
Em 2015, depois de fazer uma palestra sobre a Coreia do Norte em Berlim, eu me vi ao lado de uma parte do muro. Comecei a conversar com uma mulher da antiga Alemanha Oriental que também estava ali e ela me falou da alegria surreal que tomou conta da cidade no dia da queda, em novembro de 1989, de como as pessoas começaram a se dirigir para a região para ver se o que parecia impossível até então tinha realmente acontecido. Muitas choravam de alegria ao ver que a delimitação que tinha dividido artificialmente o povo alemão por tanto tempo tinha finalmente sido destruída.
Quero desesperadamente que o povo coreano possa viver um momento semelhante. Depois de segurar as lágrimas, escrevi uma mensagem especial naquela seção do Muro de Berlim e assinei meu nome. Jurei que, enquanto estivesse viva, ajudaria a remover a feia cicatriz que é a Zona Desmilitarizada (DMZ), linha que divide a Península Coreana e seu povo em dois.
Apesar do otimismo renovado por uma reconciliação entre o Norte e o Sul depois dos encontros recentes entre os líderes das duas nações, a perspectiva da reunificação ainda é remota. Uma tendência recente se revela particularmente desencorajadora: os dados de uma pesquisa indicam que inúmeros sul-coreanos, principalmente os jovens, são contrários a ela.
Uma das principais razões seria o imenso fardo econômico que seria imposto à Coreia do Sul; com base em algumas estimativas, o custo pode ficar entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões. Outra: a ampliação das diferenças culturais e econômicas resultantes de mais de 70 anos de divisão, tempo que diminuiu a importância da herança étnica comum, levando alguns coreanos de ambos os lados da DMZ a rejeitar a ideia de uma identidade nacional unificada.
Apesar desses desafios, os benefícios econômicos e de segurança em longo prazo superam, e muito, os custos de curto prazo da reunificação. O capital e a tecnologia do Sul, combinados aos recursos naturais e à imensa mão de obra do Norte, criariam oportunidades econômicas significativas para a península. Sem contar que um país unificado também teria um exército mais forte.
Aqueles que temem o ônus do processo devem encará-lo através de uma perspectiva mais ampla. Temos uma dívida extraordinária de gratidão aos ancestrais que sacrificaram suas vidas para lutar pela independência e liberdade da Coreia. Nossa cultura e nossa língua permanecem vivas graças a eles. É nosso dever continuar no caminho que eles se sacrificaram tanto para abrir, tendo como objetivo um país forte, inteiro e unido.
Infelizmente, há outro obstáculo: a incrível falta de tolerância generalizada em toda a península.
Mesmo depois de os desertores do Norte terem denunciado o regime e assumido a vida no Sul, muitos sul-coreanos ainda se recusam a aceitá-los, sujeitando-os ao bullying, ao ostracismo e outras formas de maus-tratos. O resultado é que tiveram que criar escolas separadas para ajudar os jovens nortistas a se ajustar à nova vida. Mesmo os adultos acabam sofrendo discriminação e isolamento social no ambiente de trabalho. Um estudo feito este ano concluiu que "comportamentos e pensamentos suicidas" são mais comuns entre os trânsfugas norte-coreanos do que na população sul-coreana em geral.
Infelizmente o fato é que, se fosse o contrário, os sulistas provavelmente enfrentariam o mesmo tipo de tratamento. Na Coreia do Norte, onde o cidadão médio não tem praticamente nenhuma interação com estrangeiros ou exposição a outras culturas, o racismo e a xenofobia são arraigados e explícitos, em uma hostilidade que alcança todos os níveis da sociedade. Os defensores mais ferrenhos do regime, por exemplo, referiam-se ao ex-presidente norte-americano Barack Obama como "macaco negro perverso" durante seu segundo mandato.
Os sul-coreanos também podem ser hostis com estrangeiros. A chegada de centenas de iemenitas requerentes de asilo à ilha de Jeju gerou fortes protestos, baseados em parte no temor pelo aumento da criminalidade, a disputa pelo mercado de trabalho e as diferenças culturais. Milhares pediram ao governo, em um abaixo-assinado, a rejeição aos refugiados.
Aqueles que expressam tais sentimentos se esquecem, ou não reconhecem, que muitos coreanos foram aceitos como refugiados e/ou adotados por estrangeiros após a Guerra da Coreia. (Infelizmente, membros da diáspora que voltam à península hoje muitas vezes são rejeitados por não serem "suficientemente coreanos".)
Há também quem esqueça que soldados de outros países lutaram e morreram ao lado de nossos conterrâneos durante a guerra. Dado esse histórico - e o fato de a Coreia do Sul ser signatária da Convenção de Refugiados das Nações Unidas -, os sulistas têm obrigação de aceitar os fugitivos de guerra e calamidades de outras partes do mundo.
Para aqueles que se sentem pouco à vontade com a ideia de uma sociedade inclusiva, eu digo o seguinte: se vocês querem uma Coreia unificada que seja aceita como membro da comunidade internacional, essa é uma realidade que terão que aceitar. Ter mais interações pessoais com estrangeiros é o primeiro passo - e o mais crucial também.
Os ancestrais que lutaram pela nossa liberdade nos deixaram um legado de sacrifício. Precisamos fazer o mesmo para as gerações futuras, fazendo o que for necessário para criar uma Coreia unida e receptiva, que todos os coreanos - e também aqueles que estão fugindo de qualquer tipo de conflito - possam chamar de lar.
* Hyeonseo Lee, desertora da Coreia do Norte e ativista de direitos humanos de destaque, é autora do livro de memórias "The Girl With Seven Names: A North Korean Defector's Story".
Este ensaio faz parte da série Fator de Mudança: Pauta Global 2019 de fim de ano que inclui artigos de opinião, fotos e desenhos sobre eventos e tendências de 2018 que repercutirão não só em 2019, mas nos anos seguintes.
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