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'Desastres não são naturais, mas socialmente construídos', diz especialista

Ingrid Tavares

Do UOL, em São Paulo

11/09/2013 15h38

As mudanças no clima vão trazer eventos meteorológicos cada vez mais frequentes e intensos ao Brasil - principalmente nas grandes cidades. Na visão de Roberto do Carmo, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), os desastres não são "naturais", mas "socialmente construídos" pela ausência de uma política habitacional, principalmente. 

"A expansão das grandes cidades é direcionada basicamente pelo mercado imobiliário. Observando a ocupação do espaço urbano, identificamos que os grupos de população de baixa renda são alocados em áreas dispersas [longe do centro], geralmente expostos a perigos ambientais. Será que essa é a melhor maneira?", questiona o coordenador da sub-rede Cidades durante sua apresentação na Conclima (Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais).

Se a tendência de concentração em áreas urbanas continuar no atual ritmo, com 85% dos brasileiros vivendo nesses centros, as cidades vão inchar com o acréscimo de 52 milhões em até 30 anos, chegando a marca de 194 milhões de pessoas, calcula Carmo.

Eventos mais intensos

De um lado, o Norte e o Nordeste passarão a ficar mais secos com a queda significativa da ocorrência das chuvas, enquanto o Sul e o Sudeste sofrerão com o aumento das precipitações até 2100.

Mas não é preciso esperar até o fim deste século para ver as consequências nas grandes cidades: esses fenômenos hidro-meteorológicos já são responsáveis por 100% dos desastres naturais no país, frente a 75% no âmbito global. Segundo Regina Rodrigues, do Departamento de Geociências da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), as inundações e os deslizamentos de terras são as principais causas de morte dos desastres naturais, enquanto a seca responde pelo maior número de pessoas afetadas por esses eventos extremos.

A pesquisadora coordena o grupo de trabalhos sobre Desastres Naturais da Rede Clima. Criado em 2007, o sistema do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação tem como desafio preparar o Brasil para causas e efeitos das mudanças climáticas, amparada atualmente por trabalhos de 13 sub-redes.

A equipe de Regina elaborou um mapa de resiliência da vegetação nativa e constatou que a parte mais vulnerável dessas alterações abruptas, que colaboram ainda mais para a incidência de eventos extremos no planeta, coincide com as regiões mais desmatadas no Brasil, assim como na Austrália e na África.

"Mas quando comparamos esses cenários, só a América do Sul mostrou capacidade de regenerar sua cobertura arbórea em eventos extremos úmidos, de chuvas, o que pode aumentar o sequestro de carbono."

A pesquisadora destacou, ainda, a criação de um modelo do grupo que conseguiu prever, com sucesso, de 85% do El Niño e 80% da ocorrência da La Niña,  fenômenos climáticos que atuam, alternadamente, no oceano Pacífico. 

Como a chuva no Nordeste está associada à zona de convergência intertropical em conjunto com a ação da El Niña (que esfria as águas do Pacífico, obrigando um leve aquecimento do oceano Atlântico para equilibrar a temperatura atmosférica), muitos esperavam uma estação chuvosa intensa no ano passado. Mas isso não ocorreu, muito em parte pelo enfraquecimento do fenômeno, que ficou concentrado apenas no centro do Pacífico, sem migrar para o oceano que banha o nosso país.

"O aumento da temperatura média dos oceanos está alterando esses eventos, afetando diretamente as temporadas de chuvas [no Brasil]. Por isso, se tiver alguma alteração, a estação chuvosa só vai ocorrer no próximo ano, entre março e maio, geralmente."

O físico Carlos Garcia, do Instituto de Oceanografia da FURG (Universidade Federal do Rio Grande), aponta que tanto a elevação das temperaturas quanto do nível do mar alteram os eventos extremos, afetando áreas vulneráveis na costa brasileira. O problemas, ressalta o coordenador da sub-rede de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, é que há muitas lacunas nos dados da rede altimétrica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

"Tem muitas lacunas nos dados de satélites antes de 1995, por isso não observamos tendências. Mesmo com o SimCosta, o Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira que deve ser implantado em breve, vai ser muito difícil – para não dizer praticamente impossível - recuperar esses dados em algumas áreas.  Mas esperamos recuperar alguma coisa, para tentar recriar essa série histórica e monitorar melhor o mar."