Por que o fogo se espalha sem controle nas matas do Brasil?
O Brasil deve terminar mais um ano com incêndios florestais acima da média histórica, apesar de o número ter diminuído bastante em relação ao ano passado e se aproximado da média. As queimadas descontroladas são um dos maiores problemas ambientais do Brasil, e, em 2016, atingiram em cheio a Amazônia. O fogo que devasta florestas e prejudica o clima tem a marca humana.
Em 2016, o Brasil teve 156.828 focos de incêndios detectados pelos satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) até 28 de outubro. A média histórica até o fim de outubro é de 152.656 focos. Já o atípico 2015, que foi o segundo ano com mais incêndios desde o início da medição em 1999, registrou 236.371 focos de queimadas no total do ano, número bem acima do que o Brasil deve apresentar em 2016.
A ação humana é o principal causador de incêndios no Brasil. Segundo o Ibama e especialistas consultados pelo UOL, a ignição natural é praticamente inexistente no Brasil, com raras exceções no cerrado. Os culpados maiores costumam ser fazendeiros, que utilizam o fogo para desmatar regiões e preparar áreas para agricultura ou pastagem.
É ação humana. Seja dos indígenas e populações tradicionais que perdem o controle do fogo na preparação de suas roças, como também do fazendeiro que usa o fogo de maneira inadequada para limpeza de pastos e aberturas de novas áreas. Também há ocorrência de incêndios originados pelas ações de caçadores, pescadores e garimpeiros ilegais em áreas florestais" Ibama
Para Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace, os incêndios florestais na região amazônica são uma maneira de "reformar o pasto ou fazer desmatamento de áreas". A tese é corroborada pelo físico Paulo Artaxo, que estuda o clima da Amazônia. O cientista lembra que queimadas por causas naturais só existem no hemisfério Norte e que o costume é "derrubar as árvores, deixar o tronco secar até setembro e então queimar".
Na última semana, um vídeo da ex-modelo Gisele Bündchen sobrevoando a Amazônia e se emocionando com a devastação da floresta gerou bastante repercussão. A brasileira, que participava de uma série do canal National Geographic, estava acompanhada de Paulo Adario, um dos fundadores da ONG Greenpeace Brasil, e que conta que 65% do desmatamento na Amazônia é por causa da pecuária.
Primeiro semestre seco e Amazônia em chamas
O pico de setembro mencionado por Artaxo realmente ocorreu, mas inferior ao que se imaginava e abaixo da média histórica do mês – foram 44.060 focos contra a média de 55.378. O incomum para 2016 foi os primeiros meses: o Brasil bateu recordes históricos de queimadas em janeiro, fevereiro, março e abril – o máximo para estes meses havia ocorrido em 2003.
"Em 2015/2016 sofremos os efeitos de um dos maiores El Niño já conhecidos. Esse fenômeno afetou o regime de chuvas, fazendo com que fosse um ano atipicamente mais seco, o que propiciou condições excelentes para a ocorrência de incêndios florestais", afirma o Ibama.
O enfraquecimento do fenômeno contribuiu para os incêndios florestais abaixo da média a partir do segundo semestre. O Brasil apareceu em agosto com 65% focos de queimadas a mais do que no ardente 2015, mas a desaceleração no segundo semestre contribuiu para o país ficar próximo à média histórica. A explicação para esta redução recai sobre chuvas fora de época que amenizaram a ação de quem provoca queimadas ilegais.
Entre os Estados com aumento nas queimadas, alguns da região amazônica se destacam. No comparativo entre a média e os dados deste ano até outubro, o Acre (3.261 na média contra 6.894 em 2016 até 28 de outubro) e o Amapá (477 na média contra 840) tiveram quase o dobro de focos neste ano, enquanto Roraima (1.146 contra 3.279) e Amazonas (4.665 contra 11.283) tiveram o número quase triplicado. O aumento tem relação com a mencionada seca maior na região neste ano.
Faltam fiscalização e vontade dos governos?
Para especialistas como Artaxo, "acabar com a queimada e desmatamento no Brasil não é difícil". O físico lembra medidas que até hoje não saíram do papel. Com o Acordo de Paris homologado e os incêndios florestais como um dos principais causadores do efeito estufa, talvez seja hora de ações serem feitas.
A implementação do cadastro rural é essencial. O governo adia cada vez mais. Se um satélite detecta um incêndio, você precisa saber quem multa. Há ainda a questão da distribuição de certificados em produtos para não comprar soja e carne de região desmatada..." Paulo Artaxo, físico e membro do painel climático da ONU
Já Mazzetti, do Greenpeace, lembra que o sul da Amazônia está no arco da expansão da fronteira agrícola. A ativista critica o que chama de sinalizações erradas do governo federal a quem está no campo – seja a de que quer zerar o desmatamento ilegal apenas em 2030 ou a anistia a quem desmatou realizada no código florestal de 2012 – e diz que uma reforma administrativa no governo do Amazonas com corte de recursos para o meio ambiente também ajudou. Para ela, falta fiscalização.
A fiscalização está bem defasada. O recurso é muito baixo. Eu acho que há um tempo combater o desmatamento deixou de ser uma prioridade tanto dos governos federais quanto dos estaduais" Cristiane Mazzetti
Ela acrescenta ainda que os instrumentos de controle estão antigos. "Em 2005, o governo começou a combater o desmatamento, mas ao longo do tempo as ações foram se enfraquecendo", opina.
Ibama diz que contratou mais brigadistas
Indicado pelo Ministério do Meio Ambiente para comentar sobre queimadas, o Ibama afirmou que contratou mais 57 brigadas, chegando ao total de 912 brigadistas para o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais. O órgão ainda relata que foram realizadas operações preventivas nos anos de 2015 e 2016 que evitaram novos incêndios e facilitaram a aplicação de multas a quem não seguisse as recomendações do Ibama.
Questionado pelo UOL, a Secretaria do Meio Ambiente do Amazonas citou o El Niño como causa dos dois anos recordes de queimadas no Estado, mas que as chuvas e campanhas governamentais contra queimadas colaboraram para a redução do fogo no segundo semestre. A pasta ainda alega que "mudanças nas estruturas de pastas é comum na troca de gestão, mas não houve prejuízos no combate a incêndios".
A secretaria destaca que o Amazonas tem cobertura florestal preservada em 97% de seu território e coloca a geografia como um problema no combate a incêndios florestais, já que algumas áreas só são alcançadas por meio de rios. Destaca ainda ações implementadas desde janeiro, como sala de monitoramento no Sema, criação de brigadas no interior e planos para 23 municípios, campanhas de conscientização e a união de vários órgãos no combate aos incêndios na criação do chamado Grupo de Trabalho de Prevenção, Controle e Combate às Queimadas e Incêndios Florestais (GT Queimadas).
Foram também realizadas tentativas de contato com as secretarias do meio ambiente do Amapá e do Acre no horário da tarde durante as últimas duas semanas, mas sem sucesso. O mesmo ocorreu com o órgão Femarh (Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), de Roraima.
*Colaboração: Aliny Gama
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